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domingo, setembro 07, 2008

Pertenço a um país

Excerto de um dos textos de Prado Coelho. Vale MUITO a pena ler. E pensar sobre.
«… pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais. Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.
Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos … e para eles mesmos. Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos. Pertenço a um país onde a falta de pontualidade é um hábito. Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos. Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros. Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é “muito chato ter que ler”) e não há consciência nem memória política, histórica nem económica. Onde nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar a alguns.
Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser “compradas”, sem se fazer qualquer exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não dar-lhe o lugar. Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão. Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes».
Eduardo Prado Coelho

terça-feira, julho 01, 2008

O CÃO DE PICASSO



O livro intitula-se Picasso & Lump - a história do cão que comeu um Picasso e acaba de ser lançado pela editora Guerra e Paz. São fotografias e alguns textos da autoria de um conhecido fotógrafo David Douglas Duncan. Este homem, de nome aliterante (DDD), foi fuzileiro naval e tornou-se para a revista Life fotógrafo de cenários de guerra, em particular das guerras da Coreia e do Vietname. Mas conheceu Picasso, interessou-se profundamente por ele enquanto homem e artista de génio e publicou neste domínio três livros: Picasso"s Picassos, Picasso and Jacqueline e Goodbye Picasso. Em dada altura da sua vida, a Mercedes-Benz fabricou um Gullwing especial para receber em troca um conjunto de fotografias de Duncan. É nesse Mercedes-Benz que um dia Duncan se dirige à morada de Picasso, a famosa Villa La Californie, acompanhado pelo seu pequeno cão, co-piloto como lhe chama, de nome Lump, que significa "pequeno malandro". Lump chega, entra, vê a casa e resolve ficar, fascinado pelo lugar e os seus habitantes, por Jacqueline e Picasso. É esta nova situação que está na origem do curiosíssimo e original livro agora editado pela Guerra e Paz.Que faz que uma pessoa se deixe cativar por um cão? Num dos volumes da Taschen agora divulgados pelo PÚBLICO, aquele dedicado ao arquitecto japonês Ando, vemos a certa altura uma fotografia do arquitecto com o seu cão. Nome do cão? Inevitavelmente, Corbusier. Tal como o meu primeiro cão em França se chamou Spinoza, o que criava alguns equívocos quando numa livraria o chamava para junto de mim. A dada altura, o cão torna-se um grande interlocutor, por vezes o único. Numa viagem que fiz de carro, conversava muito com o Spinoza, e de tempos a tempos parava para lhe oferecer um gelado que ele adorava.Mas que faz que um cão se deixe cativar por uma pessoa? Como sempre, não sabemos, mas adivinhamos que um olhar nos interroga. Neste caso, o espantoso, comovente e quase dilacerante olhar de Lump. Lump para o qual logo no primeiro dia Picasso fez um coelho de papel que ele rapidamente devorou. Lump que Picasso imortalizou no modo como o pintou, mais alongado do que ele próprio era, num prato de cerâmica. Lump que aparece a substituir o cão que Velasquez colocara à direita das Meninas, e de que Picasso fez variadíssimas versões. Lump que aparece assim definitivamente na história da pintura. Lump que entrava no atelier de Picasso, no meio daquela imensa desordem e das cadeiras partidas e com a verga rebentada, e que deixava cair uma pedra que sempre trazia na boca para tentar dizer que estava ali e chamar a atenção. Lump que ficava horas a fio ao lado de Jacqueline a ver Picasso pintar. E que abusava de todos os privilégios, que os outros cães da casa, o Yan ou a Esmeralda, não tinham. E que por isso durante as refeições subia para o colo de Picasso e comia à mesa. Lump que morreu em 1973, no ano da morte de Picasso.Tudo isto nos mostra Duncan num livro que se vê e lê numa espécie de encantamento. Trata-se da melhor abordagem, não à pintura de Picasso, mas ao homem que está por dentro dessa pintura. E por outro lado a esse mundo de esvoaçantes pombas brancas onde se afirmava o amor de Jacqueline por Picasso.

Eduardo Prado Coelho