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quinta-feira, abril 30, 2009

Alternativa

E há o grão,
a areia fina,
o caminho estreito,
que enfileira o chão.
E há o passo,
apressado ou não,
resoluto ou em vão.
E há a vontade
de pisar a razão
com o sapato apertado,
calçado agora,
a estrear a emoção.
E há o eu,
escolhido na sandália,
no respirar, na leveza
de tomar como certeza,
uma diferente decisão.

maria eduarda

Ajuda o teu semelhante a levantar a sua carga, mas não a carregues por ele.

Tales de Mileto

Arrojo

( pitanga)
Há palavras ausentes
que precisam de espaço
para silabadas serem,
num tempo que as requer
audazes, significantes.
Mesmo soletradas ao ouvido,
cativas do mesmo sonho,
a desvendar, desabrido,
em texto desnudado
para ser entendido.
Algumas, mais ligeiras
entreabem-se à vida,
e dela são apanágio
na forma mais apetecida.
É preciso sair do aconchego,
destapar-lhes os sons,
aflorarem aos lábios,
dar-lhes voz, altivez,
proferi-las de uma só vez.

maria eduarda

quarta-feira, abril 29, 2009

tant bien que mal

«Apesar de toda a crítica que sobre ele se vem fazendo, o mundo vai descobrindo em cada dia maneiras de ir funcionando tant bien que mal, permita-se-nos esta pequena homenagem à cultura francesa, a prova é que quando as coisas boas não sucedem por si mesmas na realidade, a livre imaginação dá uma ajuda à composição equilibrada do quadro. É certo que o cornaca não salvou a arquiduquesa, mas poderia tê-lo feito, uma vez que o imaginou, e isso é o que conta.»
josé saramago «A viagem do elefante»

terça-feira, abril 28, 2009

Distar

Bridge of Hope
Thomas Kinkade

Na linha que nos separa,
construo uma ponte,
e nela intento passar
para a outra margem,
quando houver mensagem.
Entretanto aguardo,
ao sabor desta viagem,
o teu chamamento,
seja ele um lamento.
Na ponte construída,
projecto a minha imagem,
sigo-a, a ela me colo,
no rigor da passagem,
no pisar diferente solo.
maria eduarda

havendo mundo, tudo poderá suceder


«Tenho esculcas no outro lado encarregados de dar aviso, Como o fazem, Com pombos-correios. O comandante pôs cara de dúvida, pombos-correios, estranhou, tenho ouvido falar deles, mas, francamente, não acredito que um pombo seja capaz de voar durante tantas horas como dizem, em distâncias enormes, para ir dar, sem se enganar, ao pombal onde nasceu, Pois vai ter ocasião de verificar com os seus próprios olhos, se me permite mandarei chamá-lo quando o pombo chegar para que assista à retirada e à leitura da mensagem que ele trará atada a uma pata, Se isso acontecer, só faltará que as mensagens nos passem a chegar pelo ar sem precisarem das asas de nenhum pombo, Suponho que seria um pouco mais difícil, sorriu o alcaide, mas, havendo mundo, tudo poderá suceder, Havendo mundo, Não existe outra maneira, comandante, o mundo é indispensável,…»


josé saramago "A viagem do elefante"

Feitiço

No intervalo do ser,
inesperadamente,
apareceste ondeante,
vindo das águas do mar,
onde por vezes me enquadro,
no meu divagar.
E no ser, trouxeste
a ternura, o feitiço,
e também a magia,
em dias de mar quebradiço,
quando o parecer
deixa de o ser.

maria eduarda

segunda-feira, abril 27, 2009

Me gustas cuando callas

Me gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.
Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía.
Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
déjame que me calle con el silencio tuyo.
Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.
Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.

Pablo Neruda

domingo, abril 26, 2009

Parabéns Sol

A felicidade de um amigo deleita-nos. Enriquece-nos. Não nos tira nada. Caso a amizade sofra com isso, é porque não existe.

Jean Cocteau

Parabéns Solange!


Nasci na terra onde o mar e o deserto se tocam…
Não sei se por isso, me sejam ambos, tão íntimos!
Como se eu fosse fruto do amor do mar e da areia, irmã das dunas, do vento e do sol.


Quando penso na minha mãe, no toque liso, suave e doce da sua pele, vislumbro a imagem da areia do deserto, fina, imensa… Trago comigo essa visão desde sempre, desde que me lembro de estar no seu colo e de admirar-lhe os contornos, bem desenhados, do rosto.
Fechava os olhos, encostava a minha cara na sua e via o deserto, dourado, ondulado, quente, com o céu azul emoldurando-o, realçando-lhe a beleza.


É curioso que, o meu pai, sempre associei ao mar, por vezes calmo, outras tempestuoso, forte, incansável, criativo, salgado. Ele é que me deu esse gosto por mergulhar nas ondas, essa alegria por flutuar olhando o céu.


Então, se observo o mar a mimar a areia, em ondas suaves e carinhos salpicantes, em avanços e recuos risonhos, recordo-me sempre que sou o resultado de igual união….
Somos, todos nós, vida, filhos desses amores entre o oceano e a terra!
À luz do sol ou do luar,
Filhos da areia e do mar.


