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quinta-feira, junho 25, 2009

A Nossa Vida como um Conjunto de Metáforas

Pensemos, por exemplo, nos grandes escritores.
Podemos orientar a nossa vida por eles, mas não podemos extrair das suas obras o elixir da vida. Eles deram uma forma tão rígida àquilo que os moveu que tudo isso está ali, mesmo nas entrelinhas, como metal laminado. Mas, que disseram eles na verdade? Ninguém sabe. Eles próprios nunca o souberam explicar cabalmente. São como um campo sobre o qual voam as abelhas; e ao mesmo tempo, eles são esse próprio voo. Os seus pensamentos e sentimentos assumem toda a escala da transição entre verdades ou erros que, se necessário, podem ser demonstrados, e seres mutáveis que se aproximam ou afastam de nós quando os queremos observar. É impossível destacar o pensamento de um livro da página que o encerra. Acena-nos como o rosto de alguém que passa rapidamente por nós, numa fila com outros rostos, e por um instante surge carregado de sentido. Estou outra vez a exagerar um pouco. Mas agora queria perguntar-lhe: que coisa acontece na nossa vida que não seja aquilo que acabo de descrever? Não falo das impressões mais exactas, mensuráveis e definíveis; todos os outros conceitos em que baseamos a nossa vida não passam de metáforas que ficaram cristalizadas. Entre quantas ideias não oscila e paira um conceito tão simples como o da virilidade? E como um sopro que muda de forma a cada respiração, e nada é estável, nenhuma impressão, nenhuma ordem. Se, como eu disse, pomos de lado na literatura aquilo que não nos convém, tudo o que fazemos é reconstituir o estado original da vida.
Robert Musil, in 'O Homem sem Qualidades'

sábado, julho 05, 2008

Do tempo..

Viena de Aústria, 2008
Foto:G.Ludovice

O comboio do tempo é um comboio que vai desenrolando os seus próprios carris à sua frente.
O rio do tempo é um rio que arrasta consigo as suas margens.
Quem viaja com eles move-se entre paredes firmes sobre chão firme; mas o chão e as paredes acompanham, com o seu movimento, o movimento vivo dos viajantes. (...)

in: O homem sem qualidades, Robert Musil, D.Quixote, 2008

terça-feira, junho 17, 2008

Catedral de S.Estevão, Viena - 2008
Foto:g.ludovice

"(...) A coisa certa e o tempo de que ela precisa estão ligados por uma força misteriosa, como uma escultura com o espaço a que pertence ou um lançador de dardo com o alvo em que acerta sem olhar para ele.(...)"

In: O homem sem qualidades, Robert Musil

sexta-feira, junho 06, 2008

Dos Pensamentos..

Viena de Áustria, 2008
Foto:G.
Ludovice


"(...) De facto um pensamento que não tem uma finalidade prática é uma ocupação secreta pouco decente; sobretudo aqueles pensamentos que dão grandes saltos, como se tivessem andas e tocam a experiência apenas com minúsculas solas, são suspeitos de terem uma origem pouco legítima. Antigamente falava-se do voo dos pensamentos, e no tempo de Schiller um homem cujo peito desse abrigo a problemas de tão alto gabarito seria certamente muito considerado. Hoje, pelo contrário, ficamos com a impressão de que há qualquer coisa que não bate certo num homem assim, a menos que se trate da sua profissão e fonte de rendimento. Deu-se sem dúvida, uma reorganização das prioridades.
Dterminadas preocupações foram retiradas do coração dos homens. Criou-se para os pensamentos de alto voo, uma espécie de aviário a que se chama filosofia, teologia ou literatura, onde eles se reproduzem à maneira e cada vez mais a perder de vista; e é bom que assim seja, porque perante tal multiplicação ninguém precisa de se censurar por não poder ocupar-se pessoalmente de cada um deles (...)"

in: , O homem sem qualidades, Robert Musil, trad.J.Barrento, ed.D.Quixote, 2008


Quando nos encontramos com Musil (escritor austríaco), pára-se como uma rocha que minutos antes era um desassossego exterior disseminado em areias. Fica-se em peso, por dentro.
Existe na sua obra a reflexão não como esporádica mancha, mas definitiva no seu desconcertar o real, esse guarda-chuva desmantelável pelos pensamentos.