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segunda-feira, junho 30, 2008

"Não acrescente dias à sua vida, mas vida aos seus dias."


Harry Benjamin

domingo, junho 29, 2008

"Vai aonde te leva o coração"

"...não somos seres suspensos em bolas de sabão, que vagueiam felizes pelos ares; nas nossas vidas há um antes e um depois, e esse antes e esse depois são uma ratoeira para os nossos destinos, pousam-se sobre nós como uma rede se pousa sobre a presa.(...) O destino possui todo o poder e o esforço da vontade não passa de um pretexto. (...)...quando o caminho atrás de ti é mais comprido do que o que tens à tua frente, vês uma coisa que nunca tinhas visto antes: o caminho que percorreste não era a direito mas cheio de encruzilhadas, a cada passo havia uma seta que apontava para uma direcção diferente; dali partia um atalho, de acolá um carreiro cheio de ervas que se perdia nos bosques. Alguns desses desvios fizeste-os sem te aperceberes, outros nem sequer os viste; não sabes se os que não fizeste te levariam a um lugar melhor ou pior; não sabes, mas sentes pena. Podias fazer uma coisa e não fizeste, voltaste para trás em vez de seguir em frente.(...)E quando à tua frente se abrirem muitas estradas e não souberes a que hás-de escolher, não te metas por uma ao acaso, senta-te e espera. Respira com a mesma profundidade confiante com que respiraste no dia em que vieste ao mundo, e sem deixares que nada te distraia, espera e volta a esperar. Fica quieta, em silêncio e ouve o teu coração. Quando ele te falar, levanta-te e vai para onde ele te levar." "...a principal qualidade do amor é a força..."
excerto de "Vai Aonde Te Leva o Coração" de Susanna Tamaro




"Ao impormos uma excessiva rigidez à mente, suprimimos, dentro de nós, a voz do coração."

Susanna Tamaro

sábado, junho 28, 2008

"Quero saber o que é o mundo e por que estou aqui e para onde vou... Quero saber também como voar sem um avião, se assim o desejar."

Richard Bach

Há dias

Há dias em que julgamos
que todo o lixo do mundo
nos cai em cima
depois ao chegarmos à varanda avistamos
as crianças correndo no molhe
enquanto cantam
não lhes sei o nome
uma ou outra parece-me comigo
quero eu dizer :
com o que fui
quando cheguei a ser luminosa
presença da graça
ou da alegria
um sorriso abre-se então
num verão antigo
e dura
dura ainda.


Eugénio de Andrade

sexta-feira, junho 27, 2008

Agora as palavras

Obedecem-me agora muito menos,
as palavras. A propósito
de nada resmungam, não fazem
caso do que lhes digo,
não respeitam a minha idade.
Provavelmente fartaram-se da rédea,
não me perdoam
a mão rigorosa, a indiferença
pelo fogo-de-artifício.
Eu gosto delas, nunca tive outra
paixão, e elas durante muitos anos
também gostaram de mim: dançavam
à minha roda quando as encontrava.
Com elas fazia o lume,
sustentava os meus dias, mas agora
estão ariscas, escapam-se por entre
as mãos, arreganham os dentes
se tento retê-las. Ou será que
já só procuro as mais encabritadas?

Eugénio de Andrade, "O Sal da Língua", in Poesia

A Rosa do Mundo

Há muitos e muitos milhares de anos, a poesia aproximou-se do homem e tão próximos ficaram, que ela se instalou no seu coração. E começaram a ver o mundo conjuntamente estabelecendo uma inseparável relação que perdurará para sempre.
Não demorou muito a que a poesia se emancipasse, autonomizando-se. Como uma rosa de cujas pétalas centrípetas emana a beleza e o mais intenso perfume, sem nunca prescindir da defesa vigilante dos seus espinhos, assim cresceu livre a poesia carregada de silencioso mistério e sedução.

Evitou sempre a vaidade. Mas o vento da história, inapercebidamente, por vezes, demorou-se nela libertando o seu perfume, soltando os seus enigmas, fazendo-a avançar com todo o esplendor. E nada existe que a poesia não tenha experimentado, desde o mais recôndito silêncio do deserto, ao fragor das batalhas mais sangrentas. Da mais humilde das intimidades, ao luxo sinuoso do palácio. Com o tempo, e já depois da comunhão primordial, era o homem, por necessidade de uma comunicação maior, que a procurava e lhe abria o coração até que ela, muito discretamente, voltava a estremecer no seu sangue.

Poesia e homem criaram assim uma cúmplice e indissociável relação por todo o mundo, embora a História pouco se tenha disso apercebido. Hoje sabemos que haverá sempre seres humanos que a reconhecem pela substância do seu silêncio.
Pelo tempo e lugar do seu rigor de ave de arribação. Pelo seu fulgor. Pelo seu perfume. Pela riqueza inesperada das suas sugestões. Com um pequeno gesto os poetas soltam o seu pólen que, levado pelas palavras, vai eternamente fecundando os arcos da beleza que erguem o universo e o põem em comunicação com Deus.

Manuel Hermínio Monteiro, "À maneira de uma cosmogonia", in Rosa do Mundo - 2001
A alegria adquire-se. É uma atitude de coragem. Ser alegre não é fácil, é um acto de vontade.

Gaston Courtois

quinta-feira, junho 26, 2008

A indecisão

Vislumbra-se um ponto qualquer no Universo, algo que transformará o incerto de todos os dias. A poeira não assentou, os trilhos estão pouco marcados e será preciso uma acalmia para que se notem os caminhos já percorridos, conducentes ao alvo.
Muitas marcas se adivinham, de diferentes modos e tamanhos, até de feitios arrojados. Será preciso o doutoramento da vida para conseguir resolver o dilema? Seguir a marca mais ondeante, ou a mais usual, resultado do pisar contínuo?

O enigma reside na decisão a tomar. O tempo esvai-se lentamente, porquanto a luz natural se vai afastando para outros lados, ajudando no rumo de outras decisões. A sombra apodera-se do local e só os desenhos decalcados no solo não são suficientes para a resolução seguinte.
Os conselhos, às vezes são necessários, mas só ele, naquele momento, naquele corpo e naquele pensamento deverá insurgir-se contra as ideias confusas que o atormentam.

