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segunda-feira, novembro 30, 2009

NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

Fernando Pessoa, in "Mensagem"(10-12-1928)

Morte de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa morreu no dia 30 de Novembro de 1935.E porque é um dos meus poetas preferidos, porque é único na sua poesia, e porque sim...

Revejo-me

Revejo-me no Outono, não porque os dias se vistam muitas vezes de cinzento, mas porque sei, que cada folha que esvoaça, caindo de uma árvore, dará lugar a outra, nova, a despertar na Primavera, nessa estação mágica onde tudo renasce e se embeleza!

maria eduarda

O PIÃO

Havia um filósofo que andava sempre pelos lugares onde as crianças costumavam brincar. E assim que via um rapaz com um pião, punha-se logo à espreita. Assim que o pião começava a girar, o filósofo seguia-o para o apanhar. E não o incomodava o facto das crianças gritarem, tentando afastá-lo do brinquedo; se conseguia apanhar o pião enquanto ele ainda rodava, ficava feliz, mas apenas por um momento; depois atirava-o ao chão e ia-se embora. A questão é que ele acreditava que o conhecimento de uma qualquer insignificância, por exemplo de um pião a rodar, bastava para se conhecer o geral . Por isso não se ocupava dos grandes problemas, achava isso um desperdício, em termos de economia; uma vez realmente conhecida a mais insignificante insignificância, estava tudo conhecido, e era por isso que ele se ocupava apenas do pião a rodar. E de cada vez que assistia aos preparativos do lançamento do pião tinha esperança de o conseguir; e quando o pião começava a rodar e ele corria ansioso atrás dele, a esperança transformava-se-lhe em certeza. Mas ao se ver com aquela estúpida coisa de madeira na mão sentia náuseas, e a gritaria das crianças, que antes não tinha ouvido e agora lhe entrava pelos ouvidos adentro, levava-o a fugir, oscilando como um pião lançado de um cordel desajeitado.
Franz Kafka, Parábolas e fragmentos

domingo, novembro 29, 2009

O instante

Golden Moment
Zelena


E o que é o instante?

É o momento que é agora e já passou? Aquele que te passou despercebido e podia ser o teu instante?
É aquele que te marcou de algum modo, ou é aquele onde nunca estás, porque quando quase o alcanças, já era?
É o agora, neste momento já não é... É o momento que sempre recordarás?

maria eduarda

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

Aquilo que buscamos só pode talvez existir no instante.
O resto são lombadas disso, com estantes altas e robustas à espera de preenchimento.
Salas cheias delas defronte a olhos que antes fossem vagos,
porque o instante é uma princesa habitada por um beijo.

sábado, novembro 28, 2009

Dezembro à porta....


Por todo o lado, luzes, montras cheias, purpurinas e flocos a imitar neve. Nos shoppings um rodopio anunciando o Natal.


Já gostei mais do Natal, daqueles encontros cheios de primalhada com a família toda a fazer barulho e a trocar embrulhos, com a fartura de comida, dos doces aos salgados... Agora quase me apetecia saltar esta data do calendário, talvez pela pressão social que se colou ao Natal, pela "obrigação" de juntar a família e especialmente pelo consumismo desenfreado.


Celebraremos mesmo o nascimento de Jesus?????....


Só gosto do Natal porque os olhos da minha filha brilham mais que as luzes dos shoppings quando sonha com os presentes, dizia-me no outro dia "Gosto tanto desta época do ano!"...


Gosto do Natal porque o mano não lhe dá pontapés marotos só para receber as prendas do Pai Natal!


Especialmente por eles, hoje de manhã, enchi a casa com o pinheiro artificial e um monte de bugigangas coloridas e luzes a piscar…. Claro que o mais novinho também ajudou a colocar, com as suas mãos pequeninas, as fitas na árvore de Natal, as bolas vermelhas e prateadas… E depois brincou com as figuras do presépio, talvez inventando-lhes outras histórias!

sexta-feira, novembro 27, 2009

Não penses para amanhã

Não penses para amanhã. Não lembres o que foi de ontem. A memória teve o seu tempo quando foi tempo de alguma coisa durar. Mas tudo hoje é tão efémero.
Mesmo o que se pensa para amanhã é para já ter sido, que é o que desejamos que seja logo que for. É o tempo de Deus que não tem futuro nem passado. Foi o que dele nós escolhemos no sonho do nosso absoluto.

