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quarta-feira, setembro 30, 2009

(In)conclusivo

Escutar o silêncio,
às vezes necessário,
por vezes doloroso,
muitas vezes imperioso.
Nada se perscruta,
neste vazio agreste,
neste estar/não estar,
e permanecer.

Mas acontece o viver,
mesmo quando anoitece,
e no amanhecer
novo alento se tece,
nesta amálgama,
de dar e receber.
maria eduarda

terça-feira, setembro 29, 2009

Saber-te

Abrir a porta do teu eu , é permitir que saibam de ti o que deixas perceber, e que pressintam que, às vezes, tu próprio procuras respostas, numa nesga do entendimento de alguém, que se perfila em ti.
maria eduarda

Eficácia

http://olhares.aeiou.pt/under_the_sun_foto3067276.html


Sublime intenção,
abarcar todo o céu
na vida, em dimensão!
E à noite, abraçar a lua,
e direccionar a sua luz
no patamar de todos os dias.

Sublime redenção,
à imensidão da vontade,
à luz reflectida no querer!
É suficiente olhar,
e fazer das horas,
a força que impele o ser
ao virar do dia e da noite,
no sonho que é viver!

maria eduarda

segunda-feira, setembro 28, 2009

O GATO

Com um lindo salto
Leve e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão
E pisa e passa
Cuidadoso, de mansinho
Pega e corre, silencioso
Atrás de um pobre passarinho
E logo pára
Como assombrado
Depois dispara
Pula de lado
Se num novelo
Fica enroscado
Ouriça o pêlo, mal-humorado
Um preguiçoso é o que ele é
E gosta muito de cafuné

Com um lindo salto
Leve e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão
E pisa e passa
Cuidadoso, de mansinho
Pega e corre, silencioso
Atrás de um pobre passarinho
E logo pára
Como assombrado
Depois dispara
Pula de lado
E quando à noite vem a fadiga
Toma seu banho
Passando a língua pela barriga

Vinicius de MORAES

Perto da alma

London 2009
Foto.G.Ludovice

Uma frase utilitária tanto pode ser uma frase que surge nas indicações regulamentares de um medicamento como uma frase que se encosta fortemente à tua alma.
Gonçalo M.Tavares, A Perna esquerda de Paris

sábado, setembro 26, 2009

ANÁLISE


Blue Fog and Jetty
Jonathan Andrew
Tão abstracta é a ideia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a ideia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.
Do sonho e pouco da vida.
Fernando Pessoa 12-1911

sexta-feira, setembro 25, 2009

O que nos move

quarta-feira, setembro 23, 2009

A saudade

A saudade é uma linha no pensamento, que enche uma página pautada, de lembranças.
E a saudade alimenta-se da recordação do gesto dirigido, da palavra proferida, de episódios vividos, de pessoas na passagem.

Às vezes a saudade aquieta-se e sossega; outras vezes impõe-se na pacatez , e destrói a quietude do momento. Depois, apaziguamo-la, e ela adormece, porque lhe demos o nosso tempo, na vertigem do momento, que já foi.

maria eduarda
POBRES DOS NOSSOS RICOS

A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos.
Mas ricos sem riqueza.
Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados.
Rico é quem possui meios de produção.
Rico é quem gera dinheiro e dá emprego.
Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. ou que pensa que tem.
Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.A verdade é esta: são demasiados pobres os nossos "ricos".
Aquilo que têm, não detêm.
Pior: aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros.
É produto de roubo e de negociatas.
Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram.
Vivem na obsessão de poderem ser roubados.
Necessitavam de forças policiais à altura.
Mas forças policiais à altura acabariam por lança-los a eles próprios na cadeia.
Necessitavam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade.
Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem (...)
MIA COUTO

terça-feira, setembro 22, 2009

Peripécias

Lisboa - foto do meu mano Xinho
Não é um passo qualquer! É um passo decidido, com apreço às pedras, aos desníveis do caminho. A uma pedra à frente, o pé ensaia um outro passo, com contorno mais irregular. Mas que importância tem? Deteve-se uns segundos a mais, nada se alterou, porque o objectivo era prosseguir, e o tempo sempre existiu. Só necessário percorrer alguns sóis e luas, solto do peso de alguns anos danosos.
Caminhar requer perícia, teimosia. É preciso alimentar sempre essas vontades, e às vezes aprender a voar, quando no lugar da pedra, se declara um pântano. Mas para voar são necessárias asas leves, soltas, ágeis...