Nem sempre se reage na altura, há comportamentos que levam o seu tempo a crescer, a tomar forma, a serem entendidos.

Sentiu-se desconfortado, descontente, com tanta reflexão, mas o seu raciocínio dizia-lhe que, se a caminhada era até então feita assim, diariamente, apesar de tanta incerteza, seria urgente optar agora por uma nova direcção?
Se o gesto repetido tem resultado no êxito dos seus deslumbramentos e ambições, deverá então reverter a situação - apagar os trilhos, esquecer o ponto, e recuar até ao tempo e ao espaço onde não era necessário reflectir, - bastava aceitar.

Os pés conheciam as marcas já delineadas na véspera, não estavam completamente apagadas, permaneciam e não questionavam...

Assim, a vida era-lhe facilitada, nada o iria surpreender neste longo trajecto, já tão trivial.

maria eduarda

Boa disposição!

"Se não puder ajudar, atrapalhe, afinal o importante é participar."

Autor desconhecido

quarta-feira, junho 25, 2008

Enfeita de ouro as asas de uma ave e nunca mais voará no céu.

Tagore

terça-feira, junho 24, 2008

O menos desolhado


O azul de raridade que o cobre nas amplas costas, é uma pista ali nos prontos arredores.
Funciona bem, tal como a máquina nova no pulso a rigor, o esquerdo, o relógio nascido de mostrador grande, tudo no seu propósito de conquistar nos outros não apenas os momentos dos olhos mas também, os próprios pensamentos com suas inclinadas suposições, essas hipóteses que roubam tempo à cabeça dos demais e os fazem permanecer a pensar em nós, até a inventarem histórias sobre a origem das nossas felicidades de cara, estampadas fundo.

Esse tempo que usamos da vida dos outros era para ele uma vitória, tinha assim onde existir de modo mais completo, alargando-se abusadamente em outras vidas, ocupando-lhes memórias como se enche uma casa de coisas que se encontram um dia, que não servem de muito, mas ficam lá bem porque o vazio é sinal de pobrezas e ausência de virilidade para os seus moradores.

Antes experimentara a dengosa brancura dos dentes, para subir em considerações no seu estatuto, ser um pouco mais do que um simples homem de futuro oferecido, por o não ter e ser-lhe mais certo poder ofertar aquilo que não havia.

Depois aprendeu por observação severa, que todos os homens com poder acrescentavam utensílios ao sorriso, não bastava o retrato da boca a oferecer o mundo como se ele existisse e tivesse porta de entrada.
Foi a si somando em invenção, também essa sorte deles, que é trazer uma valiosa mulher atrás do seu embelezamento de vida, com pegamento de coração, talvez até.

As grandes conquistas quer fossem das cidades, quer fossem dos povos, quer das mulheres, envolviam sempre coisas que, por poderosas, passavam involuntariamente de umas mãos para as outras. Sabia-o do compêndio de História, reachado numa prateleira de asfalto.

Afastado da possibilidade da feiosa correia de plástico, conseguiu obter uma de pele bem lustrada. O seu marcador de tempo tornou-se o primeiro movimento em direcção ao topo, esse lado que se tem quando se tem também alguém, que faz figura.
Já não mais seria alguém desimportante, estariam desde aí nele concentrados pasmos de caras e habilidades de conversa.

Pela hora da abertura das humanidades, aprendidas moralmente na educação das escolas com cadeiras, roupa em segunda mão chegava das terras, onde o esplêndido mostrador do seu relógio já não é furor para olhos alheios, antes pareceria arrojado na insólita negação de si mesmo, mas é verdade que em vez desse objecto, pode a sua existência ser ainda antes tomada como iluminação em noite crescente, pelo azul turquesa conseguido no casaco das lides internacionais.

A sua grande apoteose é, no entanto, de diferente natureza, ultrapassando mesmo a desvida dos próprios frágeis objectos na sua duração, depois que foi o rebentamento da mina que o abocanhou.
Quando ao prosseguir a compasso com o seu tic-tac encolhe a perna que não já pode possuir, fica sim na lembrança dos outros mas em estranha elegância, difícil até de se tornar moda, ganhando nesses respirados entretantos uma inconsciente dignidade única, no seu incopiável modo de fazer caminho.
O que foi original sobre o físico de alguns outros, é apenas estratégia garantida na ilusão em si.

Etiquetas: Escritas in : 2+2=5
Gabriela Ludovice

O amor e a sua correspondência

A banalização do telemóvel criou a ilusão do objecto omnipresente. Numa posição de omnipresença, um objecto de paixão passou a ter a "obrigação" da resposta imediata a qualquer estímulo, sob pena de provocar o sofrimento do outro.

A angústia da perda passou a estar associada a trivialidades - pode acontecer, vertiginosa, quando se esgotou uma bateria; ocorre quando o amor se passeia displicente em lugares sem rede; e pode disparar a níveis clínicos quando o objecto amoroso, usando um direito inalienável de autodeterminação, decide desligar o telemóvel.
No amor, o telemóvel fez disparar o stress, a ansiedade, as angústias da rejeição e outras malaises de la civilisation. Um telemóvel desligado é uma providência cautelar para uma ruptura. Um presumível sintoma de infidelidade. Um fechar com a porta na cara. Um não, uma nega, uma tampa.
O telemóvel é caro, mas o amor tende a minimizar o impacto económico das medidas a que, no auge da paixão, recorre. E depois há as SMS, esse deslumbrante e mais económico instrumento de sedução,mas - também ele -uma grilheta dos amantes. Os segundos de resposta, os minutos, as horas, tudo é contabilizado para avaliar o impacto de um amor.

Institucionalizados os novos rituais do enamoramento, não importa se o objecto costuma estar sequestrado na biblioteca Nacional, se vive em audiências contínuas com díspares personalidades, ou se, por qualquer razão que o coração se esforça por desconhecer, não vive com o maldito computadorzinho na mão, em permanente disposição de disparar uma resposta irredutível.
O mail tem um tempo mais distendido, se excluirmos as pessoas cuja profissão as obriga a estar permanentemente em frente do computador. Estas são ainda fustigadas com o monstro do Messenger, que, de borla, obriga ao diálogo contínuo.
Mas a minha amiga Vanessa, que num estado de paixão patético tem passado o último mês a escrever mails ridículos, SMS ridículas e a contar os segundos da resposta, teve um destes dias um inesperado e surpreendente ataque de felicidade amoroso: recebeu uma carta. Um postal dos correios. Um envelope com selo e tudo. Quando abriu a caixa e viu que não eram só contas, ia desfalecendo. Uma carta.Uma carta? Sim, só um grande amor.