Não penses para amanhã na urgência de seres agora. Mesmo logo à tarde é muito tarde. Tudo o que és em ti para seres, vê se o és neste instante. Porque antes e depois tudo é morte e insensatez.

Não esperes, sê agora. Lê os jornais. O futuro é o embrulho que fizeres com eles ou o papel urgente da retrete quando não houver outro.

Vergílio Ferreira, in "Escrever"

quinta-feira, novembro 26, 2009

Renascer

Dance of Joy I
Monica Stewart


Preciso de um sótão
dentro de mim,
a habitação, o meu corpo.
De longe a longe,
subiria as escadas
do meu tronco,
e espreitaria os baús,
enumerados e alinhados:
o da infância; o da adolescência;
o da mulher jovem,
e o da mulher que sou hoje.
Não os abriria,
olhá-los-ia somente,
porque encerradas estarão
as mágoas antigas e recentes.
Tirei-as da memória
e depositei-as em caixas
que as asfixiam
e assim,
talvez não me perturbem,
e deixem que eu viva,
por cima
das minhas cicatrizes,
das dores já vividas,
e saboreie em fragor,
momentos únicos
que me embalam,
me consolam,
e me trazem a vida
com sabor!

maria eduarda

quarta-feira, novembro 25, 2009

Sem chão

http://olhares.aeiou.pt/


Mantenho-me
no meu equilíbrio,
em suspensão.
É inevitável
que me agarres,
me abraces,
e me coloques no chão.
Assim me mantenhas,
neste alinhar,
preso à tua mão,
que me ajudará
a seguir uma direcção.

maria eduarda

Sem palavras....


terça-feira, novembro 24, 2009


"NÃO SE DEIXEM FICAR PRISIONEIROS, ABRAM A MENTE E VIAGEM..."

Nuno lobito

domingo, novembro 22, 2009

Confiança

Abri a carta, a mim endereçada.
Li-a e reli-a, na letra rigorosa, na mensagem exacta, de teor dolorido.
Descansei os olhos. De caneta em punho, escrevi outra, e nesta outra, aproveitei as cores do arco-íris que me espreitavam através da janela. Então, tonalizei as letras, colori a mensagem, abreviei a dor, e sorri...
maria eduarda

sábado, novembro 21, 2009

Rendição

Junto camadas de tijolos,
transformo-os num muro,
onde me isolo.
Aquieto-me na luz.
Lá fora
ficam os outros,
aguardando
que eu abra uma porta,
e que a claridade
os convide
a destruir as pedras
do meu descontentamento.

maria eduarda

sexta-feira, novembro 20, 2009

Fusão

L'ange bleu
Denis Nolet

As minhas mãos

vazias de mim,

formam-se em concha,

e aguardam

ansiosamente,
um gesto teu.

Então, abrir-se-ão,

e num abraço,

enchem-se de mim e de ti.

maria eduarda

quarta-feira, novembro 18, 2009

Faezendo outra coisa com as coisas...

Procura a maravilha.
Onde um beijo sabe a barcos e bruma.
No brilho redondo e jovem dos joelhos.
Na noite inclinada de melancolia.
Procura.
Procura a maravilha.

Eugénio de Andrade

Cansaço

A noite teima em durar,

carrego o fardo da insónia

para a manhã clara,

que nada me traz,

a não ser a espera da noite,

que me recusa abraçar.


maria eduarda

segunda-feira, novembro 16, 2009

Planar

Se essa possibilidade
houvesse, o planar,
de quando em vez
me retiraria do dia,
e subiria mais alto
para poder não pensar.
Assim, quieta,
sem sobressaltos,
inalaria ar puro.
Guardaria essa golfada
e, já no chão a empregaria,
na dispersão de alicerces,
mal dimensionados.
Ficaria assim,
observando o solo imenso,
onde os meus passos
adquiriam outra dimensão,
no resgate do silêncio
adquirido na suspensão.
maria eduarda

domingo, novembro 15, 2009

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil


E se aquilo a que na surpresa me encosto, for apenas sonho meu, não existe mundo do outro lado deste espreitar com todas as mãos, poucas sempre.

