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quarta-feira, junho 30, 2010

OPOSTOS

Dentro de mim coexistem
o sol e a lua como iguais,
há dias mais curtos e
noites mais compridas.

Sinto o frio e o calor,
extremos que não controlo,
tenho montanhas colossais
e vales a perder de vista.

Nunca estou a meio caminho,
raramente me encontro nos opostos.
Desejo intensamente o mar
e invejo a areia do deserto.

Olho para mim e não me vejo,
toco-me e não me sinto,
vejo-me e não sei que sou,
sinto-me e ignoro as emoções.

Tudo o que descubro,
ao longo da minha viagem,
é apenas a força de aceitar
os opostos dentro de mim.

Por se afastarem tanto
são difíceis de entender,
mas eu vou conseguir:
é a minha vontade e o meu poder.

Sónia Pedro

terça-feira, junho 29, 2010

EXÍLIO

Porque fechamos os olhos aos muitos caminhos da vida,
Deixamos para trás as possibilidades do futuro,
Desdenhamos as surpresas do outro lado de cada muro
Que nos esperaria a cada curva da estrada tão comprida.

São pétalas de uma flor que nunca plantaremos,
São gotas de água de um copo que partimos sem ver,
São cores de um arco-íris que nunca há-de nascer
Por acharmos que aquele não é o horizonte que queremos.

E agora, que me vejo onde estou, sentada ao sol,
Eternamente ansiando pelo canto do frágil rouxinol,
Eternamente à espera da estrada perfeita e sem buracos,

Vejo naquelas escolhas que não fiz quando devia
O meu pranto, a minha dor, a cama de agonia
Deste exílio voluntário dos pobres e dos fracos.

Sofia Pedro

ACASO

"Cada um que passa em nossa vida,
passa sozinho, pois cada pessoa é única
e nenhuma substitui outra.
Cada um que passa em nossa vida,
passa sozinho, mas não vai só
nem nos deixa sós.
Leva um pouco de nós mesmos,
deixa um pouco de si mesmo.
Há os que levam muito,
mas há os que não levam nada.
Essa é a maior responsabilidade de nossa vida,
e a prova de que duas almas
não se encontram ao acaso. "

Antoine de Saint-Exupéry

sexta-feira, junho 25, 2010

A BORBOLETA

Tira aquelas rosas que colocaste na minha sepultura;
Arruma os lenços com que secas cada lágrima caída;
Apaga as velas e os círios da frágil despedida
De quem pensa que entrei naquela via eterna e dura.

Vai dizer ao mundo que ainda não caí, não expirei;
O silêncio que tu ouves é apenas o início de algo maior,
E se agora sou o pôr-do-sol matizado de tristeza e dor,
Amanhã descobrirás a completude em que me tornarei.

Deixa que os anjos voltem ao céu, num pensamento –
– se não me vês é porque chegou o meu momento,
E no silêncio hei-de transformar-me inexoravelmente.

Arrancarei do peito a perfeição que sempre me atribuíste,
Partirei a frágil redoma de vidro em que sempre me viste,
Libertarei os grilhões desta prisão e seguirei em frente...

Sofia Pedro

quinta-feira, junho 24, 2010

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

Exercício inventado para se amanhecer

 Todos os momentos são os escolhidos, para mais do que encostar as pálpebras, crer que se uma contra a outra as espremer com toda a força e se só se pensar no amado, chegado assim em colo ainda quente de pensamento, inevitavelmente algures se porá ele à janela de si próprio, como quem se vai elevar aos céus, só porque está a ser sonhado.

terça-feira, junho 22, 2010

O meu espaço

Chego mais cedo,
invado o espaço,
e descanso.
Apoio-me
na penumbra
do pensamento
inacabado.
Dou-lhe vida,
movimento,
embalo-me nele
e afogo-me no sonho.

Partir? Para quê?
Aqui,
encontro o espaço
onde o sonho
é permitido,
e me conduz
os passos,

maria eduarda

CONSIDERAÇÕES


Quando o cansaço desce, há um peso que se instala... Tudo parece escurecer: a luz, os sons... As forças não chegam para tudo e tudo nos aborrece.
Abençoadas sejam aquelas rochas da nossa vida, que pisamos no meio das areias movediças que nos rodeiam e não nos deixam afundar.