Quando me ponho nestas divagações, imagino o quão pequenos somos (grãos de areia, gotas de oceano, feixes de luz, vida e vento) no imenso universo! Deparo-me também com a certeza de sermos únicos, insubstituíveis, imensos!
Partículas, trazendo em nós todo o segredo do universo! Tal qual cada pequena célula do corpo possui a nossa inteira carga genética.


Hoje comemoro o nascimento de alguém que me é muito especial e me traz essa memória boa e terna do deserto quente e belo, ao sol…
Comemoro o teu dia de aniversário, mãe, o dia em que fizeste o primeiro som fora do ventre materno, terreno, redondo e protector.

Felicito-te por esse dia, em que te deram nome e conheceste alguns daqueles que virias a amar para sempre… Por esse dia em que, também tu, vieste ao mundo, na terra onde o mar e o deserto se tocam.

Celebro todos os dias que lhe seguiram e a pessoa maravilhosa que és…
Única, insubstituível e imensa!

Dinamene

sábado, abril 25, 2009

Ser livre


Ser livre é poder dar uma opinião,
é viver num mundo com amor e paz.

Ser livre é fazer o que se quer,
sem prejudicar os outros.

É viver sem guerra.
É voar pelo céu.

Ser livre é dizer o que se pensa.
É poder sorrir, poder falar, poder amar.

Eu gostava de ser livre como um pássaro!

Ser livre é não ser dominado por ninguém,
É voar por cima de um campo de flores a cheirar bem.

Ser LIVRE é ser FELIZ.


Este poema foi produzido por crianças de 10 anos (1999/2000)
A verdadeira liberdade é um acto puramente interior, como a verdadeira solidão: devemos aprender a sentir-nos livres até num cárcere, e a estar sozinhos até no meio da multidão.

Massimo Bontempelli

Deixa a tua opinião - O que é, para ti , a liberdade?

Sobre a liberdade

Da Liberdade
A: Eis uma bateria de canhões que atira junto aos nossos ouvidos; tendes a liberdade de ouvi-la e de a não ouvir? B: É claro que não posso evitar ouvi-la. A: Desejaríeis que esse canhão decepasse a vossa cabeça e as da vossa mulher e da vossa filha que estivessem convosco? B: Que espécie de proposição me fazeis? Eu jamais poderia, no meu são juízo, desejar semelhante coisa. Isso é-me impossível. A: Muito bem; ouvis necessariamente esse canhão e, também necessariamente, não quereis morrer, vós e a vossa família, de um tiro de canhão; não tendes nem o poder de não o ouvir nem o poder de querer permanecer aqui. B: Isso é evidente. A: Em consequência, destes uma trintena de passos a fim de vos colocardes ao abrigo do canhão: tivestes o poder de caminhar comigo estes poucos passos? B: Nada mais verdadeiro. A: E se fôsseis paralítico? Não teríeis podido evitar ficar exposto a essa bateria; não teríeis o poder de estar onde agora estais: teríeis então necessariamente ouvido e recebido um tiro de canhão e necessariamente estaríeis morto? B: Nada mais claro. A: Em que consiste, pois, a vossa liberdade, se não está no poder exercido pelo vosso indivíduo de fazer o que a vossa vontade exigia com absoluta necessidade? B: Embaraçais-me; então a liberdade é apenas o poder de fazer o que bem entendo? A: Reflecti um pouco. Vede se a liberdade pode ser outra coisa. B: Neste caso o meu cão de caça é tão livre como eu; ele tem necessariamente a vontade de correr quando vê uma lebre e o poder de correr se não estiver doente das pernas. Eu nada tenho, pois, mais do que meu cão: reduzis-me ao estado das bestas. A: Eis uma série de pobres sofismas dos pobres sofistas que vos instruíram. Eis que estais despeitado por não serdes livre como o vosso cão. Ora, não vos pareceis com ele em mil coisas? A fome, a sede, o velar, o dormir, os cinco sentidos, não são em vós como nele? Pretenderíeis cheirar com outro qualquer órgão além do nariz? Por que quereis uma liberdade diferente da que ele tem? B: Porém eu tenho uma alma que raciocina muito bem, e o meu cão não pensa em coisa alguma. Ele apenas tem idéias simples, enquanto eu tenho mil idéias metafísicas. A: Pois muito bem! Sois mil vezes mais livre do que ele, isto é, tendes mil vezes mais poder de pensar do que ele; porém a vossa liberdade é perfeitamente igual à dele.B: Como? Eu não tenho a liberdade de querer o que desejo? A: Que entendeis com isso? B: O que toda gente entende. Não se diz diariamente: "As vontades são livres"? A: Um provérbio não é uma razão; explicai-vos melhor. B: Penso que sou livre de querer como melhor me agradar. A: Com vossa licença, isso não tem o mínimo sentido; não percebeis que é ridículo dizer: "Eu quero querer"? Necessariamente, vós desejais em consequência das idéias que se vos apresentam. Quereis casar, sim ou não? B: Mas e se eu vos disser que não quero nem uma nem outra coisa? A: Responderíeis como aquele que disse: "Uns pensam que o cardeal Mazarino está morto; outros, que está vivo; eu não creio nem numa coisa nem noutra". B: Pois bem, quero casar-me. A: Isto é responder! Por que quereis casar? B: Porque estou apaixonado por uma bela rapariga, bem educada, muito rica, que canta muito bem, filha de pais honestos e que me ama, assim como sua família. A: Eis uma razão. Vedes, pois, que não podeis querer sem razão. Declaro-vos que tendes a liberdade de vos casar: isto é, que tendes o poder de assinar o contrato. B: Como! Eu não posso querer sem motivo? Que sucede então a este outro provérbio: Sit pro ratione voluntas: a minha vontade é a minha razão, eu quero porque quero? A: Isso é absurdo, meu caro amigo, pois haveria em vós um efeito sem causa. B: Que? Quando jogo par ou ímpar tenho então um motivo para escolher par em vez de ímpar? A: Sim, sem nenhuma dúvida. B: E qual é essa razão, por obséquio? A: É que a ideia de par se apresentou ao vosso espírito mais do que a ideia oposta. Seria muito cómico que nalguns casos desejásseis por existir uma razão para o vosso desejo e que noutros desejásseis sem motivo. Quando vos quereis casar, sentis a razão dominante, evidentemente; não a sentis quando jogais par ou ímpar, e contudo é mister que exista uma. B: Mas, uma vez ainda: sou ou não sou livre? A: A vossa vontade não é livre mas as vossas ações o são. Tendes a liberdade de fazer quando tendes o poder de fazer. B: Mas, todos os livros que li sobre a liberdade de indiferença... A: São tolices: não existe liberdade de indiferença; é um termo destituído de senso, inventado por pessoas que o não possuem.
Voltaire, in 'Dicionário Filosófico'