Urge soltar o ânimo, a vida, e fazer disso a razão primeira da existência em nós, de todos os dias vividos no reflexo do sorriso, pronto a ser revelado.

Viver requer sabedoria; sobreviver requer apenas estar vivo - diferença abismal entre reparar e olhar!

maria eduarda

segunda-feira, setembro 21, 2009

Um rio? Será o rio Tâmega?


fotografias de Anabela Matias de Magalhães
A água límpida é muitas vezes fonte de inspiração para escrever um texto, quer em prosa, quer em verso.

Perante estas duas fotos, todas as palavras seriam portadoras de um sentimento de desânimo, de revolta, contra quem não presta a devida atenção à natureza.

domingo, setembro 20, 2009

“Ganhei” um gato ou salvei um gato?

Se me dissessem, há dias atrás, que teria um gato em casa, não iria acreditar!!!
Eu???? Isso é que era bom! Muito lindos, os gatinhos, não digo que não, mas em casa dos outros, nos filmes, nos postais.
Quando a minha neta me falou da hipótese dela e família adoptarem um gatinho “liiiinnndo, liiinnndo, avó”, eu fiquei estupefacta, escandalizada, para não dizer em estado de choque, pois sei que já têm um cão, também “liiiinnnndo” e indisciplinado q.b., que lhes dá “água pela barba”!
Perante o choque que me provocaram, não voltaram a falar-me dos gatinhos da vizinha, raçados de persa e siamês, que a sair à mãe, seriam encantadores.
Ponto final. Férias. Praia. Descontracção.
Um dia, a boca da minha neta fugiu-lhe para a novidade pós-férias (além da entrada no 2.º ciclo). A vizinha já tinha dito à mãe que o gatinho estava quase em condições de ir lá para casa.
As sensações repetiram-se. E a minha ladainha: "Um gato é uma prisão, o cão já vos dá trabalho, preocupações e despesas, não podemos ter tudo o que nos apetece".
Mas a mãe da minha neta já se tinha encantado com o gato. Para todos, lá em casa, o gato era uma óptima ideia. “É bom as crianças convirem com animais e partilharem com eles brinquedos e brincadeiras, aprender também a tratar deles, ajudar na sua higiene, etc”.
Calei-me. A casa não é minha, o meu conselho não funcionava, o melhor era ignorar e calar-me de vez sobre tal assunto, para não me consumir com preocupações que não eram minhas.
Entretanto o gato foi lá para casa e lá vêm as sms e os mails com as novidades: as gracinhas do “bebé” de um mês, “liiinndo, liiindo”, mas que não podia passar dos quartos para a sala e cozinha. A aversão que o Pinguinho, agora circunscrito a uma parte da casa, manifestara pelo novo inquilino, poder-lhe-ia ser fatal. Como resolver?! Ir aproximando o gato do cão, ao colo, devagarinho, até que chegasse o momento de empatia e a vontade de admitir que o gatinho até poderia coabitar naquele espaço que a ele pertencia.
Mas, qual quê!!! O cão transformava-se numa fera indomável só de ver o cão ao colo, só de o cheirar ali perto! Num instante, “Era uma vez um gato…”
As informações chegam-me em catadupa. As crianças iriam assistir, se houvesse uma distracção (abre porta, fecha porta, abre porta, fecha porta), à terrível cena do cão “tão liiindo” a abocanhar o gato “tão liiiindo”???
Proponho, pelo telefone, na tentativa de ajudar “Então, quando passarmos por aí, trazemos o Pingo!”
“O Pinguinho não, é o meu cão, não posso ficar sem o meu «penguenho»!”
Sim, realmente seria uma injustiça e, sobretudo, anti-pedagógico. Levaria a garota a “abandonar” o seu cãozinho, para ficar com o “brinquedo” novo. Na verdade, completamente fora de questão.
Então???!!! Quando passámos por lá, vivia-se o problema, sem solução à vista.
“Dás o gato a alguém que queira e conheças, poderás ir visitá-lo sempre que quiseres!”, sugiro eu.
“Ah, mas não é isso que eu quero, o gato é nosso, assim vou ficar sem o gato. Leva tu o gato, avó!”
“Eu??? O gato não! Se fosse o cão, sim, mas gatos, nem pensar.”
“Mas o gato é tão lindo, não te vai dar trabalho, a sério. E assim vai continuar nosso!”
“Levo o cão. Dás o gato. Quando nós cá voltarmos, daqui a quinze dias, trazemos-te o teu Pinguinho, porque entretanto o gato já está noutra casa.”
“Não! Eu gosto do cão e gosto do gato!!!”
O tempo a passar e nenhuma decisão. Iam ficar com os dois “liiiinnnndos” em casa, numa casa dividida ao meio para impedir um cão de matar um gato indefeso, bebé de um mês e uma semana.
Diz o avô “Eu n saio daqui enquanto não levar um, não quero receber um telefonema a dizer que deixaram a porta aberta e que o Pingo está com o gato pendurado pelo pescoço!”
Silêncio.
E o avô continua “ Então, como é?! Nós levamos o gato. Pode ser que depois de crescido o cão já o aceite e fica tudo resolvido!”
E eu de boca aberta, sem palavras, incrédula, a tentar perceber o que “me” estava a acontecer!
“Vá, levamos o gato!”
P.S. Quem quer o gato?!

