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sexta-feira, julho 16, 2010

PRESENÇA

Eu tenho em mim os laços que nos ligam neste mundo;
E se estás perto, tenho os sons, a vida doce e nacarada,
O ar fresco da manhã sempre orvalhada
A brilhar, gota a gota, no meu Ser profundo.

Tenho a paz nos tempos mais atribulados,
A prudência quando penso em cair,
A virtude de quem sabe esperar e resistir
À vontade de fugir por caminhos maltratados.

Tenho a consciência de que não sou mais que grão de areia
Na mão de um Deus que sabe que eu existo;
Que sou marinheiro errante num mundo imprevisto
E sou o gigante colossal de uma epopeia.

E se estás perto, sei que a vida está comigo
E o sonho é a via perdida que procuro,
Que me guia no deserto, pelo escuro
Das esquinas onde sempre espreita o Perigo.

Sofia Pedro

sábado, julho 10, 2010

O QUE ME FAZ SENTIR BEM...

O que me faz sentir bem... a música e a cor,
A escrita, o estudo, o desenho e o “poeta-pintor”,
O sol quente na pele, um livro policial a estrear,
A liberdade de escolher o que vestir e o que usar,
Fernando Pessoa e os todos os filmes de acção,
Escrever o que quero sem objectivo e sem obrigação,
Esquecer que as horas existem e que o tempo passa
Estar confortável e ver a chuva através da vidraça,
Beber água fresca numa serra interminável
Gozar a sombra no calor de um dia inigualável,
Passar os meus conhecimentos para o futuro
E marcar a minha passagem por mais que seja duro,
Fazer rir, porque a alegria é contagiante,
Apoiar o destino da vida e fazer seguir em frente...

Olvidar a pessoa por detrás dos sentimentos
E respirar somente a força de todos os momentos...

Sónia Pedro

sexta-feira, julho 02, 2010

VOZ ACTIVA

Tocaram-me de longe… Foi breve o toque,
Mas logo todo o tecido da vida vibrou,
Como ondas que uma pedra alguém lançou
Num lago absorto, agitado pelo choque.

Senti a vida feita de energia invisível
A surgir como luz no meio da escuridão,
E lancei as imagens pré-fabricadas ao chão
Num único movimento imprevisível.

O que foi, o que é e tudo aquilo que será
Não é o que me dizem, mas o que alimentará
Os sonhos que me levam ao longo do caminho.

E se um dia fui aquela voz que eu julgava ser passiva,
Hoje compreendo que para se ser voz activa
Basta esta força omnipresente que não vejo, mas adivinho…

Sofia Pedro

quarta-feira, junho 30, 2010

OPOSTOS

Dentro de mim coexistem
o sol e a lua como iguais,
há dias mais curtos e
noites mais compridas.

Sinto o frio e o calor,
extremos que não controlo,
tenho montanhas colossais
e vales a perder de vista.

Nunca estou a meio caminho,
raramente me encontro nos opostos.
Desejo intensamente o mar
e invejo a areia do deserto.

Olho para mim e não me vejo,
toco-me e não me sinto,
vejo-me e não sei que sou,
sinto-me e ignoro as emoções.

Tudo o que descubro,
ao longo da minha viagem,
é apenas a força de aceitar
os opostos dentro de mim.

Por se afastarem tanto
são difíceis de entender,
mas eu vou conseguir:
é a minha vontade e o meu poder.

Sónia Pedro

sexta-feira, junho 25, 2010

A BORBOLETA

Tira aquelas rosas que colocaste na minha sepultura;
Arruma os lenços com que secas cada lágrima caída;
Apaga as velas e os círios da frágil despedida
De quem pensa que entrei naquela via eterna e dura.

Vai dizer ao mundo que ainda não caí, não expirei;
O silêncio que tu ouves é apenas o início de algo maior,
E se agora sou o pôr-do-sol matizado de tristeza e dor,
Amanhã descobrirás a completude em que me tornarei.

Deixa que os anjos voltem ao céu, num pensamento –
– se não me vês é porque chegou o meu momento,
E no silêncio hei-de transformar-me inexoravelmente.

Arrancarei do peito a perfeição que sempre me atribuíste,
Partirei a frágil redoma de vidro em que sempre me viste,
Libertarei os grilhões desta prisão e seguirei em frente...

Sofia Pedro

sexta-feira, julho 18, 2008

A poesia

"A poesia é a verdade transformada em sentimento. A lei descoberta por Newton tanto pode ser exemplificada num livro de Física como cantada num livro de versos"


Guerra Junqueiro

terça-feira, julho 15, 2008

AS PALAVRAS


As palavras
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,

Eugénio de Andrade

sexta-feira, julho 04, 2008

Rindo


"Não choremos jamais a mocidade!
Envelheçamos rindo! Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos
dando sombra e consolo aos que padecem!"

OLAVO BILAC

sexta-feira, junho 27, 2008

A Rosa do Mundo

Há muitos e muitos milhares de anos, a poesia aproximou-se do homem e tão próximos ficaram, que ela se instalou no seu coração. E começaram a ver o mundo conjuntamente estabelecendo uma inseparável relação que perdurará para sempre.
Não demorou muito a que a poesia se emancipasse, autonomizando-se. Como uma rosa de cujas pétalas centrípetas emana a beleza e o mais intenso perfume, sem nunca prescindir da defesa vigilante dos seus espinhos, assim cresceu livre a poesia carregada de silencioso mistério e sedução.

Evitou sempre a vaidade. Mas o vento da história, inapercebidamente, por vezes, demorou-se nela libertando o seu perfume, soