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terça-feira, julho 22, 2008

COLEGIAL

Em cima da minha mesa,
Da minha mesa de estudo,
Mesa da minha tristeza
Em que, de noite e de dia,
Rasgo as folhas, leio tudo
Destes livros em que estudo,
E me estudo
(Eu já me estudo...)
E me estudo,
A mim
Também,

Em cima da minha mesa,
Tenho o teu retrato, Mãe!
À cabeceira do leito,
Dentro dum lindo caixilho,
Tenho uma Nossa Senhora
Que venero a toda a hora...

Ai minha Nossa Senhora
Que se parece contigo,
E que tem, ao peito,
Um filho
(O que ainda é mais estranho)
Que se parece comigo,
Num retratinho,
Que tenho,
De menino pequenino...!

No fundo da minha alma,
Mesmo lá no fundo, a um canto,
Não lhes vá tocar alguém,
(Quem as lesse, o que entendia?
Do que nos comove a nós...)
Já tenho três maços, Mãe,
Das cartas que tu me escreves
Desde que saí de casa...
Três maços -e nada leves!-
Atados com um retrós...

Se não fora eu ter-te assim,
A toda a hora,
Sempre à beirinha de mim,
(Sei agora
Que isto de a gente ser grande
Não é como se nos pinta...)
Mãe!, já teria morrido,
Ou já teria fugido,
Ou já teria bebido
Algum tinteiro de tinta!

José Régio

domingo, julho 13, 2008

A Civilização

Toda a gente culta lamenta que, nos países civilizados, ainda haja muitos seres humanos que não sabem ler. Parece-nos isto uma vergonha para a Civilização. De facto o é. Poucos, todavia, de entre toda esta gente culta, chegam a meditar um pouco sobre as vantagens e desvantagens de saber ou não saber ler.
A primeira vantagem de saber ler -primeira, por ser a que imediatamente ocorre a qualquer pessoa - é de ordem prática. Evidente se torna que, neste nosso mundo moderno, o analfabeto está praticamente inibido de muitas coisas. Mas outra vantagem - talvez não menos importante - oferece a leitura, que é a de abrir o acesso à cultura. Analfabetos há que, pela experiência da vida, pelo trato com os homens, pelos dons naturais, adquirem aquele grau de cultura já implicada. E homens há que sabem ler, mas não sabem dispor dessa estupenda vantagem, e então ficam como que analfabetos, apesar de saberem ler.

José Régio, in O Grito, nº5, de 1 de Abril de 1960