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domingo, novembro 30, 2008

Urgentemente

É urgente o amor
É urgente um barco no mar
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade, alguns lamentos, muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente permanecer.

Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"

Inverno

Aprecia a natureza,
agora, fria e nua,
em toda a sua destreza,
para voltar a ser tua.

Repara na multiplicidade,
agora, paisagem diferente.
Apesar de haver unidade,
o que varia é a mente.

A alegria vem de dentro,
do modo como avalias,
do que situas no centro,
da tua atenção, mais-valias.

O Inverno não é tristeza,
é mudança, é diferença.
E tu, coloca a firmeza,
e transforma-a em crença.

Aprecia esta beleza,
também ela passageira.
Outra virá, com certeza,
também ela mensageira.

maria eduarda

sexta-feira, novembro 28, 2008

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

Alinhar a visão que se tem do dia, como estando numa varanda acima dele ou pela temperatura que se imagina estar, se se emudece nos olhos de alguém capaz de nos estorvar o que se nos hospeda nos pensamentos como um rochoso frio ou torcido medo de algo que ainda se não avista ou simplesmente, como fundo aborrecimento pela ficção que somos numa das ossadas do Universo.
Deve ser por causa dos arranjos que se sonham aplicar ao dia, que é sempre um de cada vez e que uma pessoa como quem vai à rua a pensar tratar daquilo que é o que a mantém em pé, se apaixona.
JL: “A Viagem do Elefante” é uma alegoria, amargamente irónica, da existência humana?
José Saramago: Sim. Todos nós damos vontade de rir. Somos uns pobres diabos. Usando um termo grosseiro: muita cagança, muita cagança e para quê? Somos pequeníssimos. Não é que uma pessoa tenha de aceitar a sua pequenez, mas parece-me bastante triste a vaidade, a presunção, o orgulho, tudo isso com que pretendemos ou queremos mostrar que somos mais do que efectivamente somos. Não será caricato ou ridículo, mas bastante triste.

quarta-feira, novembro 26, 2008

Por desatar!

A vida é mesmo assim,
cheia de nós apertados,
alguns, feitos por mim,
outros, por mim encontrados.

Quero desatá-los, totalmente,
às vezes, sem resultado,
porque outros nós, em mente,
surgem, vindos do passado.

Esses, não consigo apartar,
recordo o então já vivido,
dois vazios a retratar,
guardados, no tempo já ido.

Agora, vou prosseguir,
outros nós hão-de surgir.
Preciso de em paz estar,
para poder reagir!

maria eduarda

Limites da tolerância

Tudo tem limites, também a tolerância, pois nem tudo vale neste mundo. Os profetas de ontem e de hoje sacrificaram suas vidas porque ergueram sua voz e tiveram a coragem de dizer:"não te é permitido fazer o que fazes". Há situações em que a tolerância significa cumplicidade com o crime, omissão culposa, insensibilidade ética ou comodismo.
Não devemos ter tolerância com aqueles que têm poder de erradicar a vida humana do Planeta e de destruir grande parte da biosfera. Há que submetê-los a controles severos.
Não devemos ser tolerantes com aqueles que assassinam inocentes, abusam sexualmente de crianças, traficam órgãos humanos. Cabe aplicar-lhes duramente as leis.
Não devemos ser tolerantes com aqueles que escravizam menores para produzir mais barato e lucrar no mercado mundial. Aplicar contra eles a legislação mundial.
Não devemos ser tolerantes com terroristas que em nome de sua religião ou projeto político cometem crimes e matanças. Prendê-los e levá-los às barras dos tribunais.
Não devemos ser tolerantes com aqueles que falsificam remédios que levam pessoas à morte ou instauram políticas de corrupção que delapidam os bens públicos. Contra estes devemos ser especialmente duros, pois ferem o bem comum.
Não devemos ser tolerantes com as máfias das armas, das drogas e da prostituição que incluem sequestros, torturas e eliminação física de pessoas. Há punições claras.
Não devemos ser tolerantes com práticas que, em nome da cultura, cortam as mãos dos ladrões e submetem mulheres a mutilações genitais. Contra isso valem os direitos humanos.
Nestes níveis não há que ser tolerantes, mas decididamente firmes, rigorosos e severos. Isso é virtude da justiça e não vício da intolerância. Se não formos assim, não teremos princípios e seremos cúmplices com o mal.
A tolerância sem limites liquida com a tolerância, assim como a liberdade sem limites conduz à tirania do mais forte. Tanto a liberdade quanto a tolerância precisam, portanto, da protecção da lei. Senão, assistiremos à ditadura de uma única visão de mundo que nega todas as outras. O resultado é raiva e vontade de vingança, fermento do terrorismo.
Onde estão então os limites da tolerância? No sofrimento, nos direitos humanos e nos direitos da natureza. Lá onde pessoas são desumanizadas, aí termina a tolerância. Ninguém tem o direito de impôr sofrimento injusto ao outro.
Os direitos ganharam sua expressão na Carta dos Direitos Humanos da ONU, assinada por todos os países. Todas as tradições devem confrontar-se com aqueles preceitos. Se práticas implicarem violação daqueles enunciados não podem justificar-se. A Carta da Terra zela pelos direitos da natureza. Quem os violar perde legitimidade. Por fim, é possível ser tolerantes com os intolerantes? A história comprovou que combater a intolerância com outra intolerância leva à aspiral da intolerância. A atitude pragmática busca estabelecer limites. Se a intolerância implicar crime e prejuizo manifesto a outros, vale o rigor da lei e a intolerância deve ser enquadrada. Fora deste constrangimento legal, vale a liberdade. Deve-se confrontar o intolerante com a realidade que todos compartem como espaço vital. Deve-se levá-lo ao diálogo incansável e fazê-lo perceber as contradições de sua posição. O melhor caminho é a democracia sem fim que se propõe incluir a todos e a respeitar um pacto social comum.
Leonardo Boff

