Todos nós criamos o mundo à nossa medida. O mundo longo dos longevos e curto dos que partem prematuramente. O mundo simples dos simples e o complexo dos complicados. Criamo-lo na consciência, dando a cada acidente, facto ou comportamento a significação intelectual ou afectiva que a nossa mente ou a nossa sensibilidade consentem. E o certo é que há tantos mundos como criaturas. Luminosos uns, brumosos outros, e todos singulares. O meu tinha de ser como é, uma torrente de emoções, volições, paixões e intelecções a correr desde a infância à velhice no chão duro de uma realidade proteica, convulsionada por guerras, catástrofes, tiranias e abominações, e também rica de mil potencialidades, que ficará na História como paradigma do mais infausto e nefasto que a humanidade conheceu, a par do mais promissor.
Miguel Torga, A Criação do Mundo
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