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terça-feira, março 31, 2009


A biblioteca pessoal de Osho foi considerada a maior do mundo, com 150.000 títulos.


Entre 1970 e 1981 Osho lia de 10 a 15 livros por dia!

A imensa colecção de obras iniciou-se quando era ainda criança, os livros eram conseguidos por livreiros de Puna e Mumbai (Índia).


O seu crescente número de livros na biblioteca causavam alguma confusão em sua casa; problemas que iam desde a óbvia falta de espaço até a visitas e familiares um que não só levavam livros emprestados sem pedir, como os devolviam (às vezes…) todos riscados. Nesses casos Osho fazia essas pessoas comprarem um livro novo…


A biblioteca de Osho era composta por livros dos mais diversos assuntos: religião, filosofia, psicologia, literatura, poesia. Ele era um leitor eclético e voraz. Todos os livros foram lidos por ele.


Osho considerava que as crianças sabiam respeitar mais os livros do que os adultos, e por isso, tinha várias crianças da sua família como “guardas” dea biblioteca.


Para Osho, um livro era um caso de amor.

Sobre o Amor ...

A árvore da vida - de Gustav Klimt


O Amor...


"O Amor é o profundo desejo de ser uno com o todo, o profundo desejo de dissolver o Eu, o Você, numa unidade.

O Amor é isso, porque estamos separados da nossa própria origem; devido a essa separação, surge o desejo de voltar para o todo, de se tornar um com o todo.


Se arrancarmos uma árvore, ela sentirá um grande desejo de voltar a enraizar-se no solo, porque esta era sua verdadeira vida.

eparada, a árvore não pode existir, morre. Ela tem que existir na terra, com a terra, através da terra. Isso é o amor.


Por vezes o ego tornou-se uma barreira entre o indivíduo e a sua terra, o todo. O homem sente-se sufocado, não consegue respirar, perde as suas raízes.


O amor é um desejo de nutrição; o amor é um enraizar-se na existência."



Osho

O primeiro amor

K.c.Haxton

É fácil saber se um amor é o primeiro amor ou não. Se admite que possa ser o primeiro, é porque não é, o primeiro amor só pode parecer o último amor. É o único amor, o máximo amor, o irrepetível e incrível e antes morrer que ter outro amor. Não há outro amor. O primeiro amor ocupa o amor todo.
Nunca se percebe bem por que razão começa. Mas começa. E acaba sempre mal só porque acaba. Todos os dias parece estar mesmo a começar porque as coisas vão bem, e o coração anda alto. E todos os dias parece que vai acabar porque as coisas vão mal e o coração anda em baixo.

O primeiro amor dá demasiadas alegrias, mais do que a alma foi concebida para suportar. É por isso que a alegria dói - porque parece que vai acabar de repente. E o primeiro amor dói sempre de mais, sempre muito mais do que aguenta e encaixa o peito humano, porque a todo o momento se sente que acabou de acabar de repente. O primeiro amor não deixa de parte um único bocadinho de nós. Nenhuma inteligência ou atenção se consegue guardar para observá-lo. Fica tudo ocupado. O primeiro amor ocupa tudo. É inobservável.(...)

É como a criança que põe os dedos dentro de uma tomada eléctrica. É esse o choque, a surpresa "Meu Deus! Como pode ser!" do primeiro amor. Os outros amores poderão ser mais úteis, até mais bonitos, mas são como ligar electrodomésticos à corrente. Este amor mói-nos o juízo como a Moulinex mói café. Aquele amor deixa-nos cozidos por dentro e com suores frios por fora, tal e qual um micro-ondas. Mas o "Zing!" inicial, o tremor perigoso que se nos enfia por baixo das unhas e dá quatro mil voltas ao corpo, naquele micro-segundo de electricidade que nos calhou, só acontece no primeiro amor. (...)

Não há regras para gerir o primeiro amor. Se fosse possível ser gerido, ser previsto, ser agendado, ser cuidado, não seria o primeiro. A única regra é: Não pensar, não resistir, não duvidar. Como acontece em todas as tragédias, o primeiro amor sofre-se principalmente por não continuar. (...)
O primeiro amor deveria ser o primeiro a esquecer-se, mas toda a gente sabe, durante o primeiro amor ou depois, que é sempre o último.

Miguel Esteves Cardoso, Os Meus Problemas




Parabéns pelo 120º aniversário!!!


La Tour Eiffel

Hoje completam-se 120 anos sobre a inauguração da torre Eiffel. O evento foi o ponto alto da Exposição Universal de Paris de 1889, data em que se comemorava o centenário da Revolução Francesa.
Este aniversário faz-me lembrar o belíssimo livro de José Rodrigues dos Santos que, mais uma vez, aconselho a ler. Em “A filha do capitão”, a referência à inauguração da torre e a visita de uma família francesa a Paris, para assistir à festa da comemoração do 1º aniversário da “Tour Eiffel”, são momentos de boa leitura, pelo prazer de ler uma descrição perfeita do acontecimento e também, poder ver e sonhar.
Forte como ferro mas delicada como renda, a Torre Eiffel é o símbolo romântico de Paris. Um facto interessante é que seu design foi primeiramente desprezado pelos artistas e escritores da cidade, que protestaram contra a construção da torre em 1889 na Universal Exposition, feira internacional que comemorava o 100º aniversário da Revolução Francesa. A beleza, a originalidade e a magia da engenharia da torre ganharam, entretanto, elogios e carinho por todos os lados, bem como lugares nas pinturas de artistas como Pissarro e Utrillo.
Os desenhos de Eiffel eram tão precisos, fornecendo detalhes para mais de 18 mil peças de metal, que a torre foi erguida em pouco mais de dois anos. A impressionante quantidade de 2,5 milhões de rebites une as peças e a torre pesa 7.300 toneladas. A torre é repintada de sete em sete anos, e esse trabalho exige 50 toneladas de tinta.