sábado, setembro 19, 2009

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

19 de Setembro 2009

Estou ainda em longa viagem, Pai.
Há dois anos que não deixo os meus olhos concentrarem-se no teu sorriso e não te encontro no sofá de baloiço na varanda, a esticares os teus brilhos para o horizonte verde nem me deparo com esses sonhos todos nas abas dos teus gestos, neles pendurados como animais teimosos enquanto sobre as teclas do piano, os teus braços e mãos valsam.
Pois é Pai, isto das viagens, é todo um mundo.
Apesar de ter tempo, é-me penoso usar algum dos meios de comunicação acessíveis a qualquer um, para apenas ouvir a tua voz. Não o tenho feito, estar em viagem não é fácil como o sabes.
Sim, tenho tido momentos de mão no queixo em algum sítio, e lá andas tu como em casa pelos meus pensamentos a espreitar aqui e ali nessa curiosidade de mais velho, que sabe que o mundo está sempre a mudar. Por vezes, apareces nalgum sonho a meio das minhas noites andantes cheias de desluas ou de luminosidades tão absolutas Pai, que é logo em ti que penso para naquele momento vermos o mesmo.
Viajo há dois anos Pai, e como te disse não é por falta de minutos e horas, que tenho adiado um postal que fosse, mas é como se me quisesse convencer que o facto de poder pensar em alguém é já beijá-lo e levar-lhe todo o meu último mundo; deve parecer-te um pensamento meio estranho, mas por sinal é até de grande utilidade e anima-me nesta viagem que se estende faz hoje, precisamente dois anos.
Hás-de perdoar, este meu silencio. Talvez tenhas já sentido o beijo.
Sim Pai, não foste tu que morreste... sou eu que ando por fora faz tempo.
London
Foto:G.Ludovice 2009

O âmago está no seu quarto a escrever
sobre o que pensa ser a realidade, lá fora.
Surpreende-se.
Mas não vai vivê-la?
Está na rua, contente
por pensar menos e viver mais.
Sentado num jardim sobre o seu bloco,
escreve sobre o que é estar no seu quarto.
Surpreende-se.
Não o vai saber desde o seu interior?
Vai para casa
e desenha pardais num guardanapo.
É isso, estrangeirar-se do momento.