Todo o Mal Provém não da Privação mas do Supérfluo

Ser feliz é, afinal, não esperar muito da felicidade, ser feliz é ser simples, desambicioso, é saber dosear as aspirações até àquela medida que põe o que se deseja ao nosso alcance. Pegando de novo em Tolstoi, que vem sendo em mim um padrão tutelar, lembremos de novo um dos seus heróis, o príncipe Pedro Bezoukhov (do romance 'Guerra e Paz'). As circunstâncias fizeram-no conviver no cativeiro com um símbolo da sabedoria popular, um tal Karataiev. Pois esse companheirismo desinteressado e genuíno, esse encontro com a vida crua mas desmistificadora, não só modificaram o príncipe Pedro como lhe revelaram o que ele precisava de saber para atingir o que nós, pobres humanos, debalde perseguimos: a coerência, a pacificação interior, que são correctivos da desventura.
Tolstoi salienta-nos que Pedro, após essa vivência, apreendera, não pela razão mas por todo o seu ser, que o homem nasceu para a felicidade e que todo o mal provém não da privação mas do supérfluo, e que, enfim, não há grandeza onde não haja verdade e desapego pelo efémero. Isto, aliás, nos é repetido por outra figura de Tolstoi, a princesa Maria, ao acautelar-nos com esta síntese desoladora: «Todos lutam, sofrem e se angustiam, todos corrompem a alma para atingir bens fugazes».
Fernando Namora, in 'Sentados na Relva'

terça-feira, novembro 25, 2008

Acreditar

Ver-se ao espelho amiúde,
olhar nos olhos, os sonhos.
Tentar que o gesto não mude,
manter os lábios risonhos.

Fixar no reflexo, a imagem,
de alguém que se desdobra,
numa outra personagem,
cuja coragem recobra.

Avançar nesta conquista,
acreditar em cada passo,
no troféu bem realista,
alcançado sem fracasso.

maria eduarda

5º Pergunta

Quase arriscaria dizer que há homens que são mais orgulhosos do que outros porque engoliram certos versos, se isso existe- e acredito que sim, senhor Breton-é porque os versos quando digeridos, se decompõem em fragmentos que esquecemos, mas também numa energia que nos torna bípedes mais lúcidos. Como se a nossa cabeça estivesse mais perto de tocar o sol.
Será isso senhor Breton?
in: GonçaloM.Tavares, O senhor Breton e a entrevista, Caminho,2008

E que mais necessitam as nossas crianças, adolescentes e famílias?

" ....Cidades, bairros e habitações de escala mais humanas, em que a relação com a natureza seja uma constante e não uma raridade ou uma mera questão de luxo. A actual (des)organização ambiental constitui um sério ataque à saúde mental das populações e tem tudo a favor para produzir um impacto grave no bem-estar dos mais novos e suas famílias."
Pedro Strecht in Jornal Público, 2005

segunda-feira, novembro 24, 2008

"Mr. PIP"

«Era quase madrugada quando ouvimos os helicópteros dos peles-vermelhas passarem sobre a aldeia e depois regressarem. Pairaram sobre nós como libélulas gigantes, inspeccionando a clareira. Viram uma fila de casas abandonadas e uma praia vazia, pois nós fugíramos. Toda a gente. [...] O bloqueio fora imposto na primeira metade de 1990. Julgámos que seria apenas uma questão de tempo até que o mundo exterior viesse ajudar-nos.» Sem surpresa, o mundo exterior tinha mais em que pensar. Um dia, já na Austrália, Matilda descobre que Mr. Watts lhes lera (a ela e às outras crianças) uma versão simplificada daquilo que considerava «um som novo no mundo». A seu modo, as palavras de Dickens tinham instaurado uma ordem nova no tumulto de Bougainville. Agora, na biblioteca da escola de Townsville, exemplar na mão, «sublinhando cada palavra de cada frase com a ponta do dedo», Matilda percebera. Percebera que Mr. Watts lera «uma versão diferente, uma versão mais simples. Pegara nas partes mais importantes de Grandes Esperanças e simplificara as frases, chegara a improvisar, para nos ajudar a chegar a um lugar mais definido nas nossas mentes. Mr. Watts reescrevera a obra-prima de Mr. Dickens.» A partir dali seria com ela, teria de ser Matilda a descobrir o porquê das omissões de Mr. Watts. A desenvoltura narrativa permite-lhe manter o fôlego discursivo num plano estritamente ficcional, jogando com as várias peripécias da realidade (o conflito armado desencadeado pelo controlo das minas de cobre da ilha) e as expectativas de ascensão social de Matilda, que no fim da história decide partir para Inglaterra.

domingo, novembro 23, 2008

Aceitação

Acordaste,
olhaste à tua volta,
e só te alcançaste a ti.
Estás só!
Não tenhas medo!
O teu mundo continua a sê-lo,
se bem que mais pequeno,
limitado,
mas é o teu mundo!
Coloca-o dentro de ti,
tira-o do frio do Inverno,
aconchega-o, aquece-o.
Quando sossegares,
parte a parede e solta-o,
deixa-o apoderar-se do tempo,
revigorar-se.
Então, inclui-te nele,
enfeita-o com vontades,
pinta-o de quereres.
Depois, abre a porta,
deixa entrar quem vem.
Serve-lhes tolerância e um sorriso,
Então, sossega!
Não tenhas medo!