(Na sua ocupação de livrarem de tanto comprimento o corpo, estendido que está sob sentires que resvalam como se fossem telhas soltas, sim, são sempre poucas )
Poema dum Funcionário Cansado

A noite trocou-me os sonhos e as mãos dispersou-me os amigos tenho o coração confundido e a rua é estreita estreita em cada passoas casas engolem-nos sumimo-nos estou num quarto só num quarto só com os sonhos trocados com toda a vida às avessas a arder num quarto só Sou um funcionário apagadoum funcionário triste a minha alma não acompanha a minha mão Débito e Crédito Débito e Crédito a minha alma não dança com os números tento escondê-la envergonhado o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente e debitou-me na minha conta de empregado Sou um funcionário cansado dum dia exemplar Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever? Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço Soletro velhas palavras generosas Flor rapariga amigo menino irmão beijo namorada mãe estrela música São as palavras cruzadas do meu sonho palavras soterradas na prisão da minha vida isto todas as noites do mundo numa só noite comprida num quarto só
António Ramos Rosa

sábado, novembro 14, 2009

Para o Avô João...



Reinício


A cada momento tudo se renova….

As mudanças fazem parte da vida…

Lembras-te quando ainda eras flor no ventre de tua mãe, nessa Primavera que antecedeu teu nascimento?

Escolheste o Verão, quente do Alentejo, para vir ao Mundo… Sempre gostaste mais do calor que do frio!

Os Invernos custavam-te a passar nos últimos anos, com mantas e sacos de água quente a aquecerem-te os pés.


Talvez por isso preferisses partir no Outono, com a queda das folhas e as primeiras chuvas…

Teu corpo, cansado de 97 Primaveras vividas, deixou-se levar nessa brisa fresca que arrasta o passado e desarruma as folhas secas das árvores.


Mas tu é uma grande árvore milenar, com raízes profundas, tronco largo e ramos que chegam às estrelas…. É assim que te sinto, sábio, robusto, erguido…

O teu espírito não caiu com as folhas, nem teme o Inverno, e reinicia agora um novo ciclo, já não aqui, já sem as dores do corpo, ou as experiencias terrenas..


Deixas em nós, pequenas árvores que nascemos dos doces frutos que plantaste na Terra, o exemplo maravilhoso de uma alma grande.


Obrigada.

sexta-feira, novembro 13, 2009

Presente....

...para ti, Didium:

Dualidade


Sinto uma alegria imensa, celebro o nascimento. Nascer é sempre um milagre único, irrepetível, o mais belo acontecimento da vida... nascer é mágico. Estou duplamente feliz, pois aguardo a notícia, hoje, do nascimento da Luana (a bebé da Lita e do Henda, mana da Mariana) e comemoro o aniversário da "nossa" querida Didium.


Porque a vida não é apenas feita de festas e de encontros, porque a morte é sempre uma despedida, mesmo que haja um outro lugar para os espíritos, estou profundamente triste...


As memórias do meu maravilhoso avô surgem ininterruptamente... Não vou voltar a ouvir-lhe a voz, nem a beijar-lhe o rosto quentinho, nem a ver-lhe os olhos pequeninos, brilhantes, e pegar-lhe nos dedos grossos das mãos enrugadas, expressivas....


Saudades que ficam, que permanecerão em mim.