segunda-feira, março 30, 2009

Passagem

Relembro a infância
como passagem marcante,
que se revela titubeante
na memória, nesta ânsia
de marcar os pormenores
como nossos arredores.
E, numa volta ao jardim,
a esse mundo do onírico,
irei colhê-la sem dores,
arrumá-la dentro de mim,
impregná-la de jasmim,
sossegá-la, com jeito,
sorrir, e neste trejeito,
relembrá-la por fim.
maria eduarda

Eu não Quero o Presente, Quero a Realidade

Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente,
quero a realidade;
Quero as cousas que existem,
não o tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe
em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes;
quero pensar nelas como cousas.
Não quero separá-las de si próprias,
tratando-as por presentes.
Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo
menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.


Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"

domingo, março 29, 2009

O outro Papa

O PAPA JOÃO PAULO II
O Papa João Paulo II também visitou Angola, em Junho de 1992.
Há já alguns anos que a igreja católica não me diz nada, ou praticamente nada. No entanto, para mim, este papa tem um significado muito especial, por ter sido um Homem de paz, poderemos até dizer um dos mais notáveis mensageiros da Paz, e porque esteve bem perto, mão na mão, com o meu irmão José João.
Em 1992 o JJ foi o piloto da TAAG, escolhido para acompanhar Sua Santidade o Papa João Paulo II, quando da sua visita a Angola, em Junho desse ano. Ainda que baptizado, o comandante Ribeiro não praticava a religião católica nem qualquer outra. No entanto, a simpatia pelo Papa João Paulo II foi imediata. Durante cerca de quatro ou cinco dias, foi com alegria que acompanhou Sua Santidade às várias províncias de Angola, tendo comentado com os pais, numa das suas várias vindas cá “Este Papa é diferente! É digno de admiração... nunca mostrou cansaço... É impressionante! Quando fomos ao Huambo, contactou directamente com as pessoas, procurando estar sempre perto delas... Fantástico!”
Todos os dias, depois da viagem a cada uma das províncias visitadas, regressavam para dormir em Luanda. De manhã, logo cedo, o Papa já se encontrava à espera do piloto, que o acompanhou sempre e que nos confessou o enorme prazer em o conhecer pessoalmente e com ele ter trocado uma palavras. O Papa João Paulo II fez questão de se fazer fotografar com o piloto, um privilégio do JJ.

Alguns dias depois da visita, sem o JJ esperar, recebeu, directamente do Vaticano, vários presentes, incluindo bonitos terços que logo distribuiu. A verdade é que não reservou nenhum para a mãe que, quando soube, lamentou o esquecimento. O filho só lhe disse “Mas a mãe queria mesmo um?! Que pena, deixe lá, tenho uma coisa que a mãe vai gostar mais!” E ofereceu-lhe, então, as duas fotos que o fotógrafo, que fazia parte da comitiva, lhe tirara e que lhe foram também enviadas.

Palavras do Papa João Paulo II, em Angola, Junho de 1992:

Que tenha definitivamente terminado para ti, querida Angola, o tempo do teu desamparo! Queridos angolanos! Congratulo-me convosco pela estrada que corajosamente iniciastes. Refiro-me a consolidação de Angola como um Estado de direito, assente nos valores e nos princípios da vida, da justiça social e do respeito mútuo.

sábado, março 28, 2009


Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã,
ainda assim plantaria a minha macieira.
O que me assusta não é a violência de poucos,
mas a omissão de muitos.
Temos aprendido a voar como os pássaros,
a nadar como os peixes,
mas não aprendemos a sensível arte de viver como irmãos.

Martin Luther King

sexta-feira, março 27, 2009

Recordações

Tenho a sensação, muitas vezes, de não ter conhecimento de determinados episódios que se passaram na minha vida, e só quando me lembram que fiz parte deles, porque essas pessoas lá estavam, aí ocorrem-me lembranças vagas, imprecisas, de momentos participados e preenchidos nesse meu percurso.É preciso que mos lembrem, que os retratem, para que eu me consiga apoderar deles.

Preocupante, não?

No meu bairro

As cegonhas chegaram ao meu Bairro…

Mesmo em cima do parque infantil,
Poucos metros em direcção ao céu,
Fizeram ninho devagarinho….

Brancas, Grandes, Vigilantes,
Voavam em busca de Ramos e Palha
Incansáveis construíam,
Sob os olhares encantados das crianças e dos grandes.

Parece que escolheram o sítio a pensar nos seus “meninos”…
Perto dos risos e das tropelias infantis,
Alegrando o parque,
Já de si Feliz.

Depois de as vermos atarefadas,
Em voos e namoriscos,
Aqui no Bairro ninguém duvida,
As cegonhas trarão bebés!
E ali estão elas, encavalitadas,
altivas, naqueles seus ninhos,
onde acolherão os filhos
em poses mais suavizadas.


Dinamene (a última estrofe é da Didium)

quinta-feira, março 26, 2009

Ser docente...