Ler

Eye without a face
Juan Martico

Ler

Ler sempre.
Ler muito.
Ler "quase tudo".
Ler com os olhos, os ouvidos, com o tacto,
pelos poros e demais sentidos.
Ler com razão e sensibilidade.
Ler desejos, o tempo,
o som do silêncio e do vento.
Ler imagens, paisagens, viagens.
Ler verdades e mentiras.
Ler o fracasso, o sucesso, o ilegível, o impensável, as entrelinhas.
Ler na escola, em casa, no campo, na estrada,
em qualquer lugar.
Ler a vida e a morte.
Saber ser leitor, tendo o direito de saber ler.
Ler simplesmente ler.

Edith Chacon Theodoro

(com os meus agradecimentos à Elsa D)

Liberdade


Liberdade reclamam as flores, que
Insistentemente nascem, entre pedras incolores.
Breve aparição da Primavera de Abril,
Emergente na calçada de pedras mil,
Revolucionando o passeio!…
Diariamente, florindo sem anseio.
Abrindo um novo caminho à vida,
Deixando, na pedra, marca florida,
Esperança colorida da verdade, Liberdade.

Dinamene

sexta-feira, abril 24, 2009

Foto: Planta Welwitschia Mirabilis

"O ser humano vivencia-se, a si mesmo e aos seus pensamentos, como algo separado do resto do universo - numa espécie de ilusão de óptica da sua consciência.
Essa ilusão é uma espécie de prisão que nos restringe aos nossos desejos pessoais, conceitos e ao afecto por pessoas mais próximas.
A nossa principal tarefa é a de nos livrarmos dessa prisão, ampliando o nosso círculo de compaixão, para que ele abranja todos os seres vivos e toda a natureza em sua beleza.
Ninguém conseguirá alcançar completamente esse objectivo, mas lutar pela sua realização já é por si só parte da nossa liberação e o alicerce da nossa segurança interior. "

Albert Einstein

(Re)viver

Ó viajante!
É chegado o dia,
esperado, contado, sonhado.
Retoca a imagem,
imprime brilho ao olhar,
inicia a viagem.
O dia é de sonho,
de afectos, de risos,
de palmas contidas,
de palavras doces
sem fim proferidas!

É chegada a hora!
É preciso partir,
sair do sonho,
do encantamento,
do deslumbramento.
Mas, o brilho nos olhos,
ó viajante,
mantém-no vigilante,
não o apagues,
não o disfarces.
Deixa-o reflectir
a doçura do instante,
o êxtase do momento,
o teu pensamento!

maria eduarda

quinta-feira, abril 23, 2009

Dia Mundial do Livro

A vida é sempre a mesma para todos: rede de ilusões e desenganos.
O quadro é único, a moldura é que é diferente.

quarta-feira, abril 22, 2009

Não fiquemos indiferentes! Ajudemos a Teresa!