Sofia Pedro

segunda-feira, junho 21, 2010

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

Se estar ainda livre da última tábua que se solta da mão de quem treme frente ao trabalho que tem, o de selar alguém numa caixa que desce ao escuro ou à luz das chamas, faz sentido, então os olhos imensos não têm nem por onde descansar neste mundo.

Parabéns Pai

Apreciaste a última prenda que te oferecemos. Sorriste e olhaste as horas presas no teu pulso. Muitas horas têm passado desde então. Continuo a vivê-las e a lembrar-me do teu sorriso agradecido, do teu olhar atento, que se fixava na minha face.

Hoje é chegada a hora do beijo e do abraço de parabéns. Estarás por aí, sorrindo para mim, para nós, não te preocupes com as horas, eu estou atenta, e hoje mais que nunca.

Parabéns Pai!
Eduardinha(era assim que ele me chamava)

domingo, junho 20, 2010

"Um filósofo perguntou, um dia: 'Seremos nós humanos por olharmos as estrelas ou olharemos para as estrelas por sermos humanos?'"

in Stardust - O Mistério da Estrela Cadente

Um filme belíssimo... Um belíssimo conto de fadas... Uma lição de vida...

Sofia Pedro

IMORTALIDADE I

Somos feitos de ideias
E o nosso corpo é a caixa que nos segura
Neste mundo breve...
A vida é o canto das sereias
Num mar onde a água é tão escura
E tão densa como um mar de neve.

Se olharmos para trás nada vemos,
Mas sabemos que o que somos
Tem de permanecer, de perdurar...
A vida não foi feita apenas para respirar
E as horas contam-se minuto a minuto,
O que interessa é o tempo que se perde a caminhar.

Sofia Pedro

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

A pomba de repente minha vizinha no cimo do telhado, dir-se-ia quase virgem em vôos, pois ao baixar dele, atirou-se como um homem e mais parecia que se ia suicidar.
Aprender a voar, ainda assim deve causar menor angústia do que morrer no ninho, de olhos escancarados no infinito.

sábado, junho 19, 2010

ANJO

Um anjo apanha estrelas, devagar,
Uma a uma, grão a grão...
Leva já a cesta quase cheia e, sem notar,
Desvia-se do caminho e do luar,
Levado, assim, por ignota mão.

Quem o olha não consegue imaginar
Figura mais bela, mais celeste...
E o pequeno anjo continua a caminhar,
Com estrelas na cesta, nos olhos, e, sem notar,
Vai desbravando, assim, a paisagem agreste.

As asas de prata, descaídas, rutilantes,
Vibram golpes de cor e harmonia,
E, de quando em quando, por breves instantes,
Uma borboleta crê que os diamantes
Das suas penas são o sol e a luz do dia.

O anjinho adormece, cansado da caminhada,
Banhado pela luz brilhante do luar...
Adormece levemente, e a terra e a estrada
São, de repente, a mais fofa almofada
Que Deus lhe envia para o confortar.

Sofia Pedro

Da desilusão

A desilusão instala-se sofredora, quando era suposto que o que se cria real, verdadeiro, se assume agora como uma ilusão.

E a verdade é ter consciência de que estamos aqui de passagem, na passagem para um fim, para uns, nem tanto, para outros, derradeiro.

E quando o silêncio é uma arma que destrói a ponte, que julgávamos de partilha, bem alicerçada, acreditamos então que tudo é afinal ilusão, ou então, iludiram-nos na verdade que alimentávamos dentro de nós .

maria eduarda

sexta-feira, junho 18, 2010

A Forma Justa


A FORMA JUSTA

Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos - se ninguém atraiçoasse - proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
- Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"
(1919-2004)

José Saramago não morre...



…É dos que ficam, sempre, entre nós, nas suas palavras fortes, verdadeiras, de denúncia ou de esperança…

Fará parte da nossa história, com as suas histórias, da herança de ser português, de falar e escrever em português, de usar a palavra como arma, a poesia como reflexão, o sonho como resposta, …



Fará parte de nós…herança da verdade e da ilusão…

Morreu José Saramago

José Saramago morreu, chegou a sua hora. Apesar de controverso, e talvez por isso, sempre o admirei, como homem e principalmente como escritor.Penso que o núcleo que compõe este blogue, pensa como eu.
Acabaram-se os romances que me têm deliciado, resta-me redescobrir a sua escrita, relendo muitos deles.

terça-feira, junho 15, 2010

TERRAMOTO

Uma mão e outra mão abrem o espaço em meu redor…
Cada dedo que me toca tange perto do meu peito
Uma corda e um efeito
Sem perfume e sem sabor.

