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quarta-feira, março 31, 2010

Noite de Sonhos Voada

fotografia de maria eduarda


Noite de sonhos voada
cingida por músculos de aço,
profunda distância rouca
da palavra estrangulada
pela boca armodaçada
noutra boca,
ondas do ondear revolto
das ondas do corpo dela
tão dominado e tão solto
tão vencedor, tão vencido
e tão rebelde ao breve espaço
consentido
nesta angústia renovada
de encerrar
fechar
esmagar
o reluzir de uma estrela
num abraço
e a ternura deslumbrada
a doce, funda alegria
noite de sonhos voada
que pelos seus olhos sorria
ao romper de madrugada:
— Ó meu amor, já é dia!...

Manuel da Fonseca, in "Poemas Dispersos"

terça-feira, março 30, 2010

Desconversar

fotografias de maria eduarda

Nunca gostei de conversas de circunstância, e com o passar dos anos, menos paciência tenho para nelas participar.

De facto, é preciso que se origine a circunstância, para colocar lá dentro, as frases sobre o tempo, a falta dele ... que nem sequer chegam a ser conversas. Dizeres soltos, em contexto de nada querer dizer.

Assim sendo, basta a saudação do bom dia, boa tarde ou boa noite, e a circunstância ausenta-se, assim como o diálogo. Prefiro então o monólogo, o conversar com os meus botões, mesmo que não os tenha. E sozinha, reflicto, avalio-me, o que me traz vantagens - não é preciso forçar uma situação e ouvir banalidades.

maria eduarda

O traçado da vida

Imagem tirada daqui


Creio-a

no tracejado

da estrada:

presente no traço,

ausente no espaço.

Nesse traçado

vejo a vida,

na mistura da presença

com a ausência,

do amor, do desamor,

nesta minha vivência.

maria eduarda

segunda-feira, março 29, 2010


" We suffer very with the little that in the lack and we enjoy much little that we have."


«Sofremos muito com o pouco que nos falta e gozamos pouco o muito que temos.»


Citação favorita de Nuno Lobito

sexta-feira, março 26, 2010

O QUASE FIM DO MUNDO


Começa assim:

“Chamo-me Simba Ukolo, sou africano, e sobrevivi ao fim do mundo.”

Li este livro saboreando cada descrição, cada situação, cada palavra. Este escritor é, realmente, um génio. Os dois últimos livros que li foram dele. O último “O planalto e a estepe”, a que já me referi aqui, e este, o penúltimo. Gostei mais deste!!! E gostei tanto do outro!!! Comentei várias vezes que me fazia lembrar, devido ao caos instalado, “O ensaio sobre a cegueira” do J. Saramago. Achei engraçado, ao procurar a capa do livro p colocar aqui, encontrar um comentário, noutro blogue, a dizer exactamente isso. E porque concordo, transcrevo:

«A história, perdoem-me a comparação, é um bocado do género "Ensaio sobre a Cegueira". Uma calamidade que, como todas a calamidades, aparece sem avisar. De repente, quase todos os seres animais desapareceram e o mundo vê-se deserto. Mas não em Calpe. Não numa pequena zona de África onde afinal nem todos desapareceram. Afinal que "coisa" foi esta? Afinal para onde foram todos? Deixámos de ter família?

São as reacções destes seres que Pepetela se propõe mostrar.»

Na contracapa: “E se a vida animal de repente desaparecesse da Terra, excepto num pequeno recanto do mundo e em doses mínimas? Talvez as causas se conheçam depois, mas o que importa é a existência de alguns seres, aturdidos pelo desaparecimento de tantos, e procurando sobreviver. É sobre estes sobreviventes e as suas reacções, desejos, frustrações, mas também pequenas e grandes vitórias que trata este romance. Detalhe importante: o recanto do mundo que escapou à hecatombe situa-se numa desgraçada zona da desgraçada África. O que permitirá questionar as relações contemporâneas no velho Mundo.”

Prende-nos da primeira à última linha. Aconselho vivamente!!! Há de tudo um pouco. As personagens (africanos - sendo um deles sulafricano e uma americana) cativam-nos, as situações são variadas e não há nada que não valha a pena.

