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domingo, fevereiro 15, 2009

Do amor..

Berlim 2008
Foto:G.Ludovice


Aferramo-nos à crença, de que alguém algures, nos ama o suficiente para se nos agarrar, para evitar que sejamos arrebatados. Mas a crença é falsa. Todo o amor é moderado,no fim. Ninguém virá connosco. A história de Euridice foi mal interpretada. O tema da história é a solidão da morte. Euridice está no inferno com a sua mortalha. Acredita que Orfeu a ama o suficiente para ir salvá-la. E de facto Orfeu vem. Mas no final o amor que Orfeu sente não é suficientemente forte. Orfeu deixa a amada e regressa à sua própria vida. A história de Euridice recorda-nos que a partir do momento da morte perdemos todo o poder de escolhermos os nossos companheiros. Somos precipitados no destino que nos está traçado; não nos cabe a nós decidirmos ao lado de quem viremos a passar a eternidade.
J.M.Coetzee, Diário de um mau ano, D.Quixote, 2008

quinta-feira, dezembro 18, 2008

Identidade nacional..

Pintura: GUIDO SIEBER

...é tudo o que a história da identidade nacional vem a ser: onde passa despercebido e onde não, onde pelo contrário a pessoa sobressai. Como um polegar ferido, como dizem os ingleses; ou como uma nódoa como dizem os franceses, uma nódoa na imaculada roupa doméstica.
Não tem nada que ver com a fluência. Eu sou perfeitamente fluente como pode notar. Mas o inglês veio-me mais tarde.Não veio com o leite materno. De facto, não veio, pura e simplesmente. No íntimo sempre me senti uma espécie de boneco de ventríloquo. Não sou eu que falo a língua, é a língua que é falada através de mim. Não vem do meu
amâgo, de mon coeur...
J.M.Coetzee, O homem lento, ed.d.quixote

terça-feira, dezembro 02, 2008

Sobre as crianças

Outra lição das minhas horas no parque.
Simpatizo com crianças, em abstracto. As crianças são o nosso futuro. É bom para as pessoas de idade estarem rodeadas de crianças, levanta-nos o moral. E assim por diante.
Aquilo que esqueço no que toca às crianças é a incessante algazarra que fazem. Falando cruamente, gritam. Gritar não é simplesmente falar muito alto. Não é nenhum meio de comunicação, mas sim uma maneira de abafar os rivais. É uma forma de auto-afirmação, uma das mais puras que existem, fácil de exercer e altamente eficaz. Uma criança de quatro anos pode não ser tão forte como um adulto, mas é decerto mais barulhenta. Uma das primeiras coisas que devíamos aprender no percurso para nos tornarmos civilizados: não gritar.
Diário de um mau ano, J.M.Coetzee

quarta-feira, outubro 29, 2008

Sobre as probabilidades

Lisboa
Foto:G.Ludovice 2006

(...) O que seria a vida se uma pessoa fizesse tábua rasa de todas as regras que só podem ser afirmadas em termos probabilísticos? "Se apostares no cavalo tal perderás provavelmente o dinheiro." Se excederes o limite de velocidade serás provavelmente preso. " Se te atirares a ela levarás provavelmente uma tampa."
O termo coloquial para designar não fazer caso das probabilidades é correr risco.
Quem sabe se uma vida feita de riscos não será (provavelmente) melhor que uma vida vivida de acordo com as regras? (...)

J.M. Coetzee, Diário de um mau ano, Ed. D.Quixote, 2008