maria eduarda

sexta-feira, novembro 21, 2008

Da existência de Deus

Os argumentos relativos ao problema da existência de Deus têm sido viciados, quando positivos, pela circunstância de frequentemente se querer demonstrar, não a simples existência de Deus, senão a existência de determinado Deus, isto é, dum Deus com determinados atributos. Demonstrar que o universo é efeito de uma causa é uma coisa; demonstrar que o universo é efeito de uma causa inteligente é outra coisa; demonstrar que o universo é efeito de uma causa inteligente e infinita é outra coisa ainda; demonstrar que o universo é efeito de uma causa inteligente, infinita e benévola outra coisa mais.
Importa, pois, ao discutirmos o problema da existência de Deus, nos esclareçamos primeiro a nós mesmos sobre, primeiro, o que entendemos por Deus; segundo, até onde é possível uma demonstração.
O conceito de Deus, reduzido à sua abstração definidora, é o conceito de um criador inteligente do mundo. O ser interior ou exterior a esse mundo, o ser infinitamente inteligente ou não — são conceitos atributários. Com maior força o são os conceitos de bondade, e outros assim, que, como já notamos têm andado misturados com os fundamentais na discussão deste problema. Demonstrar a existência de Deus é, pois, demonstrar, (1) que o universo aparente tem uma causa que não está nesse universo aparente como aparente (2) que essa causa é inteligente, isto é, conscientemente activa. Nada mais está substancialmente incluído na demonstração da existência de Deus, propriamente dita.
Reduzido assim o conteúdo do problema às suas proporções racionais, resta saber se existe no raciocínio humano o poder de chegar até ali, e, chegando até ali, de ir mais além, ainda que esse além não seja já parte do problema em si, tal como o devemos pôr.
Fernando Pessoa, in 'Ideias Filosóficas'

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

Exercício com o Outro
Vemo-lo.
Agradece o súbito contexto como o faria a uma apaixonada pressa, insurgida numa profunda região visceral sua, não avistável senão em impressões próprias, talvez ditáveis ainda assim a um coração atento.
Nessa ronda de imperceptível sucesso, essa aproximação é decerto experimentada como sendo mais verdadeira que uma outra qualquer que possa sofrer a repetição em demonstrações científicas.
O que é perfeito é azarado em essência, pode-se ler-lhe nos movimentos rápidos, que param imperfeitamente nos nossos, pelo rubor que entretanto se lhe assoma aos dois lados da face, na nossa filosófica incursão a si.

Que pensamentos podem dançar na mente de um homem, enquanto em passos de quem existe equilibra habilmente diferentes pesos e formas no que é uma bandeja, até que chegue inteiro junto à mesa onde principalmente o esperam olhos que em misturas o aguardam, como a um comboio que traz em si aquilo que esses olhos esperam encontrar na saudade conseguida das distâncias ou dos pensamentos ?

quinta-feira, novembro 20, 2008

Renegação


E a alma partiu,
rápida, ligeira,
em direcção certeira.
Mas, reflectiu,
impeliu-a outro sabor,
e regressou
ao refúgio,
à reentrada
no corpo acolhedor!

maria eduarda

Analogias III

Letras desenhadas, palavras,
fonemas calados no papel.
Campo imenso que lavras,
semente depositada em tropel.
Refúgio do dizer, do perceber,
terra ávida em receber.

Resultado em texto afável,
escrito com entrega e agrado,
labuta de ideias, reflexões.
O solo, em mudança viável,
labuta da entrega do arado,
conquista do trabalho, exaustões.

Ah! A escrita silabada, harmoniosa!
Ah! A terra cultivada, esplenderosa!

maria eduarda

A Lenda da Flor de Lótus

Certo dia, à margem de um tranquilo lago solitário, a cuja margem se erguiam frondosas árvores com perfumosas flores de mil cores, e coalhadas de ninhos onde aves canoras chilreavam, encontraram-se quatro elementos irmãos: o fogo, o ar, a água e a terra.
- Quanto tempo sem nos vermos em nossa nudez primitiva - disse o fogo cheio de entusiasmo, como é de sua natureza.
É verdade - disse o ar. - É um destino bem curioso o nosso. À custa de tanto nos prestarmos para construir formas e mais formas, tornamo-nos escravos de nossa obra e perdemos nossa liberdade.
- Não te queixes - disse a água -, pois estamos obedecendo à Lei, e é um Divino Prazer servir à Criação. Por outro lado, não perdemos nossa liberdade; tu corres de um lado para outro, à tua vontade; o irmão fogo, entra e sai por toda parte servindo a vida e a morte. Eu faço o mesmo.
- Em todo o caso, sou eu quem deveria me queixar - disse a terra - pois estou sempre imóvel, e mesmo sem minha vontade, dou voltas e mais voltas, sem descansar no mesmo espaço.
- Não entristeçais minha felicidade ao ver-nos - tornou a dizer o fogo - com discussões supérfluas. É melhor festejarmos estes momentos em que nos encontrarmos fora da forma. Regozijemo-nos à sombra destas árvores e à margem deste lago formado pela nossa união.
Todos o aplaudiram e se entregaram ao mais feliz companheirismo. Cada um contou o que havia feito durante sua longa ausência, as maravilhas que tinham construído e destruído. Cada um se orgulhou de se haver prestado para que a Vida se manifestasse através de formas sempre mais belas e mais perfeitas. E mais se regozijaram, pensando na multidão de vezes que se uniram fragmentariamente para o seu trabalho. Em meio de tão grande alegria, existia uma nuvem: o homem. Ah! como ele era ingrato. Haviam-no construído com seus mais perfeitos e puros materiais, e o homem abusava deles, perdendo-os. Tiveram desejo de retirar sua cooperação e privá-lo de realizar suas experiências no plano físico. Porém a nuvem dissipou-se e a alegria voltou a reinar entre os quatro irmãos. Aproximando-se o momento de se separarem, pensaram em deixar uma recordação que perpetuasse através das idades a felicidade de seu encontro. Resolveram criar alguma coisa especial que, composta de fragmentos de cada um deles harmonicamente combinados, fosse também a expressão de suas diferenças e independência, e servisse de símbolo e exemplo para o homem. Houve muitos projetos que foram abandonados por serem incompletos e insuficientes. Por fim, refletindo-se no lago, os quatro disseram: - E se construíssemos uma planta cujas raízes estivessem no fundo do lago, a haste na água e as folhas e flores fora dela? - A ideia pareceu digna de experiência. Eu porei as melhores forças de minhas entranhas - disse a terra - e alimentarei suas raízes. - Eu porei as melhores linfas de meus seios - disse a água - e farei crescer sua haste. - Eu porei minhas melhores brisas - disse o ar - e tonificarei a planta. - Eu porei todo o rneu calor - disse o fogo - para dar às suas corolas as mais formosas cores.
Dito e feito. Os quatro irmãos começaram a sua obra. Fibra sobre fibra foram construídas as raízes, a haste, as folhas e as flores. O sol abençoou-a e a planta deu entrada na flora regional, saudada como rainha.
Quando os quatro elementos se separaram, a Flor de Lótus brilhava no lago em sua beleza imaculada, e servia para o homem como símbolo da pureza e perfeição humana. Consultaram-se os astros, e foi fixada a data de 8 de maio - quando a Terra está sob a influência da Constelação de Taurus, símbolo do Poder Criador - para a comemoração que desde épocas remotas se tem perpetuado através das idades. Foi espalhada esta comemoração por todos os países do Ocidente, e, em 1948, o dia 8 de Maio tornou-se também o "Dia da Paz".