A poesia

Imagem retirada daqui
"Compreender a poesia é olhá-la sem a tentação de lhe perguntar nada. É aceitar o núcleo de silêncio donde todas as formas se destacam. A obra vale pela densidade de silêncio que impõe. Por isso os poetas que imaginam dizer tudo são tão vãos como as estátuas gesticulantes".

Eduardo Lourenço

quinta-feira, março 25, 2010

O mundo

Fotografia tirada daqui


O mundo está hoje dividido entre os que dão e os que recebem. Como se fosse uma condição natural, genética, perpétua. Nós, os receptores daquilo que se chama "ajuda", já tivemos outros nomes: Terceiro Mundo, países em vias de desenvolvimento, territórios do Sul, países sub-desenvolvidos, nações de periferia. Agora, no quadro do politicamente corrigido, nós temos, pela primeira vez, o direito de partilhar de um mesmo nome: somos ambos, ricos e pobres, chamados "parceiros". Este novo nome é mais simpático, mas ele colide com uma questão de princípio: não se resolve nas palavras aquilo que não está resolvido na substância.


Mia Couto, in Courrier International, 2005

domingo, março 21, 2010

Dia Mundial da Poesia

fotografia de maria eduarda
(ideia brilhante da Em@)
****
Poema 1
*
tenho nos olhos acesas
as estrelas que lá colocaste
numa outra Primavera
era Dezembro.
hoje
em Março
no tempo e no espaço
a Primavera é real
porque de andorinhas
tem sido feito
o nosso percurso.
espero que a vida
não nos gele as asas
num golpe de vento polar.

Em@


Poema 2
*

Eu sei...
o luar chegará
num lago de feitiços
onde os meus olhos
banharão os sonhos.
Agora...
o sol ainda é festa
e a primavera rainha.
O meu tempo...
será outro.

(Graça Arrimar, 21-03-2010)
*
Poema 3


no meu céu...

Os céus cinzentos
Fazem-me aconchegar
No calor dos corações
E pintar a saudade das estrelas
Os céus cinzentos
Fazem-me procurar a musa dos céus
E espelhar-me na sua candura
Os céus cinzentos
Fazem-me volver as marés
E escrever na areia molhada
Os céus que fazem cantar

A voz mais sombria
Onde apenas a luz atrevida
Se solta em plena noite a sussurrar

Andy
*

Poema 4
Quando a noite se levantou havia orvalho feito poema em cada pétala aguardada; em sua cama de seda e alecrim aconchegou a alma em busca das respostas do poeta… poeta vadio, arredio que pelas notas do luar transportou néctares fecundos de esperança… servidos como um banquete nos cálices feitos poema. Amanhã … depois do luar, nova poesia irá crescer e outros prados conquistar…

Aida Beirão
*

Poema 5


O que dizer
quando o dizer
não é bastante ?

Indaga-se a alma
no silêncio do olhar

e diz-se tudo
o que está aquém e além
do nomear

jad
*

Poema 6

Venho de longe,
deixei o sorriso escarlate,
na acácia ao rubro,
ao fundo do meu quintal.
Vesti um outro sorriso,
decalcado do primeiro,
não me deixa, não o deixo,
até ao dia esperado,
quando o resgatar,
e sorrir então inteira,
no sonho de lá estar.
.
Dudú
(maria eduarda)

*
Poema 7


Camuflagem

Posso ser
Uma flor (que cheiras com entusiasmo),
Uma nuvem (andando apressada),
Uma gota (que cai sobre ti),
Um pensamento (perdido no espaço),
Um livro (que guardas na estante),
Um dedo (na direcção do horizonte),
Uma pestana (que te concede o desejo),
Uma chave (que abre todas as portas),

Posso ser o que quiser…
Porque eu sou parte de tudo
E tudo faz parte de mim..


Flávia Teodorico.
*

Poema 8


O tempo não pára
e nós continuamos
o nosso caminho
alheios a tudo aquilo
que ainda está por vir.
Embora tão perto,
somos tão distantes
uns dos outros…
Então,
estendemos a mão,
numa tentativa frustrada
de mostrar sorrisos e lágrimas
que as nossas máscaras não deixam ver.
Despreocupados
e indiferentes,
caímos nas malhas do tempo
e rodamos conforme o vento
quer que rodemos.
Felizes…
E tristes…
Nesta nossa teia,
tão frágil,
mas ao mesmo tempo
capaz de suportar tanto.