Ana Sá Lopes,"Diário da Vanessa", in Diário de Notícias, 12-05-2006 (adaptado)
Passamos a amar, não quando encontramos uma pessoa perfeita, mas quando aprendemos a ver perfeitamente uma pessoa imperfeita.

San Kenn

segunda-feira, junho 23, 2008

Álvaro de Campos - sobre Pessoa e Ricardo Reis


Há frases repentinas, profundas porque vêm do profundo, que definem um homem, ou, antes, com que um homem se define, sem definição. Não me esquece aquela em que Ricardo Reis uma vez se me definiu. Falava-se de mentir, e ele disse:"Abomino a mentira, porque é uma inexactidão." Todo o Ricardo Reis - passado, presente e futuro - está nisto.

O meu mestre Caeiro, como não dizia senão o que era, pode ser definido por qualquer frase sua, escrita ou falada, sobretudo depois do período que começa do meio em diante de "O Guardador de Rebanhos".Mas, entre tantas frases que escreveu e se imprimem, entre tantas que me disse e relato ou não relato, a que o contém com maior simplicidade é aquela que uma vez me disse em Lisboa. Falava-se de não sei quê que tinha que ver com as relações de cada qual consigo mesmo. E eu perguntei de repente ao meu mestre Caeiro,"está contente consigo?" E ele respondeu:"Não: estou contente." Era como a voz da terra, que é tudo e ninguém.

Nunca vi triste o meu mestre Caeiro. Não sei se estava triste quando morreu, ou nos dias antes. Seria possível sabê-lo, mas a verdade é que nunca ousei perguntar aos que assistiram à morte qualquer coisa da morte ou de como ele a teve.

Em todo o caso, foi uma das angústias da minha vida - das angústias reais em meio de tantas que têm sido fictícias- que Caeiro morresse sem eu estar ao pé dele.Isto é estúpido mas humano, e é assim.

Eu estava em Inglaterra. O próprio Ricardo Reis não estava em Lisboa; estava de volta no Brasil. Estava o Fernando Pessoa, mas é como se não estivesse. O Fernando Pessoa sente as coisas mas não se mexe, nem mesmo por dentro.
Nada me consola de não ter estado em Lisboa nesse dia, a não ser aquela consolação que pensar no meu mestre Caeiro espontaneamente me dá. Ninguém é inconsolável ao pé da memória de Caeiro ou dos seus versos; e a própria ideia do nada - a mais pavorosa de todas se se pensa com a sensibilidade - tem, na obra e na recordação do meu mestre querido, qualquer coisa de luminoso e de alto, como o sol sobre as neves dos píncaros inatingíveis.

Álvaro de Campos, in " Fernando Pessoa. Obra Poética e em Prosa, VOLUME I

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.


Livro dos Conselhos

domingo, junho 22, 2008

Escritores Médicos




Coimbra, 20 de Janeiro de 1961 - A pergunta é sempre a mesma, mas o tamanho da resposta varia consoante a disponibilidade e pachorra.
- A medicina dá muitos escritores! Porque será?
Pacientemente, dobro a receita, tiro os óculos, levanto-me e começo o sermão, que hoje me saiu um pouco sincopado:
- Não é ela que os dá. Limita-se simplesmente, a preservar esse dom aos que nasceram com ele, o que já não é pouco. Ao invés de outras profissões, que estrangulam no indivíduo o espírito de aceitação e compreensão do semelhante, esta faz o contrário. O médico, como tal, nem pode fechar as portas da alma, nem apagar a luz do entendimento. É todo o humano que o solicita a todas as horas; o que sofre, o que simula, o que teme e o que desvaria. E só a graça de uma certa dimensão afectiva e mental permite corresponder eficientemente a tantos e tão diversos apelos. Ora, essa dimensão está implícita na condição do artista, o mais receptivo e perceptivo dos mortais. Por isso, quando o acaso sobrepõe a uma vocação criadora uma condenação clínica, não há dramas sangrentos. A caneta que escreve e a que prescreve revezam-se harmoniosamente na mesma mão.

Miguel Torga, Diário IX (1960-1963)


A mais grave das faltas é não ter consciência de falta alguma.


Einstein

sexta-feira, junho 20, 2008

"Primeiro foi necessário civilizar o homem em relação ao próprio homem. Agora é necessário civilizar o homem em relação à natureza e aos animais."
Victor Hugo

quinta-feira, junho 19, 2008



"Algumas pessoas dão e perdoam, Outras recebem e esquecem."


Padre Mustafa

quarta-feira, junho 18, 2008

Um cão-leitor!

Apresento-vos o meu cão: um boxer com 12 anos de vida.

O meu cão lê, podem crer! Lê os meus gestos, lê na entoação que dou às palavras, aquilo que lhe quero dizer...

Agora, já bastante surdo, lê nos meus lábios, o que lhe quero transmitir.
O Rufy é um cão muito especial!

maria eduarda

Os outros


- Consideram-no uma pessoa céptica ou pessimista. Revê-se nisso?

J.Saramago - Não sou uma espécie de narciso que se vê ao espelho e diz "olha que bom, que pessimista que tu és". Parece que o que é bom é ser optimista. Mesmo que não haja nenhuma razão para isso. Há pessoas que têm razões para estarem contentíssimas com o mundo, têm tudo o que querem.

- O que é que lhe falta?

J.Saramago - Não me falta nada. Mas eu não sou um exemplo do que é viver neste mundo. Sou um privilegiado. Mas não posso estar contente. O mundo é o inferno. Não vale a pena ameaçarem-nos com outro inferno porque já estamos nele. A questão é saber como é que saímos dele.