A árvore que canta

— Vicente, é o tio Vicente!
Era mesmo ele, vestido com a peliça cinzenta e o boné de orelhas, mas trazia debaixo do braço um grande volume, comprido, embrulhado num papel castanho. O velho homem aproximava-se lentamente, acertando com dificuldade no traçado do caminho. Passou pelos dois áceres que mal se viam no meio daquela brancura, o boné dançou por uns momentos acima da sebe e depois desapareceu.
— É ele! — repetiam. — É mesmo ele!
Não sabiam o que trazia o tio Vicente, mas o coração pôs-se-lhes a bater muito depressa. Mal os pés do velho bateram na soleira de pedra, Gerardo correu a abrir a porta.O ar que entrou ao mesmo tempo que Vicente vinha salpicado de flocos brancos. O fogo crepitou mais forte e depois fez-se silêncio. Estavam ali os quatro a olhar para o tio Vicente e para o seu embrulho muito bem atado.
Vicente pousou o embrulho em cima da mesa, tirou os óculos, limpou-os devagarinho, assoou-se, voltou a pôr os óculos e aproximou-se do fogo, a esfregar as mãos, que faziam um ruído como se fossem de lixa.
— Está-se melhor aqui do que lá fora — disse ele.
As crianças estavam impacientes. Uma de cada lado da mesa, miravam o embrulho sem ousarem tocar-lhe. O velho homem parecia que sentia prazer em fazê-las esperar. Observava-as pelo canto do olho e deitava uns sorrisos cúmplices aos avós.
Por fim, virou-se e disse:
— Então, por que esperam para o abrir? Não sou eu que vou desmanchar o embrulho!
Quatro mãozinhas voaram ao mesmo tempo. Eram muitos nós e estavam muito apertados.
— Avó, empresta-nos a tesoura…
— Não — disse Vicente. — É preciso aprender a paciência e a economia. Desfaçam os nós e não estraguem nada, quero recuperar o fio e o papel.
Foi preciso ter paciência, magoar as unhas, aborrecer-se um bocadinho. O tio Vicente ria-se.
Os avós, tão impacientes como as crianças, esperavam, seguindo com os olhos todos os seus gestos. Finalmente o papel foi retirado, e surgiu uma caixa comprida de madeira avermelhada e luzidia. Era mais larga num lado do que no outro. Vicente aproximou-se lentamente e abriu-a.
No interior, numa cama de veludo verde, dormia um violino.
— Aqui está, e tudo isto feito com a vossa árvore — disse o Vicente.
— Meu Deus — repetia a avó, que juntara as mãos em sinal de admiração. — Meu Deus, que lindo que é!
— Ora, uma destas!... com que então!... — gaguejava o avô. — Sabia que eras habilidoso, mas não tanto!
O velho artesão sorria. Passou várias vezes a mão pelo bigode antes de dizer:
— Percebem agora por que é que não queria deixar-vos entrar na estufa? É que veriam lá violinos, guitarras, bandolins e muitos outros instrumentos. E vocês teriam adivinhado tudo. É verdade! Sou luthier. Faço violinos… E o ácer, sabem, é a madeira que melhor canta.
A sua mão avançou lentamente para acariciar o instrumento, depois retirou-a a tremer.
— Então? — disse ele a Gerardo. — Não queres experimentar? Não queres fazer cantar a tua árvore? Anda lá, podes pegar nele. Olha que não morde, fica tranquilo.
O rapaz retirou o violino da caixa e pegou nele como via fazer aos músicos. Pousou o arco em cima das cordas e fez sair uma chiadeira horrorosa. A avó tapou os ouvidos, enquanto o gato, acordado em sobressalto, desaparecia debaixo do guarda-loiça. Todos se riram.
— Está bem! — disse o avô. — Se é a isto que chamas cantar!
— Tem de aprender — disse Vicente pegando no instrumento, que colocou debaixo do queixo.
E o velho luthier de mãos enormes pôs-se a tocar. Tocava e caminhava devagarinho em direcção à janela. Imóveis, as crianças olhavam e escutavam.
Era uma música muito suave, que parecia contar uma história semelhante às velhas lendas vindas do fundo do horizonte.
Vicente tocava, e era mesmo a alma da velha árvore que cantava naquele violino.
Bernard Clavel L’arbre qui chante

terça-feira, abril 21, 2009

Encantamento

Night Falls
Ruth Palmer

A noite é mensageira,
é dissuasora,
por vezes esclarecedora,
porque no silêncio,
recebemos a mensagem
que entra sem rodeios,
sem permissão.
À noite,
invadem-nos melodias,
encantam-nos magias
com contornos abusivos,
compõem-se sinfonias,
audíveis, apetecíveis.
Entramos na pauta
musicada para nós,
adaptamos as notas,
diluímos o tom,
porque ao amanhecer
se concretizam noutro som.
maria eduarda

Proeza da multiplicação dos pães e dos peixes

«Queríamos ver o céu a perguntar se tinham por ali um celeiro grande ou, na sua falta, uma nave industrial , onde se pudessem recolher por uma noite os animais e as pessoas, o que de todo não seria impossível, basta que recordemos a peremptória afirmação daquele famoso Jesus de galileia que, nos seus melhores tempos, se gabou de ser capaz de destruir e reconstruir o templo entre a manhã e a noite de um único dia. Ignora-se se foi por falta de mão-de-obra ou de cimento que não o fez, ou se foi por ter chegado à sensata conclusão de que o trabalho não merecia a pena, considerando que se algo se vai destruir para construí-lo outra vez, melhor será deixar tudo como estava antes. Proeza, essa sim, foi o episódio da multiplicação dos pães e dos peixes, que se aqui chamamos à colação é tão-somente porque, por ordem do comandante e esforço da intendência da cavalaria, vai ser servida hoje comida quente para quantos humanos vão na caravana, o que não é pequeno milagre se considerarmos a falta de comodidades e a instabilidade do tempo. Felizmente não choverá.»