Flávia Teodorico.
*

Poema 9


Resgatei
o meu sorriso,
transformei-o
em gargalhadas
límpidas,
espampanantes,
sem idade.

E dancei,
dancei contigo,
um tango excêntrico,
sob uma amendoeira
em flor..

Anabela Magalhães

*

Poema 10

A noite profunda, infinita vibra:
sozinha, ferida, dilacerada.
Mas chegará a ver sua ferida cicatrizar.
E eis que o sol voa, nasce.
Vira um crematório para as trevas,
assim como os anos para os sentimentos.
E o dia está claro.
Mas na sua luz intensa ficam espalhadas sombras,
ossos da escuridão.
Assim permanece a dor
mesmo nas esperanças mais lindas.
E depois o ocaso persegue e junta as sombras,
para restabelecer as trevas
no circular da vida...
O verdadeiro medo está no esperar
e na nossa idéia de agonia, que cedo ou tarde acontecerá.
Há uma ponte que liga as partículas do nosso corpo
aos inatingíveis espaços siderais: o movimento infinito.
E a velocidade é o caminho que nos funde
com tudo.
Mas algum dia o universo desfalecerá
e voltarão para trás, infinitamente em si, os movimentos
e a matéria, a nossa vontade cega.
E até a escuridão se apagará.
.
©Mari Amorim

*

Poema 11

Liberation

I can see it coming,
I can see it!
It comes fast, so fast
The Dark…
The abyss lies before me
It is black, dark, and terrible!
I cannot escape it!
I cannot evade it!
It engulfs me in its darkness…
I am consumed…
I am destroyed!
Yet defeat,
I accept it not!
I fight again, and again
I scream, I yell, I cry!
I put all my strength forward…
And the Dark begins to waver…
It fears the power of life
The will of life!
Like a phoenix,
I am reborn!
I’m free from the grasp of the Dark!
My yearn for the Light is greater,
And it cannot be stopped!
I shall be free!
I will be free!
I am free!
Be gone you! Dark!
Be gone!

Elenáro

*

Poema 12


"Deixa-me alvorecer o teu delírio,
Entregar-te a carta de recomendação
Para que entres no céu.

Eu sei o segredo da tua doçura
Tu sabes onde em mim buscar o mel.

Deixa-me delirar no teu alvorecer,
Fazer contigo a poesia
Com que entraremos no céu."
.
Luís F. de A. Gomes

*

Poema 13

Salmo:
Fecha-se o livro, solta-se louvor:
Cheio é o Orbe das Tuas maravilhas,
Santo, Imenso e Bom Senhor.
Criaturas aladas, levai meu ai.
Névoas, neblinas, regatos, ribeiras,
anjos, e meninos, bendizei.
Mártires d’amor, cantai.
Poetas, aedos, bailarins expressem
minuciosas belezas inumeráveis.
Seja desmesuradamente prolongado
o saltério aOs Celestes Prodígios.
Arquitectos, artistas, dramaturgos, cinéfilos,
informáticos, jornalistas Te proclamem.
Urzes, giestas, estevas, tílias, margaridas, lilases,
fremi a única alegria.
Aragens, brisas, fogueiras anunciem O Pleno.
Relâmpagos, raios, tempestades, gritai.
Répteis, peixes, batráquios, fugitivos animais, louvai.
Luz matinal, aclama O Que Em Ti.
Pedras, terras, orlas, explodi um canto novo.
Flores, verduras e florestas, mares e nuvens, esplendei.
Luzeiros, astros, sóis, estrelas, clareiras e galáxias, ecoai.
Abscôndito, em Teu Nome houvemos força.
Onde haja torpor nos fira incólume Teu sorriso.
A que resulte, para o peregrino, renascido amor.
A que não esqueça Lázaro:
Tenha abertas as portas da choupana.
Filho de David, reencontra as reses desgarradas.
Traz a teu redil quantos Te magoam.
Teu entranhado Enlevo seja comum bênção.
Como algodão hidrófilo, Teu jugo;
pacientíssima, até aos fins,
Tua expectativa quanto a cada um.
Entreguemos na raiz da Cruz tribulações:
Provê, a todos, o melhor bem:
A rodos derrames consolação.
P’los agradabilíssimos Átrios,
Te elevemos diferente Louvor.
Bebamos Vaso Pleno.
AjudasTe-nos quando o Egipto sofremos;
saciasTe-nos com A Terra Prometida.
EndireitasTe-nos os molestos ossos;
guardasTe-nos
no coração
do coração.
.
Angelo Ochoa,
Simples Orações,
in
Sonhadas Palavras,
2ª Edição
(...)