Júlio Dinis - Ideias que me ocorrem


Muita vez haveis de ter ouvido contar um caso notável, acompanhado das mais curiosíssimas circunstâncias, um grande e horroroso crime, por exemplo, acontecido entre pessoas que vos são desconhecidas. O caso é de si bastante para vos espantar, independentemente das personagens e, efectivamente, por um momento pasmais do que ouvis. Mas a impressão embota-se, extingue-se e cedo pensais em outra coisa, porque ignorando o carácter das pessoas a quem mais directamente o caso afecta não podeis prever a natureza das paixões que elas suscitaram. Não as conhecíeis antes para poder calcular o reflexo psicológico desse facto.

Contem-vos, porém, um acontecimento muito mais simples, um desses casos comuns na história de todas as famílias, mas que se refere a pessoas de cujo carácter, de cujo viver, de cujos hábitos estais bem ao facto e a notícia vos impressionará muito mais do que a outra e correreis de memória, uma por uma, aquelas pessoas, calculando e prevendo pelo conhecimento que tendes delas o estado em que esse acontecimento as conservará.

Júlio Dinis, in "Uma Família Inglesa"

O verdadeiro discípulo é aquele que supera o mestre.

Aristóteles

terça-feira, junho 17, 2008

Catedral de S.Estevão, Viena - 2008
Foto:g.ludovice

"(...) A coisa certa e o tempo de que ela precisa estão ligados por uma força misteriosa, como uma escultura com o espaço a que pertence ou um lançador de dardo com o alvo em que acerta sem olhar para ele.(...)"

In: O homem sem qualidades, Robert Musil

A obra literária

" A letra adormece para acordar diferente. A obra literária (de littera) tem a vida que eu, leitor, lhe insuflo, é na minha consciência que emerge do reino do nada, só ressuscita quando volta a significar (lato sensu) e só significa mediante os leitores, um leitor."

Jacinto do Prado Coelho - in A Letra e o Leitor

Aparências



"Os homens deviam ser o que parecem ou, pelo menos, não parecerem o que não são. "

William Shakespeare

A Luavezinha

( primeira estória para a Rita )
Minha filha tem um adormecer custoso.Ninguém sabe os medos que o sono acorda nela. Cada noite sou chamado a pai e invento-lhe um embalo.Desse encargo me saio sempre mal. Já vou pontuando fim na história quando ela me pede mais:
- E depois?
O que Rita quer é que o mundo inteiro seja adormecido. E ela sempre argumenta um sonho de encontro ao sono: quer ser lua. A menina quer luarejar e, os dois, faz contarmo-nos assim, eu terra, ela lua. As tradições moçambicanas ainda lhe aumentam o namoro lunar. A menina ouve, em plena verdade da rua: "olha os cornos da lua estão para baixo: vai cair a chuva que a lua guarda na barriga".
Me deu um destes dias, a ideia de lhe contar uma estorinha para fazer pousar o sonho dela. E desencorajar seus infindáveis "e depois". Lhe inventei a estória que agora vos conto.
Era uma avezita que sonhava em seu poleirinho. Olhava o luar e fazia subir fantasias pelo céu. Seu sonho se imensidava:
- Hei-de pousar lá, na lua.
Os outros lhe chamavam à térrea realidade.Mas o passarinho devaneava, insistonto: vou subir lá, mais acima que os firmamentos. Seus colegas de galho se riram: aquilo não passava de menineira. Todos sabiam: não havia voo que bastasse para vencer aquela distância. Mas o passarinho sonhador não se compadecia. Ele queria luarar-se. Pelo que o tudo ficava nada.
Certa noite, de lua inteira, ele se lançou nos céus, cheio de sonho. E voou, voou, voou. Perdeu conta do tempo. Em certo momento ele não sabia se subia, se tombava. Seus sentidos se enrolaram uns nos outros. Desmaiou? Ou sonhou que sonhava? Certo é que seu corpo foi sacudido pelo embate de um outro corpo.
E pousou naquela terra da lua, imensa savana pétrea. A ave contemplou aquela extensão de luz e ficou esperando a noite para adormecer. Mas noite nenhuma chegou.
Na lua não fazia dia nem noite. É sempre luz. E o pássaro cansado da sua vigília quis voltar à terra. Bateu as asas mas não viu seu corpo se suspender. As asas se tinham convertido em luar. Com o bico desalisou as penas. Mas penas já nem eram: agora simples reflexos, rebrilhos de um sol coado. O pássaro lançou seu grito, esses que deflagrava antes de se erguer nos céus. Mas sua voz ficou na intenção. A ave estava emudecida. Porque na lua o céu é quase pouco. E sem céu não existe canto.
Triste, ela chorou.Mas as lágrimas não escorreram. Ficaram pedrinhas na berma da pálpebra, cristais de prata. A avezita estava cativa da lua, aprisionada em seu próprio sonho. Foi então que ela escutou uma voz feita de ecos. Era a própria carne da lua falando:
- Eu sonhei que tu vinhas cantar-me.
- E porquê me sonhaste?
- Porque aqui não há voz vivente.
- Eu também sonhei que haveria de pousar em ti.
- Eu sei. Agora vais cantar em luar. Eu sonhei assim e nenhum sonho é mais forte que o meu
.
É assim que ainda hoje se vê, lá na prata da lua, a pupila estrelinhada do passarinho sonhador. E nenhuma criatura, a não ser a noite, escuta o canto da avezinha enluarada. Sobre as primeiras folhas da madrugada, tombam gotas de cacimbo. São lagriminhas do pássaro que sonhou pousar na lua.
- E depois, pai?
Mia Couto, "A luavezinha", in Contos do Nascer da Terra

segunda-feira, junho 16, 2008

"aquele tipo que fez aquela coisa do cão que bebeu as lágrimas da mulher"


Como é que gostava de ser recordado? O Nobel português?
J.S. Gostaria de ser recordado como o escritor que criou a personagem do cão das lágrimas [Ensaio sobre a Cegueira]. É um dos momentos mais belos que fiz até hoje enquanto escritor. Se no futuro puder ser recordado como "aquele tipo que fez aquela coisa do cão que bebeu as lágrimas da mulher", ficarei contente. Se alguém procurar naquilo que eu tenho escrito uma certa mensagem, atrevo-me pela primeira vez a dizer que essa mensagem está aí. A compaixão dessa mulher, que tenta salvar o grupo em que está o seu marido, é equivalente à compaixão daquele cão que se aproxima de um ser humano em desespero e que, não podendo fazer mais nada, lhe bebe as lágrimas.