Ergo os olhos e o infinito, tão azul e tão vazio,
É aquilo que eu sinto no meu peito a palpitar:
Nada mais que vento e ar
Feitos de chuva e de frio.

Sou aquela ilha nascida da natureza,
Tornada viva pela força da certeza
Que também tenho direito a viver…

Por isso sacudo o pó e levanto-me do chão,
Cerro as fileiras, reforço o coração,
E a partir de agora pode vir o que vier!

Sofia Pedro

segunda-feira, junho 14, 2010

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

A poesia tem uma forma rara e esta pode rebentar, não ela própria, mas quem a ingere como a uma hilariante golfada do maravilhoso.
Quando alguém sofre esse rompimento de si por causa da poesia tomada, torna-se mais leve, como todos os corpos que se descosturaram na vida, por não caberem na sua própria figura.
A poesia tem volume dentro de alguém e só aí é questionável o grau da sua imensidade.

domingo, junho 13, 2010

VARIAÇÃO

Sou eu, estou aqui e agora...
Amanhã não sei onde me encontrarei.
Se o que digo hoje é o que sei,
O que direi amanhã, ao acordar,
É a variável
Que deixo para o futuro desvendar.

Sofia Pedro

Parabéns Em@

Saber-te da mesma raiz, é comungar do mesmo chão, é partilhar a mesma leitura do tecto que ainda trazemos, nos nossos pensamentos.

maria eduarda

Aniversário de Fernando Pessoa

sexta-feira, junho 11, 2010

Frase do dia

A amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas pessoas.

Carlos Drummond de Andrade

SER

Ser, apenas, não é vida...
Ser por ser nada é...
Mas ser
Para ser mais alto ainda
É ter asas de ouro e saber
Que a vida é aquilo que se quiser.

É ter o sonho
Aberto em lágrimas de prata...
É descobrir
A cada passo dado
A frescura ondulante de uma sonata,
O sabor morno de um bailado.

É querer ir
Onde nunca antes se tenha ido...
Voar por entre
Nuvens douradas pelo sol poente...
É descobrir
Que a vida está atrás de nós e à nossa frente.

Ser mais alto,
Maior do que a nossa própria alma,
É avançar tranquilamente,
Serenamente,
Pelo longo asfalto
Da estrada que percorremos com muita calma...

Sofia Pedro

terça-feira, junho 08, 2010

O Caminho Menos Percorrido

«Um livro extraordinariamente lúcido, perfeito para quem se inicia neste caminho de recordar quem é, ou para quem já o percorre.
Fala de amor, de graça, de responsabilidade. E começa com esta tão simples frase: "A vida é difícil. "Não como um drama, não como uma queixa. Somente como um dado adquirido, para que daí possamos criar o nosso melhor, assumir responsabilidade pelas nossas escolhas e por quem somos. Sem devaneios.Integrar a espiritualidade no dia a dia. E percorrer o nosso único e tão especial caminho.»

In http://atribodaluz.blogspot.com/

segunda-feira, junho 07, 2010

Borges..

Amorosa antecipação



Nem a intimidade da tua fronte clara como uma festa,

nem o hábito do teu corpo, ainda de menina e misterioso e tácito,

nem a sucessão da tua vida assumindo palavras ou silêncios

serão favor tão misterioso

como olhar o teu sono envolvido

na vigília dos meus braços:

Virgem milagrosamente outra vez, pela virtude absolutória do sono,

serena e resplandecente como a alegria que a memória escolhe,

dar-me-ás essa margem da tua vida que tu própria não tens.

Entregue à serenidade,

divisirei essa praia última do teu ser

e ver-te-ei acaso pela primeira vez

como Deus te verá,

já dissipada a ficção do Tempo,

sem o amor, sem mim.


Jorge Luis Borges

domingo, junho 06, 2010

Na casa grande

Na casa grande,
na rua que sobe,
ficaram os sons,
os sonhos, os passos,
que preencheram
a nossa infância.
Na casa grande
havia o pátio,
o jardim, o quintal,
as árvores de fruto,
o cheiro a terra molhada,
e a tua voz.