Choro nesta dualidade, feliz e triste, sorrio e choro...
Para todos vocês, flores, muitas flores, um jardim infinito!

quarta-feira, novembro 11, 2009

O silêncio da palavra

Waves of Silence I
Tom Weber
Difícil ouvir-te
no silêncio.
Mudei de posição,
abri a janela,
entrou o frio
em murmúrio,
mas não a tua voz.
Volto ao princípio,
atenta me mantenho
e nada ouço.
Vigio o meu pensamento,
pronto em texto,
destrocado em palavras,
à espera,
em silêncio, do sinal,
afinal, da tua voz!
maria eduarda

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

Angola
foto:G.Ludovice 2006


Além do que seja o mar ou as mãos que escrevem páginas cheias, por serem de palavras poucas os lábios que beijam, nada mais me cativa, por vezes. Parecem-se, a esse instante largo dos amantes que se não esvazia do vazio constante. Incessantemente, repito a fuga a tudo o que não é isso.

segunda-feira, novembro 09, 2009

A partida

http://www.hunakulu.blogspot.com/

A hora da partida
não se adia,
não se olha para trás.
Na hora da partida
o corpo deve seguir uno.
Não haja um abraço que falte,
um lugar aonde ir,
um despedir!
Na hora da partida,
os nós rangem
em silêncio,
dentro de cada um de nós.

maria eduarda
~~~~~~~~~~~~~~~~~~
O pior é
quando querendo partir
não conseguimos...
ficamo-nos só pelo desejo
Por muito que os nós ranjam
dentro de nós
é o gelo cá de fora
que nos prende os passos.
Lentamente
despedaçamos a alma
em pedaços
que conservamos
numa mão fechada.
Em@

sexta-feira, novembro 06, 2009

Passagem

Surpreender-me

é saltar barreiras

dentro de mim.

Se as atravesso,

desfazem-se,

eu sei que existem,

por isso,

insisto no salto.


maria eduarda

quinta-feira, novembro 05, 2009

Liberto

Dove of Peace
Pablo Picasso
Voo, a palmos do chão,
ziguezagueando, em acrobacias.
De cima, posso moldar-me
ao vento,à chuva, ao frio.
Se me permite o voo,
os elementos desafio.
Sigo-os como igual,
desabrido, ao natural.
maria eduarda

terça-feira, novembro 03, 2009

Duplicidade

The Temple Bar Pub ...
Sergio Pitamitz


Noites movimentadas,
cidades em delírio,
de tarde, noite, noitinha,
as personagens avançam,
atropelam-se nos ânimos,
afogam-se em ilusões,
definham-se em aptidões.

Manhã, cedo, cedinho,
em ruas quase desertas,
é hora de reerguer,
limpar, lavar a imagem,
recompor a personagem,
retocar a identidade,
no mesmo ser operante.

De dia, calmo semblante,
à noite, noutro cambiante.

maria eduarda

Ser Diferente


A única salvação do que é diferente é ser diferente até o fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade; tomar as atitudes que ninguém toma e usar os meios de que ninguém usa; não ceder a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores; ser ele; não quebrar as leis eternas, as não-escritas, ante a lei passageira ou os caprichos do momento; no fim de todas as batalhas — batalhas para os outros, não para ele, que as percebe — há-de provocar o respeito e dominar as lembranças; teve a coragem de ser cão entre as ovelhas; nunca baliu; e elas um dia hão-de reconhecer que foi ele o mais forte e as soube em qualquer tempo defender dos ataques dos lobos.

Agostinho da Silva, in 'Diário de Alcestes'

segunda-feira, novembro 02, 2009

Parabéns Anabela Magalhães

Uma prenda para ti, tu, que na tua alma de viajante trazes sempre contigo as areias do deserto.

domingo, novembro 01, 2009

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

Mambo 35

Hoje sou apenas um bamboleado telhado de zinco, para que a chuva seja alguém que se espera em ternuras, de mesa posta, no melhor despido, de espaçosa vaga interior no próprio adentrado chão bem côncavo, para a celebrar em parecenças e a resguardar de desaparecimentos.

Ser, parecer

Entre o desejo de ser
e o receio de parecer
o tormento da hora cindida

Na desordem do sangue
a aventura de sermos nós
restitui-nos ao ser
que fazemos de conta que somos

Quissico, Abril 1981

Mia Couto in “Raiz de orvalho e outros poemas “