José Saramago 15.06.2008, por Maria José Oliveira (PÚBLICO) e Paulo Magalhães (Renascença)

"Aparição" - Vergílio Ferreira

Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de Verão entra pela varanda, ilumina uma jarra de flores sobre a mesa. Olho essa jarra, essas flores e escuto o indício de um rumor de vida, o sinal obscuro de uma memória de origens.
No chão da velha casa a água da lua fascina-me. Tento, há quantos anos, vencer a dureza dos dias, das ideias solidificadas, a espessura dos hábitos, que me constrange e tranquiliza. Tento descobrir a face última das coisas e ler aí a minha verdade perfeita. Mas tudo esquece tão cedo, tudo é tão cedo inacessível. Nesta casa enorme e deserta, nesta noite ofegante, neste silêncio de estalactites, a lua sabe a minha voz primordial.

Venho à varanda e debruço-me para a noite. Uma aragem quente banha-me a face, os cães ladram ao longe desde o escuro das quintas, fremem no ar os insectos nocturnos. Ah, o sol ilude e reconforta. Esta cadeira em que me sento, a mesa, o cinzeiro de vidro, eram objectos inertes, dominados, todos revelados às minhas mãos. Eis que os trespassa agora este fluido inicial e uma presença estremece na face de espectros...

Mas dizer isto é tão absurdo! Sinto, sinto nas vísceras a aparição fantástica das coisas, das ideias, de mim, e uma palavra que o diga coalha-me logo em pedra. Nada mais há na vida do que o sentir original, aí onde mal se instalam as palavras, como cinturões de ferro, aonde não chega o comércio das ideias cunhadas que circulam, se guardam nas algibeiras. Eu te odeio, meu irmão das palavras que já sabes um vocábulo para este alarme de vísceras e dormes depois tranquilo e me apontas a cartilha onde tudo já vinha escrito... E eu te digo que nada estava ainda escrito, porque é novo e fugaz e invenção de cada hora o que nos vibra nos ossos e nos escorre de suor quando se ergue à nossa face.
(...)
A minha presença de mim a mim próprio e a tudo o que me cerca é de dentro de mim que a sei - não do olhar dos outros. Os astros, a Terra, esta sala, são uma realidade, existem, mas é através de mim que se instalam em vida: a minha morte é o nada de tudo. Como é possível?

Vergílio Ferreira

Romance autobiográfico, filosófico e existencialista em que o homem busca a identidade de si próprio. Alberto Soares chega a Évora, como professor de liceu, com a angústia da morte súbita e recente do pai... Começa uma busca desesperada e corajosa nos terrenos da existência: quem sou eu? que estou cá a fazer? O professor discute arte, cultura, filosofia, mas preocupa-o acima de tudo a existência humana e o sentido da vida.

"Só há um único lugar do Universo que nós temos a possibilidade de mudar: nós próprios."


Aldous Huxley

domingo, junho 15, 2008

Robert Walser (1878/1956),

Sehnsucht nach einem Dolch (composição em 1917, manuscrito sem título)

" Um rapaz e uma rapariga, gente jovem a valer dos nossos tempos. Oskar e Emma de seu nome, amavam-se. Era profundo o seu amor, e ninguém duvidava menos e acreditava com mais fervor neste facto do que eles próprios. Até aqui tudo seria perfeito, só que havia qualquer coisa que lhes faltava, e vamos já dizer o que era esta qualquer coisa estranha e fabulosa que lhes faltava. Ninguém, para onde quer que olhassem, os impedia. Tinham licença, por assim dizer, para se amarem, beijarem, beijocarem e explorarem, sempre que para tal tivessem vontade. Mas era precisamente esse o problema: na ausência de entraves, cada vez menos tinham vontade de se dedicar a esta edificante ocupação. Se alguém viesse intrometer-se e os proibisse de trabalhar, a vontade deles seria tanto mais forte. Os dois bons e excelentes jovens adoeciam por virtude de uma abundância de liberdade, e os seus suspiros tinham por motivo uma falta de obstáculos. Pois a ambição deles, é preciso que se saiba, era a novela italiana, e como é do conhecimento comum as novelas italianas contam a história de amantes que se amam tão fogosamente, tão intimamente e com tão grande paixão apenas porque não devem. Oskar e Emma, entre outras coisas, não tinham sequer pais cruéis e casmurros. Faltava-lhes também o vilão que à noite espreita vilmente por detrás de um arbusto. Sim, é verdade, não tinham sequer um vilão, o inimigo do amor, sempre terrivelmente desconfiado. Mas tinham consciência de todas estas falhas e afligiam-se muito com elas. Ó triste era moderna, quadrangular e abstémia, ó indigna época das companhias aéreas e das viagens à volta do mundo, agora bem vês como às tuas mãos sofrem todos os amantes ávidos de aventuras. O amor de Oskar e Emma morria aos poucos, e porquê? Exacto, por não haver perigo. Ninguém os ameaçava, ninguém lhes fazia frente, e assim começavam a adormecer no cumprimento da sua actividade. Sempre que a actividade é concedida às cegas e sem mais, depressa começa a aborrecer e a retrair os movimentos. É esta a terrível anedota dos tempos em que estamos condenados a viver: tudo é permitido. Mas quando tudo é tão vilmente permitido, quando os amantes podem abraçar-se à vontade, sem que um deles tenha de olhar à sua volta, cheio de receio e sofrimento, para ver se algum perigo se abate sobre eles, tal implica a impossibilidade da novela italiana. Oskar e Emma queriam fazer uma novela, mas ela não singrava, começava a soçobrar. O estilo torna-se flácido. Querer criar uma novela genuína na ausência de qualquer perigo: eis um princípio pouco auspicioso. Os perigos são afinal as veias e os impedimentos são a vida de uma novela. E já não há impedimentos neste mundo sem carácter nem orgulho, incapaz mesmo de alimentar um nobre preconceito. As crianças podem vir ao mundo quando bem entenderem, antes ou depois do laço sagrado. Oskar e Emma bem o sabiam, e uma enorme angústia fincava garras nos seus jovens corações. Os pais deles eram gente sem preconceitos, oh miséria. Mas, na ausência de preconceitos, a novela é impossível. As novelas só podem singrar no terreno selvagem e precioso dos preconceitos arreigados. Onde haja alguém que seja indiferente, e onde não haja ninguém que não seja indiferente, também não pode haver histórias de amor. Nas antigas novelas italianas, ninguém é indiferente, e é por isso, é por isso que Oskar e Emma teriam preferido morrer. Mas morrer não é assim tão fácil na ausência de um punhal que peça para ser desembainhado. Oskar e Emma quase que morrem de saudades de um punhal."