(pág. 70)

josé saramago "A viagem do elefante"

Sobre os meandros do ser humano..

Foto:G.Ludovice

Há algo na absurda mente humana que reage admiravelmente à ideia de raridade - em especial a raridade de condições capaz de produzir um dado fenómeno. Quanto mais improvável é que alguma coisa aconteça, mais maravilhosa parece quando acontece, por mais inútil ou perniciosa que seja. O facto de ter acontecido, apesar de improvável, torna-a num acontecimento precioso. Não devia ter acontecido, mas aconteceu, e uma pessoa tem de admirar a cadeia de circunstâncias que permitiu que o impossível acontecesse.
in: Paul Bowles, Deixa a chuva cair

segunda-feira, abril 20, 2009

ninharias meteorológicas

«O que mais trabalho deu foi encontrar abrigo para solimão. Depois de muito procurar, acabou por se descobrir um telheiro que não era mais do que isso, um alpendre sem resguardos laterais que pouca mais protecção poderia proporcionar-lhe que se ele tivesse de dormir à la belle étoile, maneira lírica que têm os franceses de dizer relento, palavra, esta portuguesa, também imprópria, pois relento não é senão uma humidade nocturna, um orvalho, uma cacimba, ninharias meteorológicas se as compararmos com este nevão dos Alpes que bem terá justificado a designação de manto alvinitente, leito acaso mortal.»

(págs. 215 e 216)

josé saramago "A viagem do elefante"

domingo, abril 19, 2009

E se tu te levantasses

«Entre falar e calar, um elefante sempre preferirá o silêncio, por isso é que lhe cresceu tanto a tromba que, além de transportar troncos de árvores e trabalhar de ascensor para o cornaca, tem a vantagem de representar um obstáculo sério para qualquer descontrolada loquacidade. Cautelosamente, fritz deu a entender a solimão que já era hora de fazer um pequeno esforço para se levantar. Não ordenou, não recorreu ao seu Justificar completamentevariado repertório de toques de bastão, uns mais agressivos que outros, apenas deu a entender, o que demonstra uma vez mais que o respeito pelos sentimentos alheios é a melhor condição para uma próspera e feliz vida de relações e afectos. É a diferença entre um categórico Levanta-te e um dubitativo E se tu te levantasses. Há mesmo quem sustente que esta segunda frase, e não a primeira, foi a que Jesus realmente proferiu, prova provada de que a ressurreição, afinal, estava, sobretudo, dependente da livre vontade de lázaro e não dos poderes milagrosos, por muito sublimes que fossem, o nazareno. Se lázaro ressuscitou foi porque lhe falaram com bons modos, tão simples como isto. E que o método continua a dar bons resultados, viu-se quando solimão, aprumando primeiro a perna direita, depois a esquerda, restituiu fritz à segurança relativa de uma oscilante verticalidade, ele que até esse momento só se tinha podido valer da rijeza de uns quantos pêlos da nuca do elefante para não se ver precipitado pela tromba abaixo.»
(pág. 231)
josé saramago "A viagem do elefante"


Os dias passam rápido.

Quantas vezes não olhamos para trás e pensamos
"neste dia não fiz nada de especial ou extraordinário"…

Os dias passam, as semanas, os meses, os anos. Às vezes pode parecer
que nada de fantástico ficou para trás, mas olhando bem, quantas
coisas se vivem em meia dúzia de anos! Pelo menos assim é comigo.

Não sou nova, nem velha…. Por vezes sinto-me ainda uma
criança a descobrir tudo… especialmente quando brinco com os meus
filhos ao faz de conta, tão real… Outras vezes percebo que já cresci,
olho as minhas memórias, de rompante, e percebo que estão recheadas de
muitos dias extraordinários, de muitas histórias, de tantas

experiências, boas e más, e olhando-me no espelho, vejo uns tracinhos
a desenharem-se no meu rosto, sinal da passagem do tempo com emoção
(porque só as nossas emoções levam às expressões que ficam marcadas no
rosto!). Reparo também num cabelo branco que timidamente se mistura
com os outros… arranco-o! Fixo-o como se fixasse o tempo, o tempo que
não pára, o tempo que inevitavelmente passou, e rio-me pela ilusão de
ter suspendido o passar dos anos ao arrancar aquele cabelo.

Olho mais, agora para dentro dos meus olhos, reflectidos no espelho… os dias
passam rápido, às vezes insignificantes!
Há tantos dias que já nem me lembro,
há tantas coisas que vivi e até já esqueci,
há tantas memórias perdidas em vazios de pensamento,

memórias que apenas ficam no desenho
das rugas ou na brancura de um fio de cabelo…


Mas também há memórias que nos enriquecem as ideias, os pensamentos e
vivem na nossa cabeça, às vezes mais coloridas que a realidade que
vivemos, outras vezes mais pálidas… Memórias reinventadas!