*
Poema 14

Fogo Nu

Trago as palavras na voz
sem máscaras
sem sinónimos
muito menos antónimos
apenas signos surdos.
dobram-se sobre mim
num bailado lascivo
que percorre as veias
(que diagonal é aquela
que acende o rastilho das nuvens?),
os seus passos
são linhas curvas riscando a areia
num regresso a um mar
onde o fogo e a tempestade
são apenas presságio.
aguardo que a maré regresse às mãos
e que a água inunde a folha;
na rebentação do corpo
redescubro o que perdi
e perco o que não descobri;
na rebentação da tinta
toco a poesia.

Jorge Pimenta

*

Poema 15
.
Retrato
.
No teu retrato a fragrância
de um presente já perdido...
no passado.

No teu retrato a distância
de um futuro já sofrido...
no presente.
No teu retrato esta ânsia
de um passado reflectido...
no futuro.

No teu retrato a relevância
Do fulgor comprometido...
na relatividade do tempo.

Miguel Loureiro

sexta-feira, março 19, 2010

Pai, a minha sombra és tu

Shoreline Chair
Arnie Fisk

a cadeira está vazia, um corpo ausente
não aquece a madeira que lhe dá forma

e não ouço o recado que me quiseste dar
nem a tua voz forte que grita meninos
na hora de acordar
ouço o teu abraço, no corredor em gaia
e os olhos molhados pela inusitada despedida

o sol foge
mas o crepúsculo desenha a sombra que
tenho colada aos pés
ou o espelho, coberto com a tua face

pai, digo-te
a minha sombra és tu

Jorge Reis-Sá, in "A Palavra no Cimo das Águas"

quinta-feira, março 18, 2010

Dos filhos

in Diário de Notícias, 18.03.10

PROVOCAÇÕES

A primeira provocação ele aguentou calado. Na verdade, gritou e esperneou.
Mas todos os bebés fazem assim, mesmo os que nascem na maternidade,ajudados por especialistas. E não como ele, numa toca, aparado só pelo chão.
A segunda provocação foi a alimentação que lhe deram, depois do leite da mãe. Uma porcaria. Não reclamou porque não era disso.
Outra provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e falta de atendimento. Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme. Era de boa paz.
Foram provocando-o por toda a vida.
Não pode ir à escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem, gostava da roça. Mas chegou uma altura e tiraram a roça.
Na cidade, para aonde teve que ir com a família, era provocação de tudo que era lado. Resistiu a todas. Morar em cubata. Depois perder a cubata, que estava onde não podia estar. Ir para uma cubata pior. Ficou firme.
Queria um emprego, só conseguiu um subemprego.
Queria casar, conseguiu uma submulher. Tiveram subfilhos, subnutridos.
Para conseguir ajuda, só entrando na bicha. E a ajuda não ajudava.
Estavam a provocá-lo.
Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça.
Ouvira falar de uma tal reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que a ideia era dar-lhe uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma boa.
Terra era o que não faltava.
Passou anos ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra que nunca tivera. Amanhã. No próximo ano. No próximo governo.
Concluiu que era provocação. Mais uma. Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo.
P'ra valer. Garantida. Animou-se. Mobilizou-se. Pegou na enxada e foi brigar pelo que pudesse conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer coisa. Só não estava mais disposto a aceitar provocação.
Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã. Talvez no próximo ano... Então protestou.
Na décima milésima provocação, reagiu. E ouviu, espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele:
- Violência, não!

Luís Fernando Veríssimo

terça-feira, março 16, 2010

Num abraço

Icon of Love IV
Roula Ayoub
Abraça-me
com o teu calor.
Alimenta a chama
que se quer acesa,
no murmúrio da noite,
ou então,
estende os braços,
para que eu saiba
ajustar-me
no teu porto de abrigo.
Em silêncio,
pairaremos
em busca
do chão certo,
onde estaremos,
tu e eu,
para sermos nós.
maria eduarda

Se eu morrer de manhã

Fotografia retirada daqui

"Se eu morrer de manhã
abre a janela devagar
e olha com rigor o dia que não tenho.