In: Histórias de Amor, Robert Walser,
Relógio D'Água, 2008

A ortografia


Não conhecem o erro ortográfico?
O maior deles é irreversível. Consiste em não o (re)conhecermos. E esse irreconhecimento fez dele uma instituição secreta.
(...)
[Os professores de Português] Incompreendidos, tentam não ceder ao desespero. Perderam as ilusões: estão do lado errado de um cruzamento sem sentido. Não sabem que destino dar a tanto erro ortográfico. Eles bem que explicam a diferença entre o "há" do verbo haver e o "à" que contrai uma preposição e um artigo definido. Quanto à conjugação verbal, bem se esforçam os pobres por levar os alunos a distinguir entre "abraça-se" e "abraçasse". É um inferno de loucos, um mundo de surdos. Ninguém é profeta na sua terra; menos ainda na sua língua.

Aos erros ortográficos somam-se agora, em grande, profusa e incontrolada abundância, os chamados erros de "ortografia oral". De que adianta um homem emendar "póssamos" por "possamos" ou "traze-a" por "trá-la", com a respectiva explicação gramatical? Ao cardume dos alunos junta-se a vasta legião dos conspiradores televisivos, radiofónicos, políticos e desportivos - numa imensa epidemia de labregos linguísticos.

Quando vejo um atleta aceder a prestar o seu depoimento, fico logo em guarda: lá vem bombarda! Ouço os yuppies empresariais, os jovens repórteres ou certos representantes das associações de estudantes - e é um pânico. Há tempos, em S. Bento, ao microfone de uma rádio, um rapaz de Coimbra justificava a turbulência de uma manifestação estudantil dizendo que "as pessoas estavam um pouco excedidas". Mas a uma loucura desportiva ouvi eu que aquela "era uma pista onde a prova tinha sido decorrida"...

A última geração que lê será também a última a não dar erros ortográficos e a fechar a porta atrás de si. Há quem atribua aos escritores toda a culpa desta decadência linguística, acusando-os de prescindir da pontuação e de subverter a sintaxe. Pela parte que me toca, e já não é pecado pecar, disponho-me a ir à santa inquisição da língua explicar a minha transgressão da norma. Sem dúvida que a minha dupla condição de professor/escritor me levará à fogueira. Mas permitir-me-á também usar a forquilha do Diabo e rir da gramática, do Acordo Ortográfico, da reforma e do novo regime de avaliação escolar...

(Lisboa, 22-12-1992)

João de Melo, in Dicionário de Paixões.

sábado, junho 14, 2008

Da língua portuguesa e do seu ensino

Uma língua, num instante dado, ainda não existe, noutro instante já poderemos identificá-la, reconhecê-la, dar-lhe nome. Entre esses dois instantes, por assim dizer unívocos, é grande a dificuldade de apurar até que ponto o que há-de ser já está sendo, ou se o que foi já se transformou o bastante para que seja possível antecipá-lo como forma do que será. É a mil vezes repetida metáfora da crisálida, vida entre duas vidas, simultaneamente criadora e criatura. Assim se terá feito a passagem do latim ao português, com aquela crisálida linguística pelo meio a tentar chegar aos mesmos significados através de outros significantes.
(...)
É por isto que alusões à hora, ao instante, ao momento, à época, regressam com insistência a uma reflexão que deveria orientar-se unicamente para a situação actual, uma vez que é do estado actual da língua portuguesa que me propus ocupar aqui. Aqui que, confesso-o, me fosse de grande gosto, além do proveito que me traria, saber que causas se congregaram para que o português escrito, e presumo que também o falado, atingisse um tão alto grau de beleza e precisão no século XVII, por exemplo, e que enfermidades o atacaram depois e o trouxeram, com algumas intermitências fulgurantes (Almeida Garrett em primeiro lugar), a esta outra crisálida em que se está preparando não sei que insecto, por todos os indícios, provavelmente, um mutante.

Porém, muito mais do que saber que maleitas terão surgido nesse e noutros passados, importaria averiguar as causas, e propor os remédios, se ainda os há, para a acelerada degradação que está acontecendo na língua portuguesa, essa que tanto nos envaidece chamar a língua de Camões, sem nos perguntarmos se o mesmo Camões não a cuspiria da sua boca.

Eu sei, ai de mim, que os optimistas são doutro parecer: dizem eles que a língua não precisou de quem a cuidasse durante todos estes séculos e nem por isso se finou, que uma língua é um ser vivo, como ele iminentemente adaptável, que essa capacidade de adaptação é a própria condição da vida, e que, outra vez metaforicamente falando, depois de bem baralhados os naipes, sempre estarão na mesa as mesmas cartas, isto é, ainda haverá língua portuguesa bastante para que os portugueses saibam do que estão a falar. Oxalá.(...)

José Saramago, in Jornal de Letras, Artes e Ideias, 15 de Novembro de 2000
"No momento em que você disser que nenhum problema é sério, cerca de 99% do problema desaparece. Toda a sua visão sobre o assunto muda."


OSHO, "CONSCIÊNCIA, a chave para viver em equilíbrio"

sexta-feira, junho 13, 2008

Fernando Pessoa - 13 de Junho de 1888

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Com tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço porquê?
É uma sensação abstracta
Da vida concreta -
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...

Como quê?
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.
(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola de outro, e a voz dela!)

Porque oiço,vejo.
Confesso: é cansaço!...