In:Caixinha com rodas, nº9, Ed GEIC

quarta-feira, setembro 16, 2009

QUE CAVALOS SÃO AQUELES QUE FAZEM SOMBRA NO MAR?

E aqui anda a noite à roda, à roda e eu com ela como um papelinho com que o vento brinca, apanha-me, larga-me, empurra-me, corre, mais adiante, a prender-me nos dentes, esquece-se de mim, torna a lembrar-se, poisa-me uma pata em cima, vai-se embora. O vento. Em certas alturas, dantes, na casa velha dos meus pais, estremecia os caixilhos, na de Nelas batia um ramo contra a janela e eu deitado no escuro, com medo, enquanto o ramo falava sem cessar. Dizendo o quê? Nunca entendi o vento. Ontem, no fim do almoço das quintas-feiras no restaurante onde me junto a um grupo de amigos, o Vitorino e o Janita Salomé cantaram uma moda de Natal onde, a propósito dos Reis Magos, a letra pergunta que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar? Eles dois um grupo inteiro, a voz do Janita borda por cima da voz do irmão e nós a escutarmos, encantados. Estes dois versos não me largam: que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar? Gostava de usá-los como título de um livro: tocaram não sei onde, no mais fundo de mim, e eu comovido como tudo, com lágrimas dentro. Porquê? Vou repeti-los mais uma vez dado que não cessam de perseguir-me: que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar? É quase Natal, uma época em que me lembro ainda mais do meu avô. Ruas iluminadas que tornam a noite triste, grinaldas de lâmpadas, uma festa que tremelica no escuro. Há horas recebi a notícia da morte do meu editor francês, Christian Bourgois. Era meu amigo, trabalhávamos juntos há vinte anos, depois da sua operação ao cancro fui por diversas ocasiões a Paris estar com ele. Uma manhã disse-lhe:
– És um grande editor.
Ele respondeu:
– Não há grandes editores sem grandes autores e a modéstia das suas palavras alegrou-me. Tinha um imenso faro para descobrir talentos, não se tornou nunca um comerciante, os livros constituíram sempre a sua razão de ser. Não há muitos editores que eu estime e respeite. Que horrível coisa perder um amigo: e as grinaldas de lâmpadas a tremelicarem no escuro, a tremelicarem no escuro, a tremelicarem no escuro. A melancolia das lâmpadas, gente por todos os lados, enervada, com pressa. Desde que cresci o Natal tornou-se uma multidão de gente enervada e com pressa. Que não fazem sombra no mar. Não fazem sombra em parte alguma, zangam-se apenas: deve tratar-se do espírito da quadra. Não fui eu que perdi um amigo, foi o Christian que perdeu tudo. Canta, Janita: que cavalos são aqueles? Negócio sinistro, o da Literatura, as maldades, os meandros, o dinheiro. A quantidade de alturas em que me vêm ganas de não publicar mais nada. Isto para não falar daquilo a que chamam autores. Mas noventa e nove por cento desses, tal como a multidão de gente enervada e com pressa, não fazem sombra no mar. Há tão poucos escritores capazes disso. Canta, Vitorino: cubram-me de Alentejo até não sentir frio, de oliveiras a perder de vista, de campos. Quero ser um papelinho que o vento apanha e larga, empurra, prende nos dentes, esquece, quero um ramo contra a janela a falar sem descanso. Dá-me uma mãozinha, Janita: que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar? Ainda o fim-de-semana passado, na foz do Douro, ondas enormes. Um quarto para as palmeiras, as ondas. Depois das ondas ficava a espuma sozinha, pendurada no ar. Em que me penduro eu, em que nos penduramos nós? Dá-me ideia que com o tempo vou ganhando uma solidez de pedra. Mesmo ao mover-me fico. Quando eles cantam as veias do pescoço engrossam, os olhos mudam, fitando para dentro. Beja à distância, alargando-se devagar. Sinto-me eterno em Beja. O hospital cheio de doentes onde fui por causa do ouvido. Será impressão minha ou as mulheres, nas terras pequenas têm mais beleza? No Algarve, por exemplo, na Póvoa de Varzim. No Montijo, onde trabalhei no regresso de África? Pântanos, água, barcos moribundos, só costelas. Pássaros que não conhecia. Uma tarde, na margem sul do Tejo, um cavalo branco atravessou de súbito a estrada, a galope, de crina longa que dançava. Tratar-se-ia de um dos bichos da moda? Devia tratar-se dado que continua a fazer sombra em mim. E agora? Acende um cigarro, António, prepara o final: uma coisa que se veja, bonita, serena. O quê? Como? Rumores, rumores, escuto silêncios que conversam, vozes que não há, escuto cheiros e cores, sinto-os na língua. E escurece: hoje é o dia mais curto do ano, vinte e um de dezembro. Dezembro com minúscula, sempre escrevi os meses com minúscula. Nasci em setembro, as vindimas sou eu. Lá vinham os carros de bois com as pipas, lentíssimos e eu a pasmar para um pedaço de mica. Os reflexos da mica. A serra azul. O rápido das seis. Vagabundos a atravessarem o pinhal, cheios de raiva. De bordão e barba. Os capotes rasgados e por baixo não as camisas, a pele. Pensando bem são eles os cavalos que fazem sombra no mar, os Reis Magos. Trazem oiro, o incenso e a mirra embrulhados em papel pardo. E eu nas palhinhas, nu, a sorrir-lhes.