Na casa grande
vivemos muito,
no meio de festas,
de jogos, de risos,
e da tua voz.
A casa grande
ainda viverá?
Talvez,
povoada de sombras,
de ecos de risos,
de choros,
de suspiros,
e da tua voz!

maria eduarda

quinta-feira, junho 03, 2010

O psicólogo


Há muito tempo que não via a Lurdes, minha antiga colega de faculdade. Daí a gargalhada de ambas quando esbarrámos no café, e lá abancámos diante de uma bica, a pôr a vida em dia. Saltaram as fotografias da carteira, e o relato fatal das gracinhas infantis.
É então que ela me diz, apontando para a cara risonha do seu neto de três anos, "este até já anda no psicólogo". Eu fiquei sem saber o que dizer, tanto mais que a Lurdes falara com um indisfarçável orgulho na voz, assim como se dissesse, "este já anda no judo e é cinturão negro".
Que eu soubesse não tinha havido revolução de maior na vida da criança, nem pais separados, nem um novo irmão, nem nenhum morto, mas a Lurdes, com um sorriso condescendente, lá explicou que o recurso ao psicólogo se devia ao facto de a criança ir entrar agora pela primeira vez para a escola infantil: "Eventualmente poderá haver um problema de rejeição da escola, e é preciso tratar." Ainda perguntei por que não eram os pais a ocupar-se disso - mas logo a Lurdes disse que nem pensar, porque os pais não tinham "preparação técnica".
E pronto. Lá vai a criança, de três anos de idade, todas as semanas ao psicólogo, que a ajuda a resolver um problema que muito possivelmente ela nem nunca terá. Ou seja: que lhe dirá (espero...) aquilo que nós todos dizemos às nossas crianças em alturas semelhantes: vais gostar muito de brincar com os outros meninos, vais aprender muitos jogos, e muitas cantigas, etc.,etc...
Mas hoje os pais já quase não sabem falar ou brincar com as crianças. Pensam que brincar é uma coisa que só se faz diante de um ecrã. Brincar com uma criança é, cada vez mais, pô-las a ver televisão, ou atirar-lhes com um computador para que fiquem horas a fazer jogos.
E não há nada mais triste do que uma pessoa que não sabe conversar nem brincar com uma criança.
Uma pessoa que olha para uma criança como se ela fosse um país estrangeiro. Um país inimigo.
Por isso, despeço-me da Lurdes e chego a casa estupidamente cheia de saudades da minha mesa da casa de jantar, que range mal se lhe toca, que tem a tábua do meio partida e as pernas desengonçadas - mas que os meus filhos me proíbem de substituir, porque foi nela que o pai os ensinou a jogar ping-pong; e nem me importo com os buracos ainda visíveis na parede ao fundo do corredor, do tempo em que lá estava pregado um cesto de basquete onde todos exercitavam a pontaria; e lembro a choradeira que foi no dia em que decidimos lavar a parede do quarto do meu filho (o rapaz já tinha entrado na faculdade!) onde ele e o pai escreviam todas as coisas que queriam dizer um ao outro e às vezes não tinham coragem.
E nunca sequer nos passou pela cabeça saber se tínhamos ou não preparação técnica.
Alice Vieira

in Opinião - Jornal de Notícias - 2009-10-24

Mais um escritor que cruzou o rio

«A minha vida não dava um livro, e ainda bem. Em compensação, o facto de os meus livros darem uma vida -- boa ou má, não importa para o caso -- , esse facto devo-o, em grande parte, aos momentos de não-glória que acabo de relatar. E estou-lhes muito grato».
João Aguiar

Jornal de Letras em 2005

terça-feira, junho 01, 2010

Se eu fosse um rio

Worship Ceremony at ...
Keren Su


Perguntaste-me, um dia, por que vogava, assim,
Tão à deriva, tão perdida de quem eu sou...
Por que desconhecia os perigos do caminho onde estou,
Por que me deixava cair, se estava perto do fim...

E eu respondi:"Se eu fosse um rio, calmamente
Avançando pelo leito que me foi preparado,
Lamentando, apenas a foz distante e o mar salgado
O marulhar selvagem e a maré impertinente.

Seria aquilo que esperam de mim, protegida
Pelas margens que me acompanham na descida,
Pelo correr inexorável das águas em meu redor...

Mas eu sou uma cascata lançada ao acaso pelo ar,
Tornada etérea pela força que me impele a saltar
Para o abismo, sem saber se encontrarei luz ou dor."

Sofia Pedro

Sou feliz!


