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domingo, novembro 09, 2008

Carta de Fernando Pessoa a Ophélia Queiroz


Bebé fera:
Peço desculpa de a arreliar. Partiu-se a corda do automóvel velho que trago na cabeça, e o meu juízo, que já não existia, fez tr-tr-r-r-r-...
Logo a seguir a telefonar-lhe, estou a escrever-lhe, e naturalmente será não a qualquer hora, mas à hora em que lhe telefonarei.
Gosta de mim por mim ser mim ou por não? Ou não gosta mesmo sem mim nem não? Ou então?
Todas estas frases, e maneiras de não dizer nada, são sinais de que o ex-Íbis, o extinto Íbis, o Íbis sem concerto nem gostosamente alheio, vai para o Telhal, ou para Rilhafoles, e lhe é feita uma grande manifestação à magnífica ausência.
Preciso cada vez mais de ir para Cascais - Boca do Inferno mas com dentes, cabeça para baixo, e fim, e pronto, e não há mais Íbis nenhum. E assim é que era para esse animal ave esfregar a fisionomia esquisita no chão.
Mas se o Bebé desse um beijinho, o Íbis aguentava a vida um pouco mais. Dá? - Lá está a corda partida - r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-
a valer
9-10-1929 Fernando

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