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domingo, novembro 09, 2008

Ser criativo

Na aldeia de uma ilha tropical, num país em guerra civil, apenas um branco, Mr. Watts, decidiu ficar.
As crianças ficam sem professores e Mr. Watts assume essa responsabilidade, lendo à turma um velho exemplar de “Grandes Esperanças” de Charles Dickens.
Decide, também, que todas as mães, todos os pais, tios e tias, irmãos e irmãs mais velhas poderiam ir partilhar com a turma o que sabiam do mundo. Punha-se de lado enquanto a visita contava a história, anedota ou teoria.
Este é um livro muito especial, por vezes terno, por vezes duro, mas encantador.

“Procurávamos-lhe sempre no rosto algum sinal de que aquilo que ouvíamos era um disparate. O seu rosto nunca o revelou. Apresentava um interesse respeitoso, mesmo quando foi a vez de a avó do Daniel, velha e curvada com as suas bengalas, observar a nossa turma com os olhos cansados.
«Existe um lugar chamado Egipto», informou ela. «Não sei nada acerca desse lugar. Quem me dera poder falar-vos, meninos, acerca do Egipto. Perdoem-me por não saber mais. Mas, se quiserem escutar-me, dir-vos-ei tudo o que sei acerca da cor azul.»
E, então, ouvimos acerca da cor azul.
«Azul é a cor do Pacífico. É o ar que respiramos. Azul é o espaço vazio no ar de todas as coisas, como as palmeiras e os telhados de chapa. Se não fosse o azul, não veríamos os morcegos da fruta. Obrigada, Senhor, por nos dares a cor azul.»
«É surpreendente onde a cor azul aparece», continuou a avó do Daniel. «Procurem e encontrarão. Podem ver o azul a espreitar pelas fendas do molhe, em Kieta. E sabem o que está tentar fazer? Tenta apanhar as vísceras malcheirosas dos peixes, para as levas para casa. Se o azul fosse um animal, uma planta ou um pássaro, seria uma gaivota. Mete o bico pegajoso em todo o lado.»
«O azul também pode ter poderes mágicos», continuou. »Observem um recife e digam-me se estou a mentir. O azul bate no recife e o que é que liberta? Liberta branco! Agora, digam-me lá porquê?»
Procurámos Mr. Watts com o olhar, para que nos explicasse, mas ele fez de conta que não viu as nossas expressões inquisidoras. Sentou-se na ponta da mesa, com os braços cruzados. Cada parte dele parecia concentrar-se no que a avó de Daniel tinha para dizer. Um a um, voltámos a concentrar a nossa atenção na velhota com a boca manchada de pimenta.
«Uma última coisa, meninos, e depois deixo-vos em paz. O azul pertence ao céu e não pode ser roubado, por isso os missionários puseram azul nas janelas das primeiras igrejas que construíram na ilha.»
Mr. Watts fez agora aquele gesto familiar de abrir os olhos, como se tivesse acabado de acordar. Aproximou-se da avó de Daniel com a mão estendida. A velhota estendeu-lhe a dela e ele virou-se para a turma.
«Hoje tivemos muita sorte. Muita sorte. Fizeram-nos lembrar que, embora não possamos conhecer o mundo todo, poderemos, se formos suficientemente inteligentes, renová-lo. Podemos inventá-lo com as coisas que encontramos e vemos à nossa volta. Só temos de olhar e tentar ser imaginativos como a avó de Daniel.» Pôs um braço no ombro da velhota. «Obrigado», disse-lhe. «Muito obrigado.»
A avó de Daniel sorriu para a turma e vimos como tinha poucos dentes, e os poucos que lhe restavam explicavam por que razão assobiava ao falar.”

Lloyd Jones in “Mr. Pip”

quinta-feira, julho 24, 2008

AZUL


O azul é a mais profunda das cores: nele o olhar penetra sem encontrar obstáculo e perde-se no infinito. O azul é exacto, puro e frio. O azul é a mais fria de todas as cores, e, no seu valor absoluto, a mais pura.A cor azul suaviza, abre e desfaz as formas.
Uma superfície pintada de azul já não é uma superfície, um muro azul deixa de ser um muro. Os movimentos e os sons, bem como as formas, desaparecem no azul, confundem-se com ele, esvaem-se nele como uma ave no céu. É o caminho do infinito, onde o real se transforma em imaginário. Acaso não é o azul a cor da ave da felicidade, o pássaro azul, inacessível e no entanto tão próximo?

Entrar no azul é um pouco como Alice no País das Maravilhas: passar para o outro lado do espelho. O azul é o caminho do sonho.
Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, in Dicionário dos Símbolos, Teorema (adaptado)