quarta-feira, novembro 19, 2008

"Os homens que tentam fazer algo e falham são infinitamente melhores do que aqueles que tentam fazer nada e conseguem. "
Lloyd Jones

terça-feira, novembro 18, 2008

O que é escrever?

"O que é escrever? No fundo, é estruturar o delírio, e tem graça, porque quando se trata o delírio o que aparece sempre é uma depressão subjacente."
"Um amigo meu, o Daniel Sampaio, talvez o melhor psiquiatra português, costuma dizer que só os psicóticos são criadores. Você fala com um neurótico e são tipos que não são nada, que são chatos, repetitivos. Os psicóticos são espantosos, dizem frases espantosas, estou-me a lembrar de uma que era «aquele homem tem uma voz de sabonete embrulhado em papel furtacores». Isto é uma frase do caraças."
A. Lobo Antunes in Expresso, 7 de Novembro de 1992
"(...) penso no absurdo de escrever. De estar a escrever quando podia estar com os amigos, ir ao cinema, ir dançar que é uma coisa de que gosto... mas não, um tipo está ali e é um bocado esquizofrénico. (...) Há sempre uma parte subterrânea nas obras de arte impossível de explicar. Como no amor. Esse mistério é, talvez seja, a própria essência do acto criador. (...) Quando criamos é como se provocássemos uma espécie de loucura, quando nos fechamos sozinhos para escrever é como se nos tornássemos doentes. A nossa superfície de contacto com a realidade diminui, ali estamos encarcerados numa espécie de ovo... só que tem de haver uma parte racional em nós que ordene a desordem provocada. A escrita é um delírio organizado."
A. Lobo Antunes in Jornal de Letras, Artes e Ideias, ano I, nº23, Janeiro de 1982

«Aceite as limitações com naturalidade. Não coloque sobre si um peso superior ao que pode suportar. Seja o número um em ser fiel à sua consciência e em fazer tudo o que estiver ao seu alcance para ter dignidade e eficiência, mas não para que o mundo se coloque aos seus pés.
Descubra o prazer de penetrar no mundo das outras pessoas e de ser solidário.»
Augusto Cury in "Treinando a emoção para ser feliz"

Uma Palavra Imprópria

Numa peça teatral ou romance, uma palavra imprópria é apenas uma palavra: e a impropriedade, seja ou não percebida, não acarreta consequência alguma. Num código legal — especialmente composto de leis tidas como constitucionais e fundamentais — uma palavra imprópria pode ser uma calamidade nacional: e a guerra civil, a consequência disso. De uma palavra tola podem irromper mil punhais.
(...) E se o significado de todas as palavras, especialmente de todas as palavras pertencentes ao campo da ética, [... ] algum dia vier a ser fixado? Que fonte de perplexidade, de erro, de discórdia, e até mesmo de derramamento de sangue não seria estancada!

Jeremy Bentham, in 'Anarchical Fallacies' e 'Chrestomathia'

domingo, novembro 16, 2008

Vontades

Apetece-me o azul!
Reflexo na água, ao luar,
ou o celeste límpido,
também o branco, a par.
É a vontade de lutar,
de ser, de viver, de estar!
Apetece-me voar!
Alcançar o azul, o branco,
não para fugir,
mas para voltar.
Voltar para ficar,
mudar ou não,
mas para continuar,
até me fartar!
Agora, o verde e o vermelho,
-a esperança e a garrra-,
de me fixar à vontade,
de me colar ao querer,
à vida, ao pulsar da alegria.
Apetece-me cantar!
Cantar em uníssono,
contagiar toda a gente,
sorrir, gargalhar, gritar!
Apetece-me gostar!
Gostar do meu jardim,
das flores,das folhas caídas no chão,
do musgo, dos galhos partidos,
e do ladrar do meu cão.
Apetece-me gostar de estar!

maria eduarda

sábado, novembro 15, 2008

A desordem da minha natureza

(...) enfrentei pela primeira vez o meu ser natural enquanto decorriam os meus noventa anos. Descobri que a minha obsessão de que cada coisa estivesse no seu lugar, cada assunto no seu tempo, cada palavra no seu estilo, não era o prémio merecido de uma mente ordenada mas, pelo contrário, um sistema completo de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza.
Descobri que não sou disciplinado por virtude, mas como reacção contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir a minha mesquinhez, que passo por prudente por ser pessimista, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que não se saiba que pouco me importa o tempo alheio.
Descobri, por fim, que o amor não é um estado de alma mas um signo do Zodíaco.

Gabriel García Marquez, in 'Memória das Minhas Putas Tristes'

sexta-feira, novembro 14, 2008

Conta uma popular lenda do Oriente que um jovem chegou à beira de um lago junto a um povoado e aproximando-se de um velho perguntou-lhe:

- Que tipo de pessoa vive neste lugar?

- Que tipo de pessoa vivia no lugar de onde você vem? - perguntou por sua vez o ancião.

- Oh, um grupo de egoístas e malvados - replicou o rapaz - estou satisfeito de haver saído de lá.
A isso o velho replicou:
- A mesma coisa você haverá de encontrar por aqui.

No mesmo dia, um outro jovem se acercou do oásis para beber água e vendo o ancião perguntou-lhe:

- Que tipo de pessoa vive por aqui?

O velho respondeu com a mesma pergunta:
- Que tipo de pessoa vive no lugar de onde você vem?