É abrir horizontes,
É beber em várias fontes,
É partilhar saberes,
É escutar vários seres,
É ultrapassar barreiras,
É multiplicar maneiras,
É gostar de receber,
É abrir-se ao perceber.

Como prosseguir a missão,
Como transmitir o prazer,
Como ocultar o desalento,
Como ultrapassar a questão?

Se quem dita no momento,

Não ouve a razão,
Não dignifica a profissão,
Não nos tira do tormento?

maria eduarda

quarta-feira, março 25, 2009

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

Foto:g.ludovice

A casa pode ser pequena, o contorno do meu corpo.
Não é o ser ela percorrível, que me tem em aflições.
A minha fuga dela, é porque não é mar!
Nenhum palácio se parece a ele,
talvez apenas o brilho dos olhos inclinados.
Às vezes, tu, quando me confundes com um sonho.

Crianças Índigo

Em todo o mundo, os pensadores mais dados aos esoterismos começaram a reparar em meninos com uma intuição acima da média e uma capacidade de comunicação invulgar. Chamaram-lhes meninos Índigo. Daí até à multiplicação de sites na Net foi um passo, e Portugal despertou para o assunto, recentemente, com os dois livros de autoras portuguesas a venderem acima do previsto: Crianças de um Novo Mundo, de Isabel Leal, com 1 500 exemplares vendidos em apenas duas semanas, e Crianças Índigo, de Teresa Guerra, três edições em menos de um ano.De um momento para o outro, há pais que vêem nos filhos espécimes diferentes da maioria, seres que não compreendem e parecem não ser compreendidos.
Afinal, quem são estas crianças especiais?Crianças azuis. Correntes da psicologia popular, em voga nos Estados Unidos a partir da década de 80, caracterizaram os padrões de conduta infantis diferentes com uma cor: Índigo. O termo aplica-se ao tom azul das calças de ganga, mas também a um determinado tipo de frequência ou vibração (a sexta cor que surge na decomposição da luz branca, associada ao centro energético, ou chacra, situado na testa, no meio dos olhos).
No livro Crianças Índigo (versão portuguesa agora lançada pela Sinais de Fogo), os autores Lee Carroll e Jan Tober defendiam que alguns meninos tinham um sistema bioquímico diferente: usavam em simultâneo dois hemisférios cerebrais, em vez da habitual predominância do esquerdo (associado ao pensamento lógico). Segundo esta tese, as crianças «azuis» seriam mais sensíveis, evidenciando capacidades de comunicação e de intuição apuradas. Por isso, tenderiam a irritar-se com facilidade ou a mostrar-se desatentos e inquietos sempre que expostos a ambientes rígidos, pouco criativos e que lhes pareçam incoerentes.


Como é que estas crianças vão fazer tal transformação?
Através do questionamento e transformação de todas as entidades rígidas que as circundam. Começando pela Família, que hoje se baseia na imposição de regras, sem tempo de dedicação, sem autenticidade, sem explicações, sem informação, sem escolha e sem negociação. Estas crianças simplesmente não respondem a estas estruturas rígidas porque para elas é imprescindível haver opções, relações verdadeiras e muita negociação. Elas não aceitam serem enganadas porque elas têm uma "intuição" nata para perceber as verdadeiras intenções e, mais, não têm medo. Portanto, intimidá-las não traz qualquer resultado, porque elas sempre encontrarão uma maneira de obter a verdade. Elas percebem as verdadeiras intenções e as fraquezas dos adultos. A segunda entidade vulnerável à acção dos Índigos é a Escola. Hoje o modelo de ensino tem um carácter impositivo sem muita interacção, sem tempo para escutar e sem a participação dos estudantes. Simplesmente este modelo é incompatível com os índigos, sendo que este é o pior dos conflitos para eles, muitas vezes superior ao existente na Família, principalmente pela falta de vínculos afectivos e amorosos. Como elas possuem um estrutura mental diferente, elas resolvem problemas vulgares de uma maneira diferente, além de encontrar formas diferentes de raciocínio que abalam o modelo actual de ensino.
Assim, através do questionamento, elas influenciarão todas as demais entidades, tais como: o mercado de trabalho, a cidadania, as relações interpessoais, as relações amorosas e até as instituições espirituais/religiosas, pois elas são essencialmente dirigidas pelo hemisfério direito.
Algumas "dicas" para reconhecer os Índigos
* Têm alta sensibilidade * Têm excessivo montante de energia* Distraem-se facilmente
* Têm baixo poder de concentração
* Requerem, emocionalmente, estabilidade e segurança dos adultos * Resistem à autoridade se não for democraticamente orientada * Possuem maneiras preferenciais na aprendizagem particularmente na leitura e matemática * Aprendem através do nível de explicação, resistindo à memorização mecânica ou a serem simplesmente ouvintes* Não conseguem ficar quietas ou sentadas, a menos que estejam envolvidas em alguma coisa do seu interesse * São muito compassivas; têm muitos medos tais como a morte e a perda dos amados
* Se elas experimentarem muito cedo decepção ou falha, podem desistir e desenvolver um bloqueio

Leio-me

Leio-me amiúde,
nem sempre me agrada a leitura
que de mim faço
e, na falta de alaúde,
retiro-me letras,
suprimo-me expressões,
acrescento-me interrogações.
E releio o parágrafo do dia,
na folha já reciclada,
que reclama ser melhorada.
Aliso-a, preencho-a de imagens,
multicores, abstractas,
plurais e ambíguas,
difíceis de decifrar
em dias normais,
de cansaços matinais,
de forças exíguas.