Ao olhar profundamente para o reflexo dos meus olhos no espelho, são essas
memórias, aparentemente infinitas, que sinto povoarem-me o espírito,
que me deixam a sensação de já ter vivido tanto, tantas vidas nesta
vida, tantos anos mais que trinta nos trinta anos que vivi.

Porque há memórias que parecem durar uma eternidade, mesmo que tenham acontecido
em poucos minutos. Porque o tempo passa, mas o tempo que dura o tempo
talvez seja apenas uma ilusão, e o tempo passa lento ou rápido
dependendo de como sentimos os dias,
mas também o reflexo dos dias nas nossas memórias.

Nas memórias da vida, não há experiência mais forte e feliz que o
nascimento de um filho. É espiritual e material, divina e humana.
Amarga de dor e doce de prazer. As experiências do nascimento dos meus
filhos foram igualmente belas, mas muito diferente uma da outra…

Memórias. Memórias reinventadas. Descritas em palavras para vos
comunicar. Memórias tão infinitas que, em cada dia, as descreveria
diferentes. Memórias do nascimento, entre a morte e a vida. Memórias
de antes de nascer e de depois. Talvez memórias de dias que ainda não
chegaram… Antevisões, Previsões, Profecias? Memórias de todos os
tempos. Memórias de todas nós, mulheres, mães, deusas, anjos sem asas
com pensamentos que voam….

Dinamene

sábado, abril 18, 2009

Amor


Viver

E viver,

É sentir prazer em estar por aqui, onde me vêem, onde vos vejo;
É comunicar com ternura, e receber de volta outro punhado de carinho, por vezes vindo de quem menos se espera;
É acordar todos os dias, olhar à volta e reparar na beleza da natureza, mesmo quando esta se apresenta mais agreste;
É sentir que vale a pena acordar e fruir a vida com paixão, como se tivesse nascido no momento;
É entregar-me ao prazer de viver hoje, como se só este momento existisse;
É precisar de todos, e saber que sempre há alguns que ouvem o chamamento;
É não querer chorar de tristeza, reter as lágrimas, guardá-las, para as espalhar nos momemtos de alegria e paixão;
É resistir aos ventos adversos, e rompê-los, de peito aberto e forte;
É saber que tenho amigos, alguns, não muitos, mas esses, leais, sempre;
É reconhecer, mais uma vez, que sem a família, longe ou perto, eu nunca seria feliz;
É dizer a todos que me conhecem, pouco ou muito,que estou sempre por perto;
É estar por aqui e acolher os que me dizem:

"Hoje lembrei-me de ti!"

maria eduarda

sexta-feira, abril 17, 2009

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

foto:g.ludovice 2009

Vai-se cedendo com resistência à verdade, conforme o espaço vai minguando dentro de nós por ela entrar sempre de rompante, descuidando os para quês da existência.
Às vezes pela noite, as pessoas têm sonhos maiores.
Tem-se uma lista. Não está escrita em suporte algum, é só uma coisa assim de memória mas que não sofre o vago dos assuntos com pernas para fugir. As nossas preferências têm casa dentro de nós, tal como uma mulher tem lar dentro dela mesma. Sentam-se na beira da cama, tipo mãe de filho crescido, a olhar-nos auspiciosamente. Vão connosco até quando nos dispomos a socializar e fica à mesa das conversas, aquela sensação de sem par.
Um atento demiurgo haveria de dar outra forma à moldura das fachadas, que aliás estão por todos os cantos numa cidade ou num rosto, pois vez por vez, os nossos sonhos mudam de um lado para outro lado ainda de nós, como à procura de sol os inquilinos do inverno, o que nos faz ganhar um novo eixo e parecer que afinal estamos inclinados em relação à verticalidade das portas do mundo dos outros.

a terra do português tal qual se cala

«Se tal caso se der, estamos autorizados a revelar que solimão gozará de um merecido descanso de duas semanas nesta conhecida estância turística, concretamente numa estalagem que tem o nome de am hohen feld, que significa , nunca melhor dito, terra íngreme. É natural que a alguém lhe pareça estranho que uma estalagem que ainda se encontra em território italiano tenha um nome alemão, mas a coisa explica-se se nos lembrarmos de que a maior parte dos hóspedes que aqui vêm são precisawmewnte austríacos e alemães que gostam de sentir-se como em sua casa. Razões afins levarão um dia a que, no algarve, como alguém terá o cuidado de escrever, toda a praia que se preze, não é praia mas beach, qualquer pescador fisherman, tanto faz prezar-se como não, e se de aldeamentos turísticos, em vez de aldeias, se trata, fiquemos sabendo que é mais aceite dizer-se holiday’s village, ou village de vacances, ou ferienorte. Chega-se ao cúmulo de não haver nome para lojas de modas, porque ela é, numa espécie de português por adopção, boutique, e, necessariamente fashion shop em inglês, menos necessariamente modes em francês, e francamente modegeschaft em alemão. Uma sapataria apresenta-se como shoes, e não se fala mais nisso. E se o viajante pudesse catar, como quem cata piolhos, nomes de bares e buates, quando chegasse a sines ainda iria nas primeiras letras do alfabeto. Tão desprezado este na lusitana arrumação que do algarve se pode dizer, nestas épocas em que descem os civilizados à barbárie, ser ele a terra do português tal qual se cala.»