O rapaz respondeu:
- Um magnífico grupo de pessoas, amigas, honestas, hospitaleiras. Fiquei muito triste por ter de deixá-las.

- O mesmo encontrará por aqui - respondeu o ancião.

Um homem que havia escutado as duas conversas perguntou ao velho:

- Como é possível dar respostas tão diferentes à mesma pergunta?

Ao que o velho respondeu:

- Cada um carrega no seu coração o meio em que vive. Aquele que nada encontrou de bom nos lugares por onde passou, não poderá encontrar outra coisa por aqui.
Aquele que encontrou amigos ali, também os encontrara aqui, porque, na verdade, a nossa atitude mental é a única coisa na nossa vida sobre a qual podemos manter controle absoluto.

«A missão da escrita é sussurrar: não creias, não cumpras ordens.»
José Saramago

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

O sem futuro de uma coisa, impede-me não de a desejar, mas de por ela poder sentir apenas alegria, colada que vem com ela a pele da morte, do desaparecimento de um dos dois, de mim ou da coisa, que pode ser descoisa se palpita e a amei ou se antes a tornei com alma.
O que é uma coisa? É quando se dá o caso de a olhar sem ainda perceber, a sua existência em mim.

quinta-feira, novembro 13, 2008

Pastéis de Belém para ti, neste dia de mais uma volta tua ao Sol!!
Beijo desde Belém..

Flor de Lótus


Às 13 horas do dia 13
Sentei-me numa das 13 cadeiras
Da esplanada do café do nº 13
Abri o livro na página 13
E, subitamente, um gato preto
Passou-me à frente a uma velocidade felina
Depois lá fui apanhar o autocarro 13
Porque já eram 13h e 13m.
Com a pressa, tive de passar mesmo debaixo de um escadote muito velho…
Ao sair do autocarro, que ia cheio, com 13 pessoas em pé, incluindo eu,
Pus os pés numa poça de lama,
Pensei mesmo que estava com azar, apesar de não ser supersticiosa.
Ia visitar a minha amiga, que fazia anos,
Ainda queria comprar-lhe um presente especial e já estava em cima da hora!
Repentinamente, lembrei-me do parágrafo que vi na 13ª linha
da página 13 do livro que tinha em mãos:
"A flor de lótus nasce do lodo e representa o poder da transformação que temos dentro de nós. Nascida da sujidade, aparece à superfície das águas e abre as suas pétalas, incólume a tudo o que o rodeia. Por crescer imaculada em águas pantanosas, a esta flor simples e bela é atribuída uma origem divina."
Entretanto vi um senhor, com um carrinho de mão carregado com 13 vasos de flores …
Mesmo sem ser sexta-feira, o pobre homem tropeçou, caiu e espalhou, no meio da rua, terra, cacos e flores.
Fui imediatamente em seu auxílio, dei-lhe a mão, perscrutei se estava magoado. Ajudei-o a recuperar as flores, com cuidado e terra nas mãos.
Então, humildemente, num gesto agradecido, o homem, quase careca, com apenas 13 cabelos grisalhos espetados ao vento, estendeu-me a mais bonita de todas as flores, 13 pétalas (ou pouco mais) rosas, luzidias, e li-lhe nos olhos "obrigado".
Com a flor húmida na mão, mãos de terra, pés de lama, cabelos desalinhados,
Rodeada de 13 mirones estupefactos à luz do sol e que não arredavam pé,
Sorri-lhe delicadamente, ao que esboçou um cumprimento tímido, e então disse-lhe emocionada:
"É para a minha amiga, que faz hoje 13 anos (vezes quanto?)…"

Bem feitas as contas, é mesmo para ti esta Flor de Lótus. Parabéns.

Eu, agradeço!


Para ti Sol, e para todos aqueles que hoje se lembram de mim. Mil beijos desta pequenina, muito amada e querida, de seu nome Eduardinha!

PARA TI


“Temos, todos que vivemos,

Uma vida que é vivida

E outra vida que é pensada,

E a única vida que temos

É essa que é dividida

Entre a verdadeira e a errada.”

Fernando Pessoa

quarta-feira, novembro 12, 2008

A evasão

O silêncio enche a casa,
abafa o ar, atormenta o ser.
Do nada, faz tábua rasa,
agarra a vontade, o querer.
Acontece o rumor, o ruído,
envolvendo o vazio, o nada.
Reabre-se a fonte, o ouvido,
e em melodia pautada,
faz-se vida, faz-se música.
O corpo adormecido reage,
reformula a hora única,
não se abandona e age.

Assim são momentos sombrios,
silenciosos, inquietantes,
e a harmonia, em dias frios,
recoloca na vida, variantes.
O só, existe, por vezes,
à espera do som, do despertar.
A obstinação enfrenta os revezes,
adianta-se à vontade de voar.
Surge o tumulto, a mudança,
capaz de alterar a solidão,
liberta-se em melodia de dança,
no cenário onírico da evasão.

maria eduarda

«Vai aonde fores, vai com todo o teu coração.»
Confúcio

Mentes Escuras, com Ideias muito Pretas

… Ainda me lembro, com quase 5 anos, fui comprar pastilhas elásticas ao quiosque, junto à casa da minha avó…
Recém chegada de Angola (a vizinhança sabia), pedi "chuingas", não lhes conhecia outro nome, ao que o vendedor respondeu, com um ar pouco amistoso: "não temos cá disso!"…
Fui-me embora, com uma lagrimazita a querer saltar … Era o meu primeiro encontro com o preconceito, o xenofobismo.
Desde então abomino qualquer tipo de intolerância cultural, sexista ou racial. Detesto anedotas de pretos, de loiras, de alentejanos, de mulheres, de ciganos, etc…
Talvez me achem radical, talvez pensem que exagero!...
Eu sei o quanto me é insuportável ver um animal maltratado ou humilhado, quanto mais uma pessoa! Repugna-me o racismo e, apesar de adorar o bairro onde moro, perto de Lisboa, no campo, tenho-me deparado com um excessivo número de racistas à minha volta.
Criancinhas com medo de outras crianças, só porque têm a pele mais escura! Os paizinhos blasfemantes:
" -Os pretos isto, os pretos aqui, os pretos roubam…"
" -Vamos embora que vêm aí os ciganos!…."
"blá blá blá"
Hoje mesmo, a minha vizinha do lado, uma velhota afável, que de vez em quando me oferece legumes da horta, dizia-me:
"-O meu neto não gosta de ir no autocarro por causa dos pretos!"
E eu, cansada de tantos discursos ignorantes e maldizentes, repliquei:
"-Talvez seja devido às suas ideias pretas!"
Fui-me embora e ela ficou a olhar-me, fingindo-se de surda, que é o que faz sempre que a conversa não lhe interessa.
Ainda estou para ver o dia em que se acenderão lâmpadas em muitas cabecinhas, quase ocas, carregadinhas de mentiras… Mentes Escuras, com Ideias muito Pretas!