maria eduarda

O mundo à nossa medida

Todos nós criamos o mundo à nossa medida. O mundo longo dos longevos e curto dos que partem prematuramente. O mundo simples dos simples e o complexo dos complicados. Criamo-lo na consciência, dando a cada acidente, facto ou comportamento a significação intelectual ou afectiva que a nossa mente ou a nossa sensibilidade consentem. E o certo é que há tantos mundos como criaturas. Luminosos uns, brumosos outros, e todos singulares. O meu tinha de ser como é, uma torrente de emoções, volições, paixões e intelecções a correr desde a infância à velhice no chão duro de uma realidade proteica, convulsionada por guerras, catástrofes, tiranias e abominações, e também rica de mil potencialidades, que ficará na História como paradigma do mais infausto e nefasto que a humanidade conheceu, a par do mais promissor.

Miguel Torga, A Criação do Mundo

Redundâncias

Não fora eu feliz,
e deitava-me, ao acordar,
ciente de que nada fiz,
para poder anotar.

E faço, e actuo, e penso,
que tudo ao meu redor,
do chorar ao riso intenso,
é sentido ao pormenor.

É repleto este viver,
esta luta em prosseguir,
esta vontade de ser,
mais do que um elixir.

É ir ao fundo e erguer,
no momento, e em simultâneo,
extasiar-me, olhar e ver
a beleza, o apogeu momentâneo.

maria eduarda

terça-feira, março 24, 2009

Semelhanças



Há imagens que falam por si. Há sorrisos, expressões que jamais se esquecerão. E na vida, no momento, no reflexo de um qualquer espelho, recebe-se a dádiva, a grandeza desta emoção sentida, de rever nesse vidro, esse alguém que já iniciou a partida.

maria eduarda


Amizade…


Naquela altura, já há muitos anos, Alfazema andava confusa , a dureza da Vida e a grande distância a que estavam os seus sonhos impediam-na de comunicar o que sentia e de trilhar um rumo…

Deambulava por trilhos desconhecidos até que, depois de muitos dias a caminhar, a comer mal, debaixo de vento frio e chuva, Alfazema não aguentava mais o cansaço, a dor, a incerteza… Parou!…

Parou olhando a montanha, sentindo a brisa, avistando os muitos quilómetros já percorridos, negando-se a caminhar mais. Queria ficar ali, igual à pedra sem dor , nem sentir…


Ali, a olhar o horizonte infinito, sem se mexer!
E, de repente , algo a despertou…
Num feixe luminoso vislumbrou o olhar intenso e brilhante de Alecrim e ouviu as gargalhadas da sua amiga Rosa que ecoavam na montanha … Talvez fosse um delírio…
Levantou-se, ergueu seu corpo fraco e demasiado pesado para os seus músculos e continuou a caminhada até encontrar um abrigo. Escolheu Viver.

Uma vez ,também , sonhou que estava presa, como que paralisada, numa bolsa de teias de aranha suspensa algures entre o céu e a terra e que os seus amigos Rosa e Alecrim a conseguiam libertar…

É verdade que, em momentos difíceis, os verdadeiros amigos estão lá, dando-nos a mão, recuperando-nos… E que a realidade e os sonhos se misturam, algumas vezes!


Dinamene

Poema


«Hoje recebi um Poema…
Não era feito de palavras, nem de sons ritmados ou melodiosos..
Não tinha cores nem cheiro, era feito de Vida, de um instante partilhado a muitos kms de distância…

Tocou o telefone e do outro lado, directamente do metro de Paris, ouvi a voz do meu amigo, e ao fundo o som do metro e algum ruído….


Pôs-me a ouvir um pouco da música que uma banda tocava lá debaixo da terra, em França.


Obrigada Valter.
É assim a poesia, pura partilha de afectos! Há muito que não te ouvia mas valeu a pena a espera.
Ouvia-se mal mas o som era mexido e alegre e até parecia folclore Irlandês??!»

Amanhecer

De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

Sophia de Mello Breyner Andresen


«Recordo-me, num Verão que dormi na praia, com amigos…

A noite magnífica, a água apetecível, com um luar cheio iluminando-nos…
O banho no mar, de noite, com a minha filha, a minha prima Kiki e o Valter…. Os gestos fluorescentes na água, os risos arrepiados e felizes…

Ao nascer do sol a Kiki e o Valter quiseram dar mais um mergulho nas águas limpas e aparentemente “pouco frias” do oceano.
Penso que nenhum dos dois terá esquecido esse amanhecer na praia, eu lembro-me…
Ensonados, lá fomos os três desafiando os elementos, correndo na areia, acenando ao sol, inspirando intensamente a manhã, integrando-nos nas águas do mar!
Nadávamos na manhã silenciosa e clara, de um dourado e branco inesquecíveis…
de um lado a lua cheia e grande ainda se via, do outro o sol aparecia.

E nós mergulhámos, nadando devagar, flutuando, rindo, partilhando o prazer infinito de viver e estar assim envolvidos em água, carícias de mar.
Foi um amanhecer divino, um momento indescritível, a existência inegável de ténues e vaporosas membranas entra a vida e a eternidade.

Acrescentaria à quadra de Sophia…
“Onde me uni ao mar, ao vento, ao sol e à lua.”

Saudades da praia.»

