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quarta-feira, abril 15, 2009

Aviões

Gosto de observar, plantado como uma árvore,
a linha que os aviões traçam no céu,
quando sobem rompendo os ares.
É verdade que hoje,
quando bastariam apenas alguns segundos
para que a humanidade desaparecesse num ápice,
debaixo (dizem)
de uma terrível nuvem alaranjada,
voar já não tem mistério.
Porém,
a altiva e bela diagonal
desenhada no azul transparente pelos aviões que partem
enche-me as medidas...

João Melo «Auto-retrato»

terça-feira, abril 14, 2009

Os livros

Não conhecemos estes lugares
ou compulsivamente
os revemos. Paisagens
inusitadas, absurdas,
mesmo se alguma vez as frequentámos
com nossos olhos e bagagens.
São estranhos estes homens
que nos fazem rir e chorar,
sentir raiva , ser
solidários. São-nos íntimos,
porém. Estes
sonhos, a quem
pertencem? Sentimentos obscuros,
que angústias (des)
velam? Trágicas
desilusões,
que mundos encerram?
Os livros, quietos
e buliçosos: o nosso
alter ego.

João Melo «Auto-retrato»

segunda-feira, abril 13, 2009

Algumas definições (Fragmento)

Flor: ser frágil que cresce
quando menos se espera.

Morte: para alguns o fim;
para outros o princípio
- o poeta abstém-se,
pois não se lembra de já ter morrido
Mulher: ?
Pão: massa de farinha água e sal
cozida no forno e que
além de várias formas
recebe nomes diversos
- às vezes quando falta
provoca revoluções
Pedra: obstáculo se no meio do caminho
arma para abrir caminhos
Poesia: ofício doloroso que consiste
em semear mentiras em desertos
para que delas cresçam as verdades mais puras
Vida: aventuratragédiasonhopesadelo:
casco de navio tantas vezes podre
a que se agarra o náufrago
João Melo "Auto-retrato"

quarta-feira, abril 08, 2009

Regresso à infância

volto à infância: aos tamarinos
ácidos como os frutos
proibidos, aos cajus
polpudos,
às mangas vermelhas como o sol

aos filmes do Zorro
no São Domingos, à quitaba
e ao bombó assado,
enchendo de felicidade o
estômago

ao espadachim de mentira,
com improvisados floretes retirados
às construções,
à caçambula, atreza
−NINGUÉM! NINGUÉM!−
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Com estes elementos:
a) Mangas furtadas sobre o sol;
b) Uma vara de romãzeira;
c) Insensatas disputas de espadachim;
d) Uma cabeça coberta docemente de sangue;
e) Alguns jogos – a semalha, a besta quadrada, etc.;
f) Periódicas desinterias inexplicáveis; e
g) A colossal imagem materna,
Faço uma composição talvez esotérica e cujo profundo ordenamento e sentido – para além de alguns esteriótipos poéticos – desconheço. A infância – penso – é uma série exaltada de fragmentos singelos, os quais, entretanto, e apesar de misteriosamente inúteis, se revelam, à medida que se degrada o tempo, cada vez mais imperativos e estranhamente iluminados.
Ainda hoje o sape-sape
Sempre me sabe à
Memória do meu avô

Ao comê-lo, um nó
Endurece-me a garaganta


Esse sabor-espólio
Da árvore de sape-sapes
Que ele tanto amou


João Melo “Auto-retrato”