Álvaro de Campos

Poema de F. Pessoa por Maria Betânia

NASCEU FERNANDO PESSOA

Às três horas e vinte minutos da tarde de 13 de Junho de 1888 nascia em Lisboa, capital portuguesa, Fernando Pessoa. O parto ocorreu no quarto andar esquerdo do nº 4 do Largo de São Carlos, em frente da ópera de Lisboa (Teatro de São Carlos).


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui - ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!... (Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas - doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração!
Não penses!
Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Álvaro de Campos


Memória das minhas putas tristes -G.G.Márquez


Este livro fala de quando se chega a velho, está magnífico como tudo que este homem escreve.
Espero que gostem.
"Os pensamentos que escolhemos pensar são as ferramentas que utilizamos para pintar a tela das nossas vidas. Declare a si próprio todos os dias o que deseja da vida. Diga-o como se já o tivesse alcançado!"
Louise Hay

Fernando Pessoa

Álvaro de Campos
Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara, que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele; E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha (excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro: não sou parvo nem romancista russo, aplicado, e romantismo, sim, mas devagar...).

Sinto uma simpatia por essa gente toda, sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte, E sou-o também por minha culpa. Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte: É estar ao lado da escala social, é não ser adaptável às normas da vida, Às normas reais ou sentimentais da vida - não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta, não ser pobre a valer, operário explorado, não ser doente de uma doença incurável, não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria, não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas que se fartam de letras porque têm razão para chorar lágrimas, e se revoltam contra a vida social porque têm razão para isso supor.

Não: tudo menos ter razão! Tudo menos importar-se com a humanidade! Tudo menos ceder ao humanitarismo! De que serve uma sensação se há uma razão exterior a ela?

Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou, Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente: É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio, É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki. Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir. E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.

Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato, E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campos! Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações! Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia! Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos, deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita, tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha olhos tristes por profissão
Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa! Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

E, sim, coitado dele! Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam, que são pedintes e pedem, porque a alma humana é um abismo.

Eu é que sei. Coitado dele! Que bom poder-me revoltar num comício dentro de minha alma!
Mas até nem parvo sou! Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais. Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!
Já disse: sou lúcido. Nada de estéticas com coração: sou lúcido. Merda! Sou lúcido.
Fernando Pessoa

A última frase de Pessoa


Na véspera de morrer, no Hospital de S. Luís,Fernando Pessoa tomou um papel solto e escreveu:

29-11-1935

I Know not what tomorrow will bring

MORREU FERNANDO PESSOA



MORREU FERNANDO PESSOA
Grande poeta de Portugal


Fernando Pessoa, o poeta extraordinário da "Mensagem", poema de exaltação nacionalista, dos mais belos que se tem escrito, foi ontem a enterrar.
Surpreendeu-o a morte,num leito cristão do Hospital de S.Luís, no sábado à noite.
A sua passagem pela vida foi um rastro de de luz e de originalidade.
[...]
Desconcertante, profundamente original e estruturalmente verdadeiro, a sua personalidade era vária, como vário o rumo da sua vida.Ele não tinha uma actividade "una", uma actividade dirigida: tinha múltiplas actividades.

Na poesia não era só ele: Fernando Pessoa; ele era também Álvaro de Campos e Alberto Caeiro e Ricardo Reis.E era-os profundamente, como só ele sabia ser. E na poesia como na vida. E na vida como na arte.
Tudo nele era inesperado.Desde a sua vida, até aos seus poemas, até à sua morte.

Inesperadamente, como se se anunciasse um livro ou uma nova corrente literária por ele idealizada e vitalizada, correu a notícia da sua morte. Um grupo de amigos conduziu-o ontem a um jazigo banal do cemitério dos Prazeres.Lá ficou, vizinho de outro grande poeta que ele muito admirava, junto do seu querido Cesário, desse Cesário que ele não conhecera e que, como ninguém, compreendia.

Se Fernando Pessoa morreu, se a matéria abandonou o corpo, o seu espírito não abandonará nunca o coração e o cérebro dos que o amavam e admiravam. Entre eles fica a sua obra e a sua alma. A eles compete velar para que o nome daquele que foi grande não caia na vala comum do esquecimento.
Tinha 47 anos o poeta que foi ontem a enterrar. Quarenta e sete anos e um grande amor à Vida, à Arte e à Beleza.
[...]
Em frente do jazigo que Fernando Pessoa passa a habitar, Luís de Montalvor, seu companheiro de 24 anos de vida literária, proferiu simples e emotivas palavras em nome dos sobreviventes do grupo "Orpheu".
E disse:
"Duas palavras sobre o trânsito mortal de Fernando Pessoa. Para ele chegam duas palavras, ou nenhumas. Preferível fora o silêncio que já o envolve a ele e a nós, que é da estatura do seu espírito. Com ele só está bem o que está perto de Deus. Mas também não deviam, nem podiam, os que foram pares com ele no convívio da sua Beleza, vê-lo descer à terra, ou antes, subir, ganhar as linhas da Eternidade, sem enunciar o protesto calmo, mas humano, da raiva que nos fica da sua partida.
[...]
Lastimamos o homem, que a morte nos rouba, e com ele a perda do prodígio do seu convívio e da graça da sua presença humana. Somente o homem, é duro dizê-lo, pois que ao seu espírito e ao seu poder criador, a esses deu-lhes o Destino uma estranha formosura, que não morre.
O resto é com o génio de Fernando Pessoa."

Notícia publicada no Diário de Notícias, de 3-12-1935

quinta-feira, junho 12, 2008

Escolha ou destino?



