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sábado, junho 07, 2008

Um poema não é uma coisa que se coloca sobre o teu dia como um condimento sobre o teu almoço""


"(...) Os homens não se medem pelos poemas que leram, mas talvez fosse melhor.
O que é a fita métrica comparada com algo intenso?
Há poemas que explicam trinta graus de uma vida e poemas que são um ofício de demolição completa: o edifício é trocado por outro, como se um edifício fosse uma camisa.
Muda de vida, ou claro, muda de poema. (...)"

In: A perna esquerda de Paris, Gonçalo Tavares

2 comentários:

solange disse...

São muito intensos os excertos que vais colocando. Obrigada por nos trazeres textos que obrigam a reflectir, com uma maior concentração. Há dias, aliás, no dia em que foi aqui colocado o excerto "...dos pensamentos" de Robert Musil, eu comentei. Mais uma vez, quando ia a publicar, a net falhou. Já não tive oportunidade de voltar a escrever. Ainda não li nada de Gonçalo Tavares, nem de Musil, pelo que é óptimo que possamos descobrir novos escritores, novas ideias!!!
Fui pesquisar um pouco, quase sem tempo, sobre o escritor Gonçalo Tavares. Fico com tanta pena que não haja tempo suficiente para ler TUDO o que vai aparecendo e, ainda, os antigos que não tivemos tempo de ler!
A tua colaboração é fantástica, continua!
E, já agora, este poema do escritor:

"O livro"

De manhã, quando passei à frente da loja
o cão ladrou
e só não me atacou com raiva porque a corrente de ferro
o impediu.
Ao fim da tarde,
depois de ler em voz baixa poemas numa cadeira preguiçosa do
jardim
regressei pelo mesmo caminho
e o cão não me ladrou porque estava morto,
e as moscas e o ar já haviam percebido
a diferença entre um cadáver e o sono.
Ensinam-me a piedade e a compaixão
mas que posso fazer se tenho um corpo?
A minha primeira imagem foi pensar em
pontapeá-lo, a ele e às moscas, e gritar:
Venci-te.
Continuei o caminho,
o livro de poesia debaixo do braço.
Só mais tarde pensei ao entrar em casa:
não deve ser bom ter ainda a corrente
de ferro em redor do pescoço
depois de morto.
E ao sentir a minha memória lembrar-se do coração,
esbocei um sorriso, satisfeito.
Esta alegria foi momentânea,
olhei à volta:
tinha perdido o livro de poesia.

In 1, Lisboa, Relógio d'Água, 2004

9 de Junho de 2008 9:12

G. Ludovice disse...

De nada Solange, é para mim um prazer participar neste blogue que favorece aquilo que é ler e escrever, o que quer que seja que isso signifique para cada um de nós;
é curioso o poema "o livro".
bj