António Lobo Antunes

Ao filho, que foi menino

De novo, o silêncio
dos acordes da viola,
da tua voz,
trauteando a letra
da música,sempre ouvida.
Mais uma pausa,
um espaço com ausência,
a necessidade
da criação, em mim,
do hábito,às vezes longo,
de permanecer aqui,
longe de ti!
maria eduarda

segunda-feira, setembro 14, 2009

O ensino

“ O ensino é um processo não repetitivo. Dois grupos de alunos nunca são iguais; nem uma classe é a mesma de um dia para o outro. O mundo ao redor da sala de aula muda constantemente; o próprio professor muda. O professor tem grandes oportunidades de ser criativo na maneira como lida com todas essas condições mutáveis”.


Alice Miel

sábado, setembro 12, 2009

«Encontra os maiores mestres, faz as perguntas mais difíceis, e eles nunca te dirão:
«Estuda filosofia», ou: «Tira o teu curso».
Dirão apenas: «Tu já sabes.»

Richard Bach

Eleição

Flowers and Stones ...
Neil Emmerson
Tomei-te por pedra,
ao acaso jogada,
no meu percurso,olhada.
Retrocedi,
alisei-a, recuperei-a,
e agora com outro fim,
depositei-a bem no centro
do meu jardim.
Aí detenho-me
diariamente, no lazer,
no tratar, no embelezar.
A pedra roliça
adorna o canteiro,
e encanta-me a mim,
na primeira função,
da mensagem do recanto,
em lugar eleito
de meditação.

maria eduarda

quinta-feira, setembro 10, 2009

A vida...

Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde ela me levará, porque não sei nada.

Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.

Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também.
in "Livro do Desassossego" - Bernardo Soares

O Constante Diálogo

Há tantos diálogos
Diálogo com o ser amado
o semelhante
o diferente
o indiferente
o oposto
o adversário
o surdo-mudo
o possesso
o irracional
o vegetal
o mineral
o inominado
Diálogo consigo mesmo
com a noite
os astros
os mortos
as ideias
o sonho
o passado
o mais que futuro
Escolhe teu diálogo
e tua melhor palavra
ou teu melhor silêncio.
Mesmo no silêncio e com o silêncio dialogamos.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera'

quarta-feira, setembro 09, 2009

A sociedade só mudará quando a mente humana mudar. Como no adágio, não basta mencionar a palavra “luz” para que a lâmpada acenda, é preciso entender a lâmpada. Temos 90% da população mundial a viver mal para que 10% esteja bem. Isto diz muito acerca do funcionamento da mente humana, centrada na avareza, na arrogância, no conflito. O trabalho é individual e implica mudar atitudes e práticas, mais orientadas para a cooperação e menos para o apego e o negativismo.
Ramiro Calle Escritor e mestre de ioga

terça-feira, setembro 08, 2009

Luz e Sombra

Na minha insónia,
as vozes sucedem-se
em surdina.
Acalentam os sonhos,
que não deixo de ter.
Olhos abertos,
em tempo de sono,
resistentes, insistentes,
colocam a vida a descoberto.
Os sonhos, esses,
persistem...