O maior sonho de Eliane Araujoh era conhecer Richard Bach. Dedicou-lhe um livro com a intenção de que, um dia, ele soubesse que, no Brasil, existia alguém que partilhava e amava as suas ideias.
Enviou o livro para a editora em Março/2000 e, um mês depois, por "coincidências" da vida, estava a entrevistar Richard Bach em São Paulo, numa entrevista exclusiva, que durou uma hora.
Aqui está a entrevista, ainda que no português do Brasil. Vale a pena!!!
- Como surgiu a inspiração para escrever o livro "Fernão Capelo Gaivota"?
Richard Bach - Temos muitos níveis dentro de nós. Esta história foi-me dada por um desses níveis. Cada um tem uma história para contar. Eu estava procurando quem eu era e a história apareceu para mim como um filme diante de meus olhos. Eu vi o filme brilhante e escrevi tão rápido quanto pude, mas num determinado momento o filme parou e uma parede estava em minha frente. Foi como este nível tentasse dizer que eu não estava inventando esta história, que esta história não era minha. Ela estava sendo dada para mim por alguém. É como se eu ouvisse: "Se você acredita que você está inventando esta história, tente terminá-la." Eu não podia, eu não conseguia terminar. Oito anos depois, muito longe de onde eu estava, quando a história foi me dada pela primeira vez, às 5 horas da manhã, eu acordei. Havia tido um sonho que era o final desta história. Acordei, fui até a máquina de escrever, escrevi o final e pensei: "Isto é o que acontece! Este é o final da história!". Tive de encontrar este presente sozinho (o final da história) para depois poder compartilhar com outras pessoas, com outras gaivotas.
- Qual foi a obra que você mais gostou de escrever?
Richard Bach - Cada história tem um tempo e um lugar. Cada uma tem um presente para dar. Cada escritor tem que pensar: "Qual é a magia que nos chama a escrever estas histórias?". Quando ele escreve, fica contente com ele mesmo, e o produto desta felicidade é também compartilhar este presente com outras pessoas que têm as mesmas ideias. Quando os escritores escrevem, escrevem suas aventuras. E há pessoas que compartilham estas aventuras com eles quando lêem o que foi escrito. Cada uma das histórias que eu escrevi é uma aventura que eu vivi, seja em ficção ou não, verdade ou não. E eu compartilho estas aventuras com pessoas que têm as mesmas ideias que eu.
- Em seu livro "Um" você fala de suas experiências fora do corpo e da busca da espiritualidade. Como você sente a espiritualidade em sua vida?
Richard Bach - Há uma família que está espalhada por todo o mundo, que tem uma curiosidade de saber que há algo mais além do mundo que podemos ver. Tem que haver algo mais. Esta curiosidade é a espiritualidade, a busca. Somos criaturas de espírito, amor e luz. A minha experiência pessoal é saber que no mundo há mais do que podemos ver. Eu só tive experiências fora do corpo duas ou três vezes. Experiências de felicidade, de não necessitar do corpo para expressar vida. Somos mais que o nosso corpo. Esta experiência não é algo que eu possa controlar. Eu não posso fazer isso quando quero. Aconteceu e eu não sei como e porque, mas aconteceu. Com isso eu pude experimentar o que é não necessitar do corpo. Voar é outro meio de eu buscar a espiritualidade e de entender que há mais no mundo do que isso que vemos. Voar é uma metáfora. Temos que confiar naquilo que nós não podemos ver. Ao voar, eu sei que não posso levantar o avião sozinho, mas consigo voar. Eu aprendi que há um princípio de aerodinâmica. Nós, pilotos, não podemos ver este princípio de aerodinâmica, mas nós confiamos nele. As pessoas que voam, confiam neste princípio. Quanto mais confiamos, mais sentimos liberdade, felicidade e temos uma perspectiva maior daquilo que somos.
- Por favor, uma mensagem para o Brasil.
Richard Bach - Estou muito feliz, embora não entenda uma palavra de português, estou muito feliz de poder estar aqui. Porque esta é a comprovação de que há pessoas em todo mundo que compartilham das mesmas ideias, que sorriem das mesmas coisas, que choram pelas mesmas coisas e gostam das mesmas coisas. Possuem as mesmas ideias. Estas pessoas podem estar separadas fisicamente, mas estão conectadas espiritualmente. Estas pessoas são parte da mesma família. Fico muito feliz em saber que não estou só, e que aqui, como em todo mundo, há pessoas que pensam a mesma coisa que eu. E para todos aqueles que se sentem deslocados, fora do mundo, saibam que não estão só. Há pessoas em todo o mundo que tem a mesma sensação. Somos todos parte de uma mesma família espiritual, todos conectados.
"Os juízes julgam os homens que infringem a lei, os professores preparam-nos para que jamais se sentem no banco dos réus. Os psiquiatras tratam dos homens psiquicamente doentes, os professores educam-nos para que sejam saudáveis. Os soldados aprisionam homens que cometem crimes, os professores educam-nos para que sejam sempre livres. Os professores são poetas da vida."

Augusto Cury

quarta-feira, junho 11, 2008

Não se transplantam para as órbitas oculares
particulares visões do mundo
nem ainda ninguém inventou
conteúdos de vida agradáveis
aplicáveis com adesivo.
Os seus olhos côncavos perderam tijolos.

É isso a fome ter feito rua no corpo.

in: Caixinha com rodas, ed. GEIC

Questionar



Questionar... O quê?
A vida? A morte? A mudança?
Para quê?
A vida corre, porque estou viva e tenciono vivê-la. A morte, essa há-de chegar, e não quero pensar nela, assusta-me!
A mudança, essa acontece quando eu necessito alterar o rumo. Então, mudo os objectivos e planifico ao contrário.
Porquê?
Porque me apetece mudar. Porque decidi fugir à monotonia, ou terei de me habituar a ela?
Mesmo que queira percorrer outro sentido, o destino é o mesmo. Mesmo que, em vez de palmilhar o mesmo caminho para chegar lá, trace outras directrizes, o destino é aquele, onde esperam por mim.

Que fazer?
Deixar-me de raciocínios elaborados e continuar, como habitualmente, o mesmo percurso. Só que, a partir de agora, a monotonia será tratada por você. Não tenciono atribuir-lhe a confiança do tu.
Até a plavra monotonia é monótona!

maria eduarda

V

Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que ideia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
“Constituição íntima das cousas”...
“Sentido íntimo do Universo”...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

"O Guardador de Rebanhos" Alberto Caeiro

Deus



"Mas se Deus é as flores e as árvores
e os montes e sol e luar,
então acredito nele,
então acredito nele a toda a hora..."
Alberto Caeiro

terça-feira, junho 10, 2008

"A leitura é uma fonte inesgotável de prazer mas, por incrível que pareça, a quase totalidade, não sente esta sede."
Carlos Drummond de Andrade