terça-feira, novembro 11, 2008

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

Angola, Kaponte 2006
Foto:G.Ludovice

Foi naquele ali que tudo intensamente começou, se nos perguntamos por quem somos nós e por que somos aqui.
A Terra em que nascemos é o mais sagrado invólucro, albergou o corpo de nossa mãe, quando nos habituou a si estando nele tão redonda como o mundo.
É um colo longo que continua os maternais braços e lhes sobrevive mais tempo, de modo a que haja sempre um lugar onde não nos sintamos sós.
É a mãe que bem nos deverá um dia servir de pele, a não haver outro chão com o nosso verdadeiro nome.
"Fan Ch' ih perguntou em que consiste o Bem. O Mestre disse:
«Na vida privada ser cortês, na vida pública, diligente, nas relações, ser leal.»
Esta é uma máxima que, estejas onde estiveres, ainda que entre os bárbaros do Leste ou do Norte, nunca deves pôr de parte."
Confúcio

segunda-feira, novembro 10, 2008

Terra-Mãe

Cartas guardadas, de outrora,
amarelecidas na gaveta,
num elástico apertadas.
Missivas não rasgadas,
lembranças de uma outra hora,
de um recanto trazido na maleta,
em viagem morosa, de poucas risadas,
vazia na vontade de gargalhadas.

Mudança radical, transferida,
para lugar distante, desconhecido.
Tempo de partida, de desistir:
da casa, da rua, do resistir.
Deixar o conforto, a partilha consentida,
voar é preciso, de coração contido.
Anos, mais anos, num crescendo devir,
acumula-se o desejo de lá ir.

Voltar ao princípio, ao sabor, ao cheiro,
deixado para trás, com receio,
de não se ajustar ao aparecido,
ao novo mundo, então surgido.
Assim é, aquele lugar inteiro,
guardado, aconchegado, em devaneio.
Regressar um dia, num tempo ido,
que transitou do papel amarelecido.

Hoje, volvidos anos, mais saberes,
escrevo outras cartas, com amor,
a aceitação quiçá, resolvida.
A infância, a adolescência, transmitida
aos que me trazem outros viveres.
Missivas estas, cheias de calor,
buscando, não uma gaveta colorida,
mas o partilhar de uma vida.

maria eduarda

domingo, novembro 09, 2008

Ser criativo

Na aldeia de uma ilha tropical, num país em guerra civil, apenas um branco, Mr. Watts, decidiu ficar.
As crianças ficam sem professores e Mr. Watts assume essa responsabilidade, lendo à turma um velho exemplar de “Grandes Esperanças” de Charles Dickens.
Decide, também, que todas as mães, todos os pais, tios e tias, irmãos e irmãs mais velhas poderiam ir partilhar com a turma o que sabiam do mundo. Punha-se de lado enquanto a visita contava a história, anedota ou teoria.
Este é um livro muito especial, por vezes terno, por vezes duro, mas encantador.

“Procurávamos-lhe sempre no rosto algum sinal de que aquilo que ouvíamos era um disparate. O seu rosto nunca o revelou. Apresentava um interesse respeitoso, mesmo quando foi a vez de a avó do Daniel, velha e curvada com as suas bengalas, observar a nossa turma com os olhos cansados.
«Existe um lugar chamado Egipto», informou ela. «Não sei nada acerca desse lugar. Quem me dera poder falar-vos, meninos, acerca do Egipto. Perdoem-me por não saber mais. Mas, se quiserem escutar-me, dir-vos-ei tudo o que sei acerca da cor azul.»
E, então, ouvimos acerca da cor azul.
«Azul é a cor do Pacífico. É o ar que respiramos. Azul é o espaço vazio no ar de todas as coisas, como as palmeiras e os telhados de chapa. Se não fosse o azul, não veríamos os morcegos da fruta. Obrigada, Senhor, por nos dares a cor azul.»
«É surpreendente onde a cor azul aparece», continuou a avó do Daniel. «Procurem e encontrarão. Podem ver o azul a espreitar pelas fendas do molhe, em Kieta. E sabem o que está tentar fazer? Tenta apanhar as vísceras malcheirosas dos peixes, para as levas para casa. Se o azul fosse um animal, uma planta ou um pássaro, seria uma gaivota. Mete o bico pegajoso em todo o lado.»
«O azul também pode ter poderes mágicos», continuou. »Observem um recife e digam-me se estou a mentir. O azul bate no recife e o que é que liberta? Liberta branco! Agora, digam-me lá porquê?»
Procurámos Mr. Watts com o olhar, para que nos explicasse, mas ele fez de conta que não viu as nossas expressões inquisidoras. Sentou-se na ponta da mesa, com os braços cruzados. Cada parte dele parecia concentrar-se no que a avó de Daniel tinha para dizer. Um a um, voltámos a concentrar a nossa atenção na velhota com a boca manchada de pimenta.
«Uma última coisa, meninos, e depois deixo-vos em paz. O azul pertence ao céu e não pode ser roubado, por isso os missionários puseram azul nas janelas das primeiras igrejas que construíram na ilha.»
Mr. Watts fez agora aquele gesto familiar de abrir os olhos, como se tivesse acabado de acordar. Aproximou-se da avó de Daniel com a mão estendida. A velhota estendeu-lhe a dela e ele virou-se para a turma.
«Hoje tivemos muita sorte. Muita sorte. Fizeram-nos lembrar que, embora não possamos conhecer o mundo todo, poderemos, se formos suficientemente inteligentes, renová-lo. Podemos inventá-lo com as coisas que encontramos e vemos à nossa volta. Só temos de olhar e tentar ser imaginativos como a avó de Daniel.» Pôs um braço no ombro da velhota. «Obrigado», disse-lhe. «Muito obrigado.»
A avó de Daniel sorriu para a turma e vimos como tinha poucos dentes, e os poucos que lhe restavam explicavam por que razão assobiava ao falar.”