maria eduarda

domingo, setembro 06, 2009

Resolução

http://olhares.aeiou.pt/o_portalda_simplicidade_foto2715132.html

A campainha da porta
oferece-se ao toque
hesitante no gesto,
no soar inaudível,
ou no refreio da mão?
A espera do minuto,
a opção segunda,
o bater forte da mão,
força contida,
hesitação renovada.
Grotesca a resolução,
o virar das costas
em direcção ao portão.
maria eduarda

sábado, setembro 05, 2009

Os Nossos Eus

Esses eus de que somos feitos, sobrepostos como pratos empilhados nas mãos de um empregado de mesa, têm outros vínculos, outras simpatias, pequenas constituições e direitos próprios - chamem-lhes o que quiserem (e muitas destas coisas nem sequer têm nome) - de modo que um deles só comparece se chover, outro só numa sala de cortinados verdes, outro se Mrs. Jones não estiver presente, outro ainda se se lhe prometer um copo de vinho - e assim por diante; pois cada indivíduo poderá multiplicar, a partir da sua experiência pessoal, os diversos compromissos que os seus diversos eus estabelecerem consigo - e alguns são demasiado absurdos e ridículos para figurarem numa obra impressa.
Virginia Woolf, in "Orlando"

sexta-feira, setembro 04, 2009

Flores de Amendoeira


Olhava o céu azul de final de Verão,
Algumas nuvens, muito brancas, lembravam-me o seu branco cabelo…
Parecia-me ver as nuvens agrupando-se em rendilhados finos, com flores, nós pequeninos.
Uma lágrima escorria-me no rosto sério, sereno, e todo o céu ficou reflectido naquela gotinha de tristeza. Então, vi que eram as suas mãos que faziam renda em flocos de nuvens, fios de luz.
Senti-me envolvida por um abraço azul, imenso, quase ouvi um sussurro:
“Estou bem, Ménita… Estou bem….”

Vou recordar-te com o carinho que nos tinhas e que transformava, com as tuas mãos, os figos e as amêndoas em flores doces… Com as mãos, que também preparavam carapaus alimados ou faziam renda com um pormenor dedicado, perfeito.
Vou recordar também essa teimosia que te caracterizava, as piadas marotas, a força que o teu corpo grande mostrava, a força que tinhas.
Vou recordar-te sempre , queria Avó Ema. E quando olhar as nuvens vou ver flores de amendoeira bordadas no céu, brancas como os teus ondulados cabelos.

terça-feira, setembro 01, 2009

Ilusão

Iludo-me no meu desamparo já tardio. Envolvo-me nas brumas de outrora, e aqueço-me no regaço dos abraços apertados, desatados que foram ao longo do tempo. Persiste o desamparo, no encalço do colo, que o espreita na chegada.

Tentativa

Quero ter todas as cores,
simples, combinadas, misturadas,
tonalidades em mim erradas,
quando não assimilo os odores.

Nos dias cinzentos quero ser ave,
revoltar-me contra o momento,
exasperar-me num tormento,
alinhar-me em semblante suave.

Em dias de ansiedade,
deslizo nos contornos suaves
de uma qualquer vontade,
capaz de me não colocar entraves.

E o objectivo desenhado,
insisto, resisto, vacilo,
na força, procuro alinhado
o meu ser, em completo asilo.

maria eduarda

A importância dos filósofos

O filósofo dizia que só os homens faziam o importante, enquanto os animais só dispunham de acções insignificantes.
Foi então que chegou o tigre e devorou o filósofo, comprovando com os dentes a teoria anteriormente apresentada.

Gonçalo M. Tavares, O senhor Brecht, Caminho