Dinamene

segunda-feira, março 23, 2009

O meu amigo José Bernardino Nambala




Segundo o meu irmão Xinho:"... o Bernardino sempre demonstrou o carinho e amizade que tinha por todos nós, em especial naturalmente pelo Pai que o ajudou a terminar a instrução primária e o "promoveu" a contínuo do seu escritório. Mas a sua paixão era a Didium, como ficou demonstrado em algumas cartas que lhe escreveu."

domingo, março 22, 2009

Deliberadamente

Deliberadamente,
pedi asilo ao sorriso,
quando olhaste para mim.
Lançaste o último dado
no jogo da sobrevivência
que em mim vês habitado.
Deliberadamente,
enviei-te a esperança,
como audaz perseverança
no salto do trampolim
a efectuar sem mim.
Deliberadamente,
indiquei-te um caminho
possível, plausível, viável,
onde por certo
encontrarás o sentido,
há muito, em ti desejável.

maria eduarda

A minha boneca

Minha boneca ladina
De vestido esfarrapado!...
Por onde andou a menina,
Desinquieta pequenina,
Para estar assim neste estado?

Sujou-se!... Não tem cautela!
Tantos trabalhos, filhinha!
Vou fazer uma barrela
Pôr uma fita amarela
Nas alças da camisinha.

Faço-lhe um bibe de chita
Uma touquinha de renda
Uma saiinha bonita
Um babetinho catita
A ver se a menina se emenda.

Vou deitá-la na caminha,
Remendar o seu vestido
Fazer a sua papinha
E enquanto está deitadinha
Vou-lhe cantando ao ouvido.

A minha linda filhinha
Dá trabalho à sua mãe
Mas que boca engraçadinha
Que carinha redondinha
Que olhos lindos que ela tem!

Dorme, dorme descansada,
Que eu canto para te embalar
Dorme filhinha adorada
Fecha os olhinhos calada
Que eu preciso de trabalhar!

(poeta anónimo, mas a Diva sabe de cor)

sábado, março 21, 2009

Da erva à árvore

Eram dunas e dunas, a perder de vista. Montes de areia para o vento brincar...

Hoje, fazia uma duna maior aqui, amanhã apagava-a, para fazê-la mais além e, sempre segundo os seus caprichos, onde estavam montes, cavava vales, onde estavam vales, amoldava montes. O vento era uma vassoura enorme.

Cabeleiras dóceis de ervinhas rasteiras deixavam-se pentear, despentear, ao sabor do vento gigante. Ele é que mandava.

Uma delas, à beira de um tojo só picos, cresceu.
Delgadinha que era arriscou-se à vida. Rompera a areia e apontava para cima. Ela lá sabia.
De dentes a ranger, o vento passou. Partiu-se o tronquinho? Não se partiu. Fincava as raízes, segurava-se com toda a força e, quando o vento descia, inclinava-se à vontade dele. Tinha de ser assim. Lá se foi aguentando. O vento, a princípio, nem dava por ela. Era uma erva como as outras. Senhor daquelas dunas, o que ele queria era disciplina, ordem, submissão. A erva, que erva afinal não era, submetia-se. Óptimo.
Foi crescendo e o vento sem dar por ela. Era um tronco já, uma arvorezinha de Natal para casa de bonecas. Outras ervinhas como, dantes, ela tinha sido, despontavam também, na mesma duna.

Ali havia uma pequena nação de pinheiros novos. A ordem era: persistir. Por enquanto, persistir. Resistir, seria para depois. E foram vingando.

Quando o vento deu por eles, teve uma grande cólera e soprou, dias a fio, sobre a duna, donde nascia, miudamente, frágil ainda, um sinal de rebeldia ao seu poder. Nada conseguiu. Os pinheiros sabiam que eram pinheiros.

Tinham raça e coragem para fazer frente ao vento.
Uns e outros, os maiores e os mais pequenos, começaram a olhar para a sombra.
Alastravam para outras dunas. Guerreiros chamavam por outros guerreiros e desafiavam o vento. “Nada podes contra nós”, gritavam-lhe.

O maior, o chefe, o mais velho, que da erva se fez tronco, do tronco se fez árvore, comandava a defesa e dizia aos mais novos, nas alturas em que o vento lhes fazia ranger os ramos: “Aguentem, que já passámos por pior”.

Eles aguentavam.

E foi assim que o vento, o gigante caprichoso que dantes arrasava dunas, teve de deixar de fazer castelos na areia.

António Torrado

Desenraízamentos

(...) Não tenho sítio nenhum para onde ir e ando, como Dayo, para onde vão os turistas. A minha loja de comes-e-bebes, esse nó à roda do meu pescoço. Sinto como seria bom se a pudesse deixar, deixá-la assim,sem mais nem menos. Deixar o caril da véspera perder o gosto e apodrecer e ficar vermelho como veneno, deixar o pó cair do tecto e assentar. Levar Dayo para casa antes que ele endoideça. Como se um homem pudesse fazer isso, como se um homem pudesse abandonar uma vida que se estragou.(...)
V.S.Naipul, Num país livre, D.Quixote

Dobrada à moda do Porto

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...

(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje.)

Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.