Não me lamentes. Eu não me entristeço:
ter tido a morte é mais do que mereço
se nem conheço a noite de que venho.

Deixa entrar pela casa um pouco de ar
e um pedaço de céu
- o único que sei.

Talvez um pássaro me estenda a asa
que não saber voar
foi sempre a minha lei.

Não busques o meu hálito no espelho.
Não chames o meu nome que eu não venho
e do mistério nada te direi.

Diz que não estou se alguém bater à porta.
Deixa que eu faça o meu papel de morta
pois não estar é da morte quanto sei."

Rosa Lobato de Faria

domingo, março 14, 2010

O sorriso

Smile
Larissa Casebolt

Sorriso, diz-me aqui o dicionário, é o acto de sorrir. E sorrir (...) é rir sem fazer ruído e executando contracção muscular da boca e dos olhos. (...)
O sorriso, meus amigos, é muito mais do que estas pobres definições, e eu pasmo ao imaginar o autor do dicionário no acto de escrever o seu verbete, assim a frio, como se nunca tivesse sorrido na vida. Por aqui se vê até que ponto o que as pessoas fazem pode diferir do que dizem. Caio em completo devaneio e ponho-me a sonhar um dicionário que desse precisamente, exactamente, o sentido das palavras e transformasse em fio-de-prumo a rede em que, na prática de todos os dias, elas nos envolvem.
Não há dois sorrisos iguais. (...) temos o sorriso de troça, o sorriso superior e o seu contrário humilde, o de ternura, o de cepticismo, o amargo e o irónico, o sorriso de esperança, o de condescendência, o deslumbrado, o de embaraço, e (por que não?) o de quem morre. E há muitos mais. Mas nenhum deles é o Sorriso.
O Sorriso (este com maiúscula) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário. Principia por um leve mover de rosto, às vezes hesitante, por um frémito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser. Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se. Mas não terá? Não conhecemos nós sorrisos que são rápidos clarões, como esse brilho súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas? Quando a luz do sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu? E contudo era um sorriso.
Mas eu falava de gente, de nós, que fazemos a aprendizagem do sorriso e dos sorrisos ao longo da vida própria e das alheias. (...)
A tudo isto é que eu chamo sabedoria. (...)
Dir-me-ão que não cabe tanto no sorriso. Eu digo que cabe. Soube-o a noite passada, quando foi ele a única resposta para a insónia e para os monstros do pesadelo nascido no sono onde o corpo acabou por deslizar, cansado e aflito. Sorrir assim, mesmo sem olhos que nos recebam, é o verbo mais transitivo de todas as gramáticas. Pessoal e rigorosamente transmissível. O ponto está em haver quem o conjugue.

José Saramago, "O sorriso", Deste Mundo e do Outro, 1997

OS TIGRES (yin e yang)

Olhos de tigre, de matar.
No escuro da noite, apesar da lua a brilhar,
que as nuvens não taparão.

Tigre, tigre de olhos a arder
como a noite de lua cheia.

Tão nobre a sua pele,
que brilho têm os seus dentes
e os olhos de enfeitiçar.

Morte a todos os que matam a magia,
Que põem água nos olhos de fogo.

Na noite a caçar, com a lua no ar,
O tigre que caça nas partes da mente,
Onde não há luz nem imaginação.

O tigre preto e o tigre branco apertados
Numa dança que nunca acaba,
Dando balanço um ao outro e ao mundo.
São o preto e o branco, Yin e yang,
empurra e puxa, calmo e raivoso.

Dentro de nós há sempre dois tigres, sempre a dançar.

Maisie - 11 anos

sexta-feira, março 12, 2010

Profecia

imagem google
Um dia, a Terra vai adoecer. Os pássaros cairão do céu, os mares vão escurecer e os peixes aparecerão mortos na correnteza dos rios. Quando esse dia chegar, os índios perderão o seu espírito. Mas vão recuperá-lo para ensinar ao homem branco a reverência pela sagrada terra. Aí, então, todas as raças vão se unir sob o símbolo do arco-íris para terminar com a destruição. Será o tempo dos Guerreiros do Arco-Íris.