À espera do comboio, começámos a falar banalidades, como se sempre tivéssemos conversado…

Depois descobrimos que tínhamos as mesmas origens africanas, o que logo explicou a fluida comunicação…

Não voltámos a encontrar-nos, mas ficou-me a frase daquela desconhecida ao olhar-me nos olhos, “Você é feliz! E olhe que eu sou muito viajada”…

Sorri, na altura. Dir-lhe-ia, agora:

“Sim, sou feliz…

…Porque aprendi a valorizar as coisas simples, os momentos de amor, de partilha, os lugares bonitos, as pessoas grandiosas. Porque aceito as dificuldades e vejo-as como barreiras a ultrapassar, porque adoro viver, sentir, saborear, ouvir, ver, estar….

Especialmente, sou feliz, porque me deixaram ser criança!”

Lembro-me da minha infância com alegria, lembro-me como se tivesse durado uma eternidade… Agora a vida passa depressa, mas naquela altura, não…

Não tive algumas coisas, faltaram-me (talvez) brinquedos que não me fizeram falta…

Tive afectos, possibilidade de sonhar, amigos, liberdade… Não passei fome, dormi sempre bem, fui saudável, apenas vi a sombra da guerra sem ter de marchar nela, também perdi amigos que me ensinaram que a vida era demasiado boa para a desperdiçarmos, aceitei a realidade da vida e da morte…

Por isso, agora, Sou feliz…

Fui Criança!

Deixem os meninos e as meninas de hoje viverem a sua infância com todo o sonho que nela cabe, dêem-lhes casa, cama, comida, Amor…. E Sobretudo, TEMPO!

Dinamene 2010/06/01

Tu, criança


És o menino que eu já fui,
És o pássaro que voava livre no céu,
És o grilo que eu gostava de ouvir cantar,
És a flor que embelezava os meus olhos e eu colhia para cheirar.
És o sol, o mar e o vento da minha infância,
És a verdade, a beleza, a vida, a alegria e o amor,
És isso tudo que eu fui ( e ainda sou ),
Por isso tu és criança e eu sou louco.
Mas é por isso que as pessoas crescidas, neste dia, te fazem festas,
Elas recordam em ti o que perderam,
Voltam a ser crianças, ao menos uma vez no ano.
E à tua volta, por ti, em teu nome, neste dia,
Elas procuram reencontrar o amor e a vida,
Se não fosses tu, este dia não era tão bonito para as pessoas crescidas.

Júlio Roberto

O que sempre soube das Mulheres

Tratam-nos mal, mas querem que as tratemos bem. Apaixonam-se por serial-killers e depois queixam-se de que nem um postalinho. Escrevem que se desunham. Fingem acreditar nas nossas mentiras desde que tenhamos graça a pregá-las. Aceitam-nos e toleram-nos porque se acham superiores. São superiores. Não têm o gene da violência, embora seja melhor não as provocarmos. Perdoam facilmente, mas nunca esquecem. Bebem cicuta ao pequeno-almoço e destilam mel ao jantar. Têm uma capacidade de entrega que até dói. São óptimas mães até que os filhos fazem 10 anos, depois perdem o norte. Pelam-se por jogos eróticos, mas com o sexo já depende. Têm dias. Têm noites. Conseguem ser tão calculistas e maldosas como qualquer homem, só que com muito mais nível. Inventaram o telemóvel ao volante. São corajosas e quando se lhes mete uma coisa na cabeça levam tudo à frente. Fazem-se de parvas porque o seguro morreu de velho e estão muito escaldadas. Fazem-se de inocentes e (milagre!) por esse acto de vontade tornam-semesmo inocentes. Nunca perdem a capacidade de se deslumbrarem. Riem quando estão tristes, choram quando estão felizes. Não compreendem nada. Compreendem tudo. Sabem que o corpo é passageiro. Sabem que na viagem há que tratar bem o passageiro e que o amor é um bom fio condutor. Não são de confiança, mas até amais infiel das mulheres é mais leal que o mais fiel dos homens. São tramadas. Comem-nos as papas na cabeça,mas depois levam-nos a colher à boca. A única coisa em nós que é para elas um mistério é a jantarada de amigos – elas quando jogam é para ganhar. E é tudo. Ah, não, há ainda mais uma coisa. Acreditam no Amor com A grande mas, para nossa sorte, contentam-se com pouco.

Rui Zink, in "Jornal Metro"