Fernando Pessoa

sexta-feira, março 20, 2009

Os Livros da Minha Vida

Afirmei que, por vezes, é um autor que temos em alta estima que nos põe na pista de um livro enterrado. «O quê?! Ele gostou desse livro?!», perguntamo-nos; então as barreiras caem imediatamente e a mente não só se torna aberta e receptiva, como fica literalmente em chamas. Acontece com frequência não ser um amigo de gosto semelhante que nos aviva o interesse por um livro morto, mas um conhecimento fortuito. Por vezes esse indivíduo dá a impressão de ser um imbecil e perguntamo-nos por que razão havíamos de reter na memória uma obra que essa pessoa recomendou casualmente, ou talvez não tenha de todo recomendado, mas apenas mencionado no decurso de uma conversa como sendo um livro estranho. Quando estamos mais ociosos, quando não sabemos o que fazer, como se costuma dizer, vem-nos subitamente à memória a recordação dessa conversa e ficamos prontos para dar uma oportunidade ao volume em questão. Vem então o choque, o choque da descoberta. (…)
(…)A referência fortuita de um amigo, um encontro inesperado, uma nota de rodapé, uma doença, a solidão, estranhas subtilezas da memória, mil e uma coisas podem despertar a nossa curiosidade por um livro. Há momentos em que estamos susceptíveis a todo o tipo de sugestões, palpites e insinuações. E há outros em que é preciso dinamite para nos pôr em movimento.

MILLER, Henry

Alegria

Alegria brutal e primitiva de estar viva,
feliz ou infeliz mas bem presa à raiz.
Volúpia de sentir na minha mão,
a côdea do meu pão.
Volúpia de sentir-me ágil e forte
e de saber enfim que
só a morte é triste e sem remédio.
Prazer de renegar e de destruir
o tédio,
Esse estranho cilício, e de entregar-me
à vida como a
um vício.

Alegria! Alegria!


Volúpia de sentir-me em cada dia mais cansada,
mais triste,
mais dorida mas cada vez mais agarrada

à Vida!

Fernanda de Castro, in "D'Aquém e D'Além Alma" (Excerto do poema)

quinta-feira, março 19, 2009

Misha é o nome do meu gatinho


Misha é o apelido russo do nome Mikhail (em português, Miguel) e o nome pelo qual ficou conhecido o mascote dos Jogos Olímpicos de 1980, em Moscou. O personagem, um ursinho (animal símbolo da Rússia), foi criado pelo ilustrador soviético Victor Tchijikov, famoso pelos seus desenhos para livros infantis. Consta que Tchijikov levou seis meses para desenhá-lo, entre centenas de variações, e acabou finalizando o ursinho em dezembro de 1977. Misha, inclusive, tinha até nome inteiro oficial: Mikhail Potapitch Toptygin.

O uso do ursinho nas cerimónias de abertura e encerramento dos Jogos, transmitidas pela televisão, emocionou o mundo: Misha aparecia em movimentos produzidos por um enorme mosaico de coreógrafos carregando placas coloridas, que eram levantadas e abaixadas segundo um movimento perfeitamente sincronizado pelas pessoas nas arquibancadas do estádio.
Um momento especificamente marcante ocorreu durante a cerimónia de encerramento, quando uma coreografia simulou a queda de uma lágrima do olho do ursinho, fazendo Misha chorar.

Misha foi a primeira mascote de um evento desportivo que alcançou êxito comercial a nível mundial (apesar de ser originário de um país
socialista que não primava pela obtenção de lucros). Diversos produtos foram vendidos em todo o mundo com sua imagem e surgiu mesmo uns desenhos animados de origem japonesa baseados no dito personagem que foram um sucesso. - fonte wikipédia
E o meu gatinho que tantas alegrias me dá e tanto pêlo deixa pela casa (é um persa) também me emociona.
Porque é real.
Porque é um ser vivo. Porque me faz companhia.
Porque ronrona, tem fome e sede e pede mimos.
Porque nos momentos de solidão preenche.
Porque é um transmissor de afectos e nos lembra nos momentos mais duros que existe sempre algo que merece o nosso carinho, o nosso esforço.... mesmo quando não raras vezes na vida duvidamos do ser humano.
E na vida a magia acontece em qualquer lado. Nos animais e também nas plantas.
Não é exclusiva das pessoas.
Também acontece "naquele livro" que é nosso "amigo".
"Naquele poema" que nos traduz e sintetiza. "Naquela música" cuja letra ou harmonia, nos toca...
E é bom estar vivo!
Sei bem que pensas o mesmo, Misha.

Nudez

Levanto o véu da verdade,
colado ao parecer,
para deixar de o ser.
Assim, só há uma cor,
a que trago vestida,
para quem quiser ver.
E, dessa cor faço lema,
mesmo nalgum dilema,
avanço, ergo a face,
realço a firmeza
do gesto, nesta certeza
de viver assim vestida,
de cor, na emoção sentida.


maria eduarda

quarta-feira, março 18, 2009

Introspecção

O vento sibila por aí,
pergunta-me por sonhos
que busquei na memória,
esquecidos, arrumados.
O raio fervente do Sol
lançou-lhes calor, confusão:
num ápice, desembrulhou-os,
tirou-os da escuridão.
Lançou-os contra o tempo
e,neste instante supremo
bailam vivos, risonhos
por entre a multidão.
Olho-os, abraço-os, e reconheço-me
nesta aragem que me trazem.
Não são sonhos, são vontades,
quereres, agora presentes
anunciam o deslumbramento
da vida, do gozo, da luz
que difunde encantamento.
Ei-los soltos, prontos quase
no concreto, no real,
no ondeante seduzir,
desta vontade de amar,
sem barreiras a cruzar.

maria eduarda

terça-feira, março 17, 2009

Em nome do amor puro

Au Parfait du Présent - Denis Nolet
Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa não é minha. O que for compreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que eu quero fazer é um elogio ao amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Teixeira de Pascoaes meteu-se num navio para ir atrás de uma rapariga inglesa com quem nunca tinha falado. Estava apaixonado, foi parar a Liverpool. Quando finalmente conseguiu falar com ela, arrependeu-se. Quem é que hoje é capaz de se apaixonar assim?


