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Chego ao quiosque dos jornais e uma menina adianta-se, a dizer que queria um maço de tabaco."Queria?" - pergunta o estanqueiro, subtil. A menina emenda: "queria, não! Quero!". Ah, ah, ah, ih, ih, ih, amigos como dantes. E na face do homem quando me atende, lê-se a alegria benemérita do didactismo satisfeito. A rapariga estava a ser imprecisa e ele corrigiu. Ganhou o dia. Se não em trocos, pelo menos na preservação daquilo que ele pensa ser a bem-falência do português. A menina, natural e espontânea, aplicou a sua "competência" linguística e logo foi despojada pela maiêutica do homem da tabacaria que até podia chamar-se Esteves.
Mas na tabacaria não fornecem água. É na leitaria, ao lado, que me é propiciada, dia sim, dia não, uma prelecção linguística sobre o "copo de água". "Um copo de água!" - pede o cliente distraído, portador daquela lusa mania de diluir o sabor do café. "Um copo de água?", ri-se o empregado, "veja lá!". "Ah, pois", emenda o outro, "um copo com água, claro". Ah, ah, ah, oh, oh, oh! Eu nestas coisas não intervenho. Para quê? Perdia a discussão e passava por iletrado...
Mário Carvalho, in Público, 28 de Maio de 1996
4 comentários:
Gostei!!! Tão distraída e absorvida a ler, que ia responder a julgar que tinha sido escrito por ti. E podia ser!!! A esta hora já estou cansadita, nem reparei no autor.
Acrescentaria às palavras de Mário Carvalho, uma situação, semanal, quando vou comprar fiambre ou queijo "Quero duzentos gramas de fiambre!" Quer a empregada quer os circundantes me olham de esguelha. O que pensarão do meu português?! Estou-me nas tintas e continuo a usar o masculino adequado aos gramas.
Esta situação do "queria", tem-me acontecido. O empregado, sorrindo, chamou a minha atenção. Lá lhe expliquei que é a forma correcta e cordial.Porque será que há pessoas que acham ter sempre razão e são uns iletrados?
Aliás, os franceses até dizem
"Je voudrais..."
Precisamente! E nós, como ensinantes da língua, também a interiorizamos!
Vraiment d'accord, ma chérie!
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