(pág.s 233 e 234)

josé saramago "A VIAGEM DO ELEFANTE"
É Proibido
É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo das lembranças.
É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,
Não transformar sonhos em realidade.
É proibido não demonstrar amor,
Fazer com que alguém pague pelas tuas dúvidas
E mau humor.
É proibido deixar os amigos
Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessitas deles.
É proibido não seres tu mesmo diante das pessoas
Fingir que elas não te importam,
Ser gentil só para que se lembrem de ti,
Esquecer aqueles que gostam de ti.
É proibido não fazer as coisas por ti mesmo,
Não crer em Deus e fazer o teu destino,
Ter medo da vida e dos teus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
É proibido sentir saudades de alguém sem te alegrares,
Esquecer seus olhos, seu sorriso,
Só porque seus caminhos se desencontraram,
Esquecer o teu passado e apagá-lo com o teu presente.
É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas delas valem mais que a tua,
Não saber que cada um tem o seu caminho e a sua sorte.
É proibido não criares a tua história,
Deixar de dar graças a Deus por tua vida,
Não ter um momento para quem necessita de ti,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.
É proibido não buscar a felicidade,
Não viveres a tua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem ti este mundo não seria igual.
Pablo Neruda

quinta-feira, abril 16, 2009

Receita para fazer um herói

Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão,
E toque-se um clarim.
Serve-se morto.

Reinaldo Ferreira

AS SETE LEIS ESPIRITUAIS DO SUCESSO


1- LEI DA POTENCIALIDADE PURA
Entre em contacto com a sua essência mais pura, silencie a mente para apenas SER. Entre em contacto com a natureza observando o silêncio e a inteligência que há em todas as coisas. Pratique o não-julgamento.

2- LEI DA DOAÇÃO
Dê um presente a todos que encontrar: pode ser um cumprimento, um sorriso, uma flor, uma oração. Agradeça as dádivas que a vida oferece e esteja aberto para receber. Assim, estará desencadeando o processo de circulação de energia, de alegria, de riquezas, de abundância na sua vida e na vida de outras pessoas.

3- LEI DO KARMA OU DA CAUSA E EFEITO
Pergunte-se, ao fazer uma escolha: Quais serão as consequências? Trará felicidade e satisfação a mim e aos outros? Peça orientação ao seu coração. Se sentir conforto, siga adiante com a escolha. Se sentir desconforto, observe. O coração conhece a resposta certa.

4- LEI DO MÍNIMO ESFORÇO
Não se volte contra o Universo, lutando contra o momento presente. Pratique a aceitação, dizendo: hoje aceitarei pessoas, situações, circunstâncias, factos, como eles se manifestarem. Assuma a responsabilidade pela sua situação e desista da necessidade de defender os seus pontos de vista e de convencer ou persuadir os outros. Esteja aberto a todos os pontos de vista.

5- LEI DA INTENÇÃO E DO DESEJO
Faça uma lista de todos os seus desejos. Olhe para ela antes de entrar em meditação, antes de acordar e antes de adormecer. Liberte a lista de seus desejos no ventre da criação e confie. Esteja consciente do momento presente.

6- LEI DO DISTANCIAMENTO
Não force soluções de problemas. Comprometa-se com o desapego. Transforme as incertezas em um ingrediente essencial da própria experiência. Através da sabedoria da incerteza encontrará segurança.

7- LEI DO DARMA OU DO PROPÓSITO DE VIDA
Preste atenção ao espírito que anima o seu corpo e a sua mente e nutra com amor a divindade que habita em você. Pergunte-se diariamente: “Como posso servir? Como posso ajudar?” Faça uma lista dos seus talentos únicos. Depois outra com o que adora fazer. Diga então: “Quando eu expresso os meus talentos e os ponho a serviço da humanidade, perco a noção do tempo e crio abundância na minha vida e na vida de outras pessoas.”


Deepak Chopra
“Somos todos viajantes de uma jornada cósmica - poeira de estrelas, girando e dançando nos torvelinhos e redemoinhos do infinito. A vida é eterna. Mas as suas expressões são efémeras, momentâneas, transitórias. Nós paramos um instante para encontrar o outro, para nos conhecermos, para amar e compartilhar. É um momento precioso, mas transitório. Um pequeno parênteses na eternidade. Se partilhamos carinho, sinceridade, amor, criamos abundância e alegria para todos nós. Esse momento de amor é valioso.”

Deepak Chopra

Vida de cão...

“No semblante de um animal que não fala,


há todo um discurso que só um espírito sábio é capaz de entender ! “


(Provérbio Indiano)


"A grandeza de uma nação pode ser julgada

pelo modo como os seus animais são tratados."