Hoje em dia as pessoas apaixonam-se por uma questão prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão mesmo ali ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato. Por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das calças e das cuecas e das contas da lavandaria.
Hoje em dia fazem-se contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor tornou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica da camaradagem. A paixão, que deveria ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se numa questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam praticamente apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há. Estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.
(...) Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber. É sinal de amor puro não para se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder, não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um minuto de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

Miguel Esteves Cardoso

Um pequeno escritor

O Diploma do meu sobrinho Guilherme

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

Darwin e ela 2009

Exercício da plataforma visível
Ter chão, pensa-se, é a coisa mais certa e óbvia para um animal terrestre e até mesmo as aves que se exilam tempos diria infindos pelo tecto gasoso do mundo, o têm por vezes.
Mas não é assim fácil de todo, achá-lo no sítio debaixo das nossas solas onde ele se torna perpendicular à nossa consciência ou notá-lo pegado a um lado mais extenso do nosso corpo como uma insoltável paisagem, avistada pela janela fixa de um comboio.
Quando isso se dá, não há lado de fora preciso.

Olhe-se para baixo.
Existem tábuas de madeira ou mosaicos ou terra ou assim.
Nesse fundo à vista, está a ponta de nós ou um meridiano que ainda somos nós, parece.

Abarcamos pouco. Ocupamos um irrisório espaço em relação às coisas e cidades, mas precisamos de espaço em volta do que somos, mesmo que permanecendo imóveis como as sombras de objectos pendulares que não são visitados, pelos esgares da luminosidade.
É estranho. Só os mortos parecem não necessitar de horizonte.

Olhe-se ainda para a parte que em nós não se desalinha com o piso.
Um dedo poderia percorrer essa linha de contacto como uma carícia inusitada que aproxima estranhos, de modo invulgar, com uma enormidade de súbitos pretextos irracionais.
Não há dúvidas desse apego ao quintal dos pés.

Mas na angústia da nossa efemeridade, tal como desaparecem as coisas quando aceleradas em demasia perante a estática visão que delas temos, a realidade estável torna-se volátil como uma mobilidade ainda mais real e aquilo que é para nós certo, deixa-o de ser.
Incluído o nosso único e insubstituível chão.

Olhe-se de novo para onde assentamos algo de nós em algo.
Ama-se essa impossível permanência.
É tudo.

"Toda a decisão que você toma - toda a decisão - não é uma decisão sobre o que você faz. É uma decisão sobre Quem Você É. Quando você vê isso, quando você entende isso, tudo muda. Você começa a ver a vida de um modo novo. Todos eventos, ocorrências e situações se transformam em oportunidades para fazer o que você veio fazer aqui."

Neale Donald Walsch

segunda-feira, março 16, 2009

Eu sou a água do mar

Eu sou a água do mar,
a água de todos os mares,
a água azul, verde ou cinzenta
que liga os continentes,
as ilhas, as línguas de terra
onde o trigo cresce,
onde os pássaros fazem ninho,
onde as cidades despertam,
onde as mãos amassam o pão,
onde as plantas e as pedras
se casam em manhãs de sol
quando chega a Primavera.
.................................................
Eu sou a água do mar,
a água de todos os mares,
dos oceanos imensos
ou dos pequenos mares quietos
onde o sal é tanto
que faz arder os olhos
só de olharmos para eles.
Tenho alimento bastante
para dar de comer
a todos os meus filhos
e também aos filhos da terra,
às bocas que pedem mais pão.
Habita em mim a riqueza:
o ouro, o petróleo, o carvão.
Por isso me cobiçam,
me furam o corpo
à procura de novas riquezas.
Não quero para mim
aquilo que as minhas águas
escondem e protegem.
Mas só darei ao homem
aquilo que o homem
souber usar, trabalhar, melhorar.
.......................................................
A minha riqueza é de todos,
mas é preciso que saiba
merecê-la, aumentá-la, amá-la.
Há quem me chame
grande continente azul
e eu gosto deste nome,
porque é bonito
e porque gosto do azul
que é a minha cor preferida.
Azul de água e de vento
de brisa e de espuma;
azul do céu de Junho
reflectido nas escamas de prata
dos peixes voadores
.........................................................
É no meu rosto de água
que as estrelas e os astros
se vêem ao espelho,
se miram e embelezam.
É no meu rosto de espuma
que as crianças constroem
castelos de sonho e areia.
E como eu gosto das crianças!
Queria ser um grande,
um enorme jardim verde
para elas poderem brincar
abrigadas de todas as tempestades
..........................................................
E digo: o que é meu também é vosso.
Se estiverem comigo
estarei convosco: com os pescadores,
com os navegadores solitários,
com os astros e as auroras boreais.
Eu sou a água do mar,
a água de todos os mares,
de todos os oceanos,
do Atlântico, do Índico, do Pacífico.
sou casa, celeiro, refúgio.
................................................................
Quero ter a cor do sonho,
o cheiro da maresia
e do peixe fresco.
É em mim que começa o azul
e também a viagem do sol
à superfície das águas.
A viagem dos homens à descoberta.