Lloyd Jones in “Mr. Pip”

Ser Mãe

Ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração!
Ser mãe é ter no alheio lábio que suga,
o pedestal do seio, onde a vida,
onde o amor, cantando, vibra.

Ser mãe é ser um anjo que se libra
sobre um berço dormindo!
É ser anseio, é ser temeridade, é ser receio,
é ser força que os males equilibra!

Todo o bem que a mãe goza é bem do filho,
espelho em que se mira afortunada,
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho!

Ser mãe é andar chorando num sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada!
Ser mãe é padecer num paraíso!

Coelho Neto

«É válido que nos preocupemos com nossos filhos, mas é importante que eles saibam, que eles sintam isso. Para que haja a comunicação, é preciso que os filhos "ouçam" a linguagem do nosso coração.»
anónimo

Carta de Fernando Pessoa a Ophélia Queiroz


Bebé fera:
Peço desculpa de a arreliar. Partiu-se a corda do automóvel velho que trago na cabeça, e o meu juízo, que já não existia, fez tr-tr-r-r-r-...
Logo a seguir a telefonar-lhe, estou a escrever-lhe, e naturalmente será não a qualquer hora, mas à hora em que lhe telefonarei.
Gosta de mim por mim ser mim ou por não? Ou não gosta mesmo sem mim nem não? Ou então?
Todas estas frases, e maneiras de não dizer nada, são sinais de que o ex-Íbis, o extinto Íbis, o Íbis sem concerto nem gostosamente alheio, vai para o Telhal, ou para Rilhafoles, e lhe é feita uma grande manifestação à magnífica ausência.
Preciso cada vez mais de ir para Cascais - Boca do Inferno mas com dentes, cabeça para baixo, e fim, e pronto, e não há mais Íbis nenhum. E assim é que era para esse animal ave esfregar a fisionomia esquisita no chão.
Mas se o Bebé desse um beijinho, o Íbis aguentava a vida um pouco mais. Dá? - Lá está a corda partida - r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-
a valer
9-10-1929 Fernando

sábado, novembro 08, 2008

Analogias II

Algures em mim fixa-se este meu ser, inexacto, imperfeito, porque sempre à procura do equilíbrio. Construído sistematicamente, quando uma peça desajustada tem que ser substituída, com o objectivo de caminhar na vertical.
Pedaços de um puzzle, cujas peças se vão ajustando, equilibrando, para tal, manuseadas com precisão. A obra é demorada, cada momento deve ser vivido com a emoção trazida pela alegria, e por vezes sucumbido pela tristeza.
A alma é nobre, revigora-se com pequenas vitórias: a do sorriso para alguém e de alguém; a das palavras proferidas na hora; a dos olhares cúmplices e transparentes.

E o ser prossegue por cá, adoptando uma postura guerreira, apesar de algumas perdas irreparáveis- algumas peças do puzzle perdem-se e ficam espaços para sempre vazios. Não há necessidade de os preencher, outra peça não teria o mesmo brilho, a mesma textura, o mesmo encanto...
A construção avança! Difícil é terminar, ajustar todas as peças, e são tantas! Algumas teimosas em não encaixar na perfeição.
Perfeição! Nada é perfeito, ou talvez o seja a natureza, quando o homem não intenta fazer dela um outro puzzle, reflexo da sua imaginação, frequentemente espelho da sua ignorante altivez.
Acabada a tarefa, pronto o cenário, a figura quer-se emoldurada, para deleite do olhar de outras almas.
Imperfeito ou quase perfeito, lá está ele colocado na parede, misterioso para uns, e isento de mistério, para outros.

maria eduarda

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

A inutilidade de tudo, não é porém abarcada pelos olhos que existem em todos os nossos sentidos.
A palma da mão a rasar o nada ou a curva poesia em descanso nas montanhas, o rosto em murmúrio de mar ou o beijo que se esmaga noutro, são todo o sentido.
Em última instância.
Sendo esta a possibilidade de ser a única, no vasto corredor das supostas instâncias.

sexta-feira, novembro 07, 2008

Foto: Nuno Lobito
"A maior de todas as coragens é a de assumir responsabilidade."
Gustavo Barroso

APRENDIZAGEM

O fotógrafo Nuno Lobito deu cursos de fotografia numa prisão em Colômbia.
No seu livro “Os sons do silêncio” relata:

«O meu objectivo era ensiná-los a respeitarem-se a eles próprios e aos outros. A sentirem-se novamente homens, de forma a facilitar a não-violência na sociedade civil e a sua integração na sociedade e no mercado de trabalho.
“Intimidades” foi o tema escolhido para o primeiro curso. Nos meus cursos escolho sempre um tema adequado ao interesse geral dos alunos. Seria a maneira mais fácil para entrarem a fundo dentro dos seus próprios problemas e este método quase sempre resulta.
A fotografia é a base, o ponto de partida. Depois, os alunos entram numa fase de interiorização pessoal que os faz irem além de si próprios. Dependendo de cada grupo, os resultados são extraordinários porque os presos tinham a possibilidade de utilizar a sua criatividade e de se dedicar a uma nova aprendizagem.
Para o bom funcionamento do curso, uma das regras essenciais, definida logo no início, foi a de respeitar os horários das aulas. Era preciso criar alguma disciplina, mas perante um grupo conflituoso como aquele, qualquer tentativa de impor à força seria desajustada. Não gosto de métodos impostos à força, só podem provocar o efeito contrário. Sendo assim, optei por criar incentivo.
As aulas começavam às nove horas e quem chegasse um pouco mais cedo tinha direito a fumar um cigarro. Todos gostavam de fumar o seu cigarro, e o tabaco não era coisa que circulasse em abundância na prisão. Estes cigarros matinais, dados a título de bónus, era eu quem os comprava. Comprava um maço e distribuía. Resultou em cheio. Antes da hora lá estavam quase todos, depois de fumar o seu cigarro, prontos para a aprendizagem.