(Profecia feita há mais de 200 anos por "Olhos de Fogo", uma velha índia Cree)

quinta-feira, março 11, 2010

para a Gabi


O Passado está sabido. O Futuro é um mistério. E o Agora é o melhor, porque é o Presente!!!
Maisie - 11 anos

Parabéns Gabi

Pela pessoa que és, um abraço com muito carinho.

quarta-feira, março 10, 2010

Ao alcance

autor desconhecido

Já serena,caminho
no trilho que deixei
há muitos dias,
no tempo.
Encontrei-me agora,
por mim, por ti, por nós.
Às vezes é difícil
encontrarmo-nos,
quando os olhares
não se cruzam.
Se me fixares,
verás ao fundo, o mar,
nas ondas do meu olhar.
Nadarás até mim,
e juntos
seremos um,
rumo às cores do arco íris,
no planalto da vida,
lá, onde ficou
o sorriso primeiro,
e o adeus definitivo.

maria eduarda

segunda-feira, março 08, 2010

Dia 8 de Março

fotografia de maria eduarda

A todas as mulheres, todos os dias do ano, mas principalmente àquelas que vivem sem identidade, numa qualquer sombra, convencidas de que a luz não as iluminará, desejo força interior e coragem para se libertarem.

sábado, março 06, 2010

Um prémio oferecido pela Em@


A Em@ do blog homónimo ofereceu este prémio ao nosso blog,considerando-o VIP, pela nossa postura.Essa, é visível em todas as linhas e entrelinhas, que fazem crescer este nosso blog. Obrigada Em@!

sexta-feira, março 05, 2010

Tempo de Amor....


"Foi o tempo que perdi com a minha flor que a fez tão importante"


Saint- Exupéry

quinta-feira, março 04, 2010

Ah, quanta vez, na hora suave


Tirada daqui

Ah, quanta vez, na hora suave
Em que me esqueço,
Vejo passar um voo de ave
E me entristeço!

Porque é ligeiro, leve, certo
No ar de amavio?
Porque sai sob o céu aberto
Sem um desvio?

Porque ter asas simboliza
A liberdade
Que a vida nega e a alma precisa?
Sei que me invade

Um horror de me ter que cobre
Como uma cheia
Meu coração, e entorna sobre
Minh'alma alheia

Um desejo, não de ser ave,
Mas de poder
Ter não sei quê do voo suave
Dentro em meu ser.

Fernando Pessoa, Poesias, Ed. Ática

quarta-feira, março 03, 2010

“O Planalto e a Estepe”, o último livro do Pepetela. Se n fosse o factor tempo, leríamos, sem parar, da primeira à última linha. E ficamos com vontade de voltar atrás e reler alguns parágrafos!!!
A história começa no Lubango, Sul de Angola, anos 60. Atravessa os tempos até aos nossos dias, passando pela União Soviética, Mongólia, Argélia e Cuba. A infância de Júlio, personagem-narrador, logo no início da história, emocionou-me muito, não só porque me leva a lugares bem familiares, mas também porque, sendo as personagens ainda crianças, tudo as encanta, lhes desperta a curiosidade e a amizade sobrepõe-se a todos os preconceitos.
De palavra em palavra, chegamos a Portugal, à URSS e a uma bela e sofrida história de amor. Amor impossível, porque vivido numa época em que as ideologias estavam acima dos indivíduos e dos seus sentimentos mais puros.
Baseado em factos reais, sem mais palavras, garanto-vos que é um livro que se lê e não se esquece.

A Família


"A família, acima de tudo, é a mãe. Nós somos ela e ela é nós."

T. Mateus- 11 anos

terça-feira, março 02, 2010

Teimosia

Fall Leaf with Rain ...
Donald Higgs

Espreitam,
com argúcia,
nuvens negras.
Posicionam-se,
e vertem lágrimas
que me lavam
na escuridão do dia.
Há brilho
no líquido jorrante,
herdou-o do Sol,
recluso, pedante,
decidiu confiante
não ser amante
de manhãs deslumbrantes.

maria eduarda

segunda-feira, março 01, 2010

Fôlego

fotografia de maria eduarda

Recebi do Sol

a luz em falta,

a energia vital.

Saí da penumbra

e, na claridade,

faço jus à vida:

elejo-o meu Rei,

no esplendor do dia.


maria eduarda