José Jorge Letria
"Os livros têm mesmo luz, magia, e espreitar lá para dentro, para mergulhar num novo mundo, é o que apetece muitas vezes."

Dinamene

domingo, março 15, 2009

Audácia


Coloridas, abertas, vulgares,
florescem agora as petúnias.
Inúmeras cores
dão alento ao verde que subjaz
todo o ano, atento
à altura eficaz
para abrir a corola,
ao tempo que é o certo.
Este tempo, brilhante
em que eu me asserto
e, em sintonia gritante,
detenho-me na força
da flor simples
cujo caule audaz
permanece e sustenta
a flor reinante.

maria eduarda
Há qualquer coisa de podre, há qualquer coisa de decadente e de vil neste tempo. Repare-se no rosto dos que estão no poder, e no daqueles que estão preparados para os substituir. Sempre aquelas caras que pouco se alteram. Sempre os mesmos hábitos. Sempre o mesmo sarro da aldrabice, da dissimulação, do desdém por todos nós.

Baptista-Bastos

sexta-feira, março 13, 2009

A poesia não se explica...

Não sei falar de literatura. Não sei falar de poesia. Sobretudo não sei se a poesia tem alguma coisa a ver com a literatura. Talvez esteja antes ou depois da literatura. Sei que a poesia não se explica, a poesia implica, como costuma dizer a minha amiga Sophia de Mello Breyner. Sei que a energia, como diz o meu amigo Herberto Hélder, é a essência do mundo e que "os ritmos em que se exprime constituem a forma do mundo." Sei, como o poeta russo Mandelstam, que "escrever é um acontecimento cósmico", e que cada palavra é um pedaço de universo. Ou como dizia Klebnikov:"na natureza da palavra viva, esconde-se a matéria luminosa do universo". Talvez tudo isto seja a poesia. Ou talvez ela não seja mais do que o primeiro verso, aquele que nos é dado, como sempre dizia Miguel Torga, porque os outros têm de ser conquistados. Talvez tudo esteja nesse primeiro verso, que é o instante da revelação e da relação mágica com o mundo através da palavra poética. Talvez o poeta, afinal, não seja muito diferente daquele sujeito que vemos nas tribos primitivas, de plumas na cabeça, repetindo palavras mágicas enquanto dança e pula ao ritmo de um tambor. O poeta é esse feiticeiro. Dança com palavras ao som de um ritmo que só ele entende. Ou é talvez o adivinho. Como já não pode ler nas vísceras das vítimas, procura decifrar os sinais dos tempos através de múltiplos sentidos ou do sem-sentido da palavra. De qualquer modo, como nas sociedades primitivas, que tinham uma concepção mágica do mundo, o poeta de hoje é como esse xamã antigo que, através da repetição rítmica de palavras e imagens, convoca as forças benfazejas ou tenta exorcizar as forças maléficas.
A poesia é, assim, antes de tudo, uma forma de medição. Um presságio do Sul, como diz o meu amigo José Manuel Mendes.
Uma encantada, encantatória e desesperada tentativa de captar a essência do mundo e de, através da palavra, "mudar a vida", como queria Rimbaud. Uma forma de alquimia. Que procura o impossível. Ou seja: o verso que não há.
A poesia também é língua. E para mim a língua começa em Camões, que tinha uma flauta mágica. A música secreta da língua. A arte e o ofício da língua e da linguagem.(...) O poeta, dizia Cioran,"é aquele que leva a sério a linguagem? Eu creio que é estar atento aos sinais. Os sinais mágicos da palavra.(...) É então que a poesia acontece. Isto é o que sei de poesia. Talvez seja muito pouco. Mas não sei se é possível saber mais.

Manuel Alegre, in "Trinta Anos de Poesia"

quinta-feira, março 12, 2009

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

Foto:G.Ludovice 1989


Exercício de Despojamento


Há a casa, um quarto, um escaparate ou uma estante, um armário com alguns brinquedos. Regressa-se a ser pequeno.

A mãe tensamente diz, despacha-te que temos que fugir, as tropas vêm aí, não nos podem encontrar nem ver em movimento, diz ainda, entra rapidamente para dentro do carro, onde está o resto da família.

Fica-se a olhar para os brinquedos e pergunta-se à mãe se se pode levar algum. Ela diz que sim, mas que não todos, que há coisas imprescindíveis para carregar.

Escolhe-se um e outro, deixa-se outro e pega-se noutro, abraça-se outro e deixam-se três, olha-se para os outros sabendo que nunca mais se lhes vai ver a desgastada forma, a cor dos instantes carcomida, o cheiro neles das mastigadas tardes, e entretanto a mãe chama como se tivesse uma longa cauda essa palavra nos ouvidos.

Com as pequenas mãos cheias de poucos brinquedos, continua-se a largar uns e a agarrar noutros e não existe isso da possibilidade que é decidir entre eles nem de ir para o carro, sem todos eles.

A mãe continua numa aflição aos sobressaltos enquanto se nos esfarela a infância para trás amontoada nos seus grãos numa prateleira escura e a voz da mãe dispersa-a, como uma mão protectora que fere. Cada vez mais insistente, indica-nos sítios também desencontrados, ninguém deve adivinhar que não queremos morrer já ali.

Os brinquedos jogados à noite da prateleira ainda são olháveis, mas cada vez mais no longe opaco com que a distância nos endivida.
Corremos sós por uma rua diferente. As tropas estão ali e nós entramos no futuro por uma pequena janela, que nos filtra de tudo.