O escritor argentino-canadense Alberto Manguel gostava tanto de ler, que queria "viver entre livros". Aos completar 16 anos foi trabalhar numa livraria em Buenos Aires onde conheceu o escritor Jorge Luís Borges, que já sofria com a cegueira. Borges disse-lhe que precisava de alguém que lesse para ele. Durante dois anos, Manguel encarregou-se da tarefa e leu para o grande escritor.
No livro "Uma História da Leitura", o autor intercala dados e relatos curiosos com sua própria experiência de rato de biblioteca. O autor prende a atenção do leitor ao informar que, nos primórdios da civilização letrada, os textos eram gravados em tabuletas de argila (como na Mesopotâmia do século 12 a.c.) e ao contar a história de um grão-vizir da Pérsia que carregava a sua biblioteca sempre que viajava. O extravagante persa enfileirava os livros em 400 camelos, treinados para andar em ordem alfabética!
Alberto Manguel começa o seu livro mais recente, "A Biblioteca à Noite", com uma confissão: “Quando eu era adolescente queria ser bibliotecário.”
E numa entrevista declara: “Sim, eu falo sempre sobre o mesmo assunto.”
Não é muito comum um autor admitir ser monotemático. O tal assunto de que ele trata sempre nos seus livros é, justamente, o mundo dos livros. Autor de "Os Livros e os Dias", o escritor desenvolve agora uma reflexão que começou dentro do seu quarto de trabalho, numa pequena colina ao sul do rio Loire, em França. Ali, num edifício construído inicialmente para ser um celeiro, no século XV, Manguel montou a sua biblioteca particular e a ela passou a fazer dificílimas perguntas, como por exemplo “Para que servem, afinal, os livros?"
Excerto de uma entrevista que lhe fizeram:
Por que bibliotecas?
“De onde vem o nosso optimismo de pensar que algo tão caótico como o universo pode ter a ordem que os livros pretendem dar-lhe? Nós acreditamos que os livros contêm o que sabemos sobre o mundo. Mas o que sabemos é que ele não tem sentido e que a ordem do universo é, para nós, equivalente ao caos. Então por que continuamos a ler e a escrever livros?
Segundo sua explicação, as bibliotecas funcionariam como uma defesa inconsciente do homem diante do caos do conhecimento.
"Sim e, além disso, uma defesa contra o esquecimento. A biblioteca que nos parece organizada também é um caos. É um caos no qual, às vezes, podemos suspeitar que existe uma ordem.”
Você diz que os escritores são uma espécie de subespécie de leitores. O leitor ocupa para você um posto mais elevado na literatura?
"É claro! Um escritor escreve o seu livro e quer que ele seja lido. Pensa que esse livro tem um certo conteúdo, uma certa importância, mas, no final, são os leitores que decidem algo que esse escritor não pode suspeitar. Essencialmente, é o leitor quem decide o que é o livro, se esse livro vai sobreviver e, ainda, se esse escritor vai sobreviver. Todo escritor quer ser um clássico. Mas os leitores são impiedosos e decidem que só uma pequeníssima parte dos que escrevem serão recordados. O poder do leitor é imenso."
Jorge Luiz Borges, de quem você foi secretário particular, tinha uma obsessão com a ideia de como seria possível ordenar o conhecimento. Isso influenciou-o?
“A forma de pensar de Borges sobre esse tema é muito antiga, mas ele foi quem melhor o concretizou até hoje. Esse tipo de pensamento que permite uma grande liberdade e uma grande generosidade aos sistemas de pensamento é também muito antigo.”