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quarta-feira, julho 09, 2008

Quitandeira

A quitanda.
Muito sol
e a quintandeira à sombra
da mulemba.
- Laranja, minha senhora,
laranjinha boa!
A luz brinca na cidade
o seu quente jogo
de claros e escuros
e a vida brinca
em corações aflitos ~
o jogo da cabra-cega.
A quitandeira
que vende fruta
vende-se.
- Minha senhora laranja, laranjinha boa!
Compra laranjas doces
compra-me também o amargo
desta tortura
da vida sem vida.
Compra-me a infância do espírito
este botão de rosa
que não abriu
princípio impelido ainda para um início.
Laranja, minha senhora!
Esgotaram-se os sorrisos
com que chorava
eu já não choro.
E aí vão as minhas esperanças
como foi o sangue dos meus filhos
amassado no pó das estradas
enterrado nas roças
e o meu suor
embebido nos fios de algodão
que me cobrem.
Como o esforço foi oferecido
à segurança das máquinas
à beleza das ruas asfaltadas
de prédios de vários andares
à comodidade de senhores ricos
à alegria dispersa por cidades
e eu
me fui confundindo
com os próprios problemas da existência.
Aí vão as laranjas
como eu me ofereci ao álcool
para me anestesiar
e me entreguei às religiões
para me insensibilizar
e me atordoei para viver.
Tudo tenho dado.
Até mesmo a minha dor
e a poesia dos meus seios nus
entreguei-os aos poetas.
Agora vendo-me eu própria.
- Compra laranjas
minha senhora!
Leva-me para as quitandas da vida
o meu preço é único:
- sangue.
Talvez vendendo-me
eu me possua.
-Compra laranjas!

Agostinho Neto

segunda-feira, julho 07, 2008

"Adeus à hora da largada"

Minha Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar como esperaste nas horas difíceis
Mas a vida matou em mim essa mística esperança
Eu já não espero
sou aquele por quem se espera
Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos partidos para uma fé que alimenta a vida.
Hoje somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados
a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz eléctrica
os homens bêbedos a cair abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos com fome com sede com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas com medo dos homens nós mesmos
Amanhã entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos a data da abolição desta escravatura
Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram)
Vão em busca de vida.

Agostinho Neto, Sagrada Esperança