(Mahatma Gandhi )

quarta-feira, abril 15, 2009

Conselho


Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.

Eugénio de Andrade,Os Amantes sem Dinheiro, 1950

VOA

Deixa que meu olhar te persiga...
Deixa que minha alma te encontre...
Deixa que as tuas asas me ensinem,
A força com que enfrentas a tempestade,
A paz com que deslizas sobre a espuma do mar...
e deixa...
Deixa-te voar...
Voa ...
Voa bem alto...
Voa...
Voa até onde ninguém te alcance...
Voa até onde ninguém te prenda...
Voa até onde só tu sabes...
Voa...
Voa bem alto...
Voa...
E é nesse teu voar que me inspiro...
Nessas asas que me solto...
Nessa força que me prendo...
Nessa ousadia que me rendo...
Voa...
Voa bem alto...
Voa...

poeta anónimo

o sonho de voar

Hoje comemoro o aniversário de um aviador, de alma e coração grandes, de gargalhada fácil e amigo do seu amigo.
Há dias que, não sendo nossos, nos pertencem, fazem parte de nós.
O primeiro das nossas vidas, o dia do nosso nascimento, o dia dos nossos aniversários.
E esse dia, de tantos outros também, que conhecemos ou não, no passado e no futuro, torna-se especial e gostamos de comemorar.
Hoje é um dia de aniversário, como todos os dias é dia de aniversário de alguém, com rosas vermelhas ou sem elas.
Com 16 anos, fez o seu baptismo de voo numa avioneta monomotor. Nessa altura foi-lhe atribuído o brevet.
Ainda não tinha idade para ter a carta de condução (de automóveis) e, para poder voar, foi necessária uma autorização dos pais.
Era bem pequenino quando olhava para os aviões e sonhava voar, sem nunca ter andado de avião.
Felizmente teve a sorte de concretizar esse sonho muito cedo.
Um dia, quando se foi despedir da mãe e esta lhe pediu para ir com cuidado, respondeu-lhe: “Está bem, mãe, vou devagarinho...” com um sorriso aberto.

Neste dia, coloco excertos de frases, poemas, palavras que me reencontram com esse meu irmão aviador.

De Richard Bach, também ele aviador, algumas palavras de «Não há longe nem distância»:

“Pode a distância separar-te dos teus amigos? Se queres estar junto de alguém que amas, não te parece que já lá estarás?”
“Voa, livre e feliz, para além de aniversários, através da eternidade e encontrar-nos-emos de vez em quando, sempre que quisermos, no meio da única festa que nunca poderá terminar.”

Aviões

Gosto de observar, plantado como uma árvore,
a linha que os aviões traçam no céu,
quando sobem rompendo os ares.
É verdade que hoje,
quando bastariam apenas alguns segundos
para que a humanidade desaparecesse num ápice,
debaixo (dizem)
de uma terrível nuvem alaranjada,
voar já não tem mistério.
Porém,
a altiva e bela diagonal
desenhada no azul transparente pelos aviões que partem
enche-me as medidas...

João Melo «Auto-retrato»

terça-feira, abril 14, 2009

Desorientação

E agora?
Quando os meus próprios passos
não me sabem conduzir?
Perderam a orientação,
detiveram-se no primeiro degrau
de um novo lance de escadas,
tal estradas cruzadas,
sem sinais, indicações
que sugiram a direcção
certa, correcta, possível,
neste caminhar constante,
neste vislumbrar um sentido,
necessário ao ser vivido,
indispensável à aceitação
da luz, que esclarece
o ser, na sua dimensão.


maria eduarda

Os livros

Não conhecemos estes lugares
ou compulsivamente
os revemos. Paisagens
inusitadas, absurdas,
mesmo se alguma vez as frequentámos
com nossos olhos e bagagens.
São estranhos estes homens
que nos fazem rir e chorar,
sentir raiva , ser
solidários. São-nos íntimos,
porém. Estes
sonhos, a quem
pertencem? Sentimentos obscuros,
que angústias (des)
velam? Trágicas
desilusões,
que mundos encerram?
Os livros, quietos
e buliçosos: o nosso
alter ego.

João Melo «Auto-retrato»

segunda-feira, abril 13, 2009

O Guilherme escreveu


Algumas definições (Fragmento)

Flor: ser frágil que cresce
quando menos se espera.

Morte: para alguns o fim;
para outros o princípio
- o poeta abstém-se,
pois não se lembra de já ter morrido
Mulher: ?
Pão: massa de farinha água e sal
cozida no forno e que
além de várias formas
recebe nomes diversos
- às vezes quando falta
provoca revoluções
Pedra: obstáculo se no meio do caminho
arma para abrir caminhos
Poesia: ofício doloroso que consiste
em semear mentiras em desertos
para que delas cresçam as verdades mais puras
Vida: aventuratragédiasonhopesadelo:
casco de navio tantas vezes podre
a que se agarra o náufrago
João Melo "Auto-retrato"

Estrela


Legenda
para aquela estrela
azul
e fria
que me apontaste
já de madrugada:
amar
é entristecer
sem corrompermos
nada.

Cantata, 1960