Texto e foto de Nuno Lobito

quinta-feira, novembro 06, 2008

Aparentemente...

Conhecimentos aplicados,
fruto de interesses diversos,
sujeitos a análises minuciosas,
ao estudo de semblantes adoptados,
dos gestos mais dispersos,
das posturas, porventura ociosas.

Tudo serve de pretexto,
para analisar os outros,
distraídos em si, libertos.
Então, alvo de estudo em texto,
com frases de momentos doutros,
com pormenores incertos.

Assim segue a vida,
supondo o outro legível,
quando a essência é a real medida,
e nunca o mero impressível!

maria eduarda




terça-feira, novembro 04, 2008

Para ti, Sol

Adequar a circunstância,
ao cadencear da vontade,
à inovação do querer,
ao baloiçar do andar.
Caminhar com afoiteza,
fortalecer o gesto,
percorrer o caminho,
para abraçar quem vem.
Aquela que, com intenção,
nos focaliza a luz,
nos abraça com as palavras,
nos conforta com o olhar,
nos acrescenta na lista,
dos amigos a conservar!

maria eduarda

Berlim
Foto:G.Ludovice 2008

Todas as grandes paixões são sem esperança, de outra forma, não seriam paixões, apenas acordos, compromissos razoáveis, trocas de interesses banais (...) No fundo de cada relação humana existe uma matéria palpável, e por muitos que sejam os argumentos e habilidades, essa realidade não muda (...) a paixão não argumenta com palavras da razão.
Sandór Márai, As velas ardem até ao fim
foto: Nuno Lobito
«Todo o ser humano é bom, e a sociedade é em grande parte responsável pelos erros que o homem pode cometer.
Quem erra ou faz mal precisa de atenção.»
Nuno Lobito in "Os sons do silêncio"

segunda-feira, novembro 03, 2008

Noctívaga

A tarde teima em estagnar,
horas lânguidas insistem em ficar.
Dentro de mim, a manhã existe,
e a noite é luz a pairar.
Culpar a noite, é abdicar,
do fulgor, do mistério, que resiste.

Mistério que nos move, nos anima.
Luzes, reflexos, tonalidades,
movimento que enebria e entontece,
nos faz suspirar, e, lá em cima,
estrelas cintilam, em vaidades.
Renegar é luto que nos acontece.

E assim, a noite em mim,
me alimenta, me revigora, e renasce
o fulgor, a vontade de ofuscar!
Então, retiro de dentro, o querubim,
comigo habitado, e outro ser faz-se,
na loucura, à noite, ao luar.

maria eduarda

A vida

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são seis horas! Quando se vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é Natal... Quando se vê, já terminou o ano... Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado... Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas... Seguraria o amor que está à minha frente e diria que eu o amo... E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo. Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz. A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.

Mário Quintana

Impressão digital

Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
Que eu vejo no mundo escolhos
Onde outros com outros olhos,
Não vêem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns vêem luto e dores
Uns outros descobrem cores
Do mais formoso matiz.

Nas ruas ou nas estradas
Onde passa tanta gente,
Uns vêem pedras pisadas,
Mas outros, gnomos e fadas
Num halo resplandecente.

Inútil seguir vizinhos,
Querer ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.

Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.

António Gedeão

sábado, novembro 01, 2008

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

Londres
Foto:G.Ludovice 2008

EXERCÍCIO COM ELEMENTO PESADO
Alguma vez, desejar-se o chumbo na parede dos olhos como distinto papel colado a ela, essa circular matéria que os constitui nessa figura arredondada de quem de tudo se alimentou e pouco achou que não fosse saboroso ou indispensável à sua fome de ver, que é para tal que servem se é esse o cru uso deles.
Poder antes ter sonhado com umas modestas viseiras ainda com cheiros de cabedal regressado das chuvas, mas não ser sequer olhar apenas em frente que se anseia.
A íris só se fixa ao chão triste em espelho, quando revestida ricamente a chumbo.

Como pode um ser da natureza desviar-se da visão do sol no seu ápice ou esconder-se de ver as costas da montanha mais próxima a afastar-se da terra sendo ainda terra, é isso um assunto que se não entende com educação nem com mãos sem que se entrapem de suores, se tentam acompanhar em gesto o esforço de compreensão, dessa fisionomia espantada, que busca razões para tal.

Talvez, Penélope teria assentido em ter olhos de chumbo, em vez de os laboriosamente desgastar no seu tapete de como passar o tempo que não volta, querendo igualmente com isso dizer, se não me olhas, algo em mim dispensa-me de ver, Ulisses.

Memórias

Memórias,
vultos, datas, momentos pouco nítidos,
fruto do esquecer intencional,
do apagar do espelho, que se vê cá dentro,
dentro de nós, onde tudo se aloja.
Os anos da infância, da adolescência,
da jovem-mulher-mãe.
Retratos emoldurados na lembrança dos anos contados, somados...
Lembrança que emerge,
com contornos difusos, imperceptíveis.
Rostos vistos num espelho antigo, baço.
A memória insiste em ser inexacta,
pouco aplicada, esquecida, saída da moldura.
Mais um esforço, e a resposta são momentos soltos,
alguns distorcidos, fugazes, quase irreais.
Porquê tanta sombra, tanto breu?
Sobreviver é preciso, viver é a hora!
A hora de saborear a nitidez de alguns traços,
pedaços de ternura, pedaços de olhares.
Continuar a levar comigo, para sempre,
aquele sorriso, aquele olhar, aquele abraçar, aquele despedir...
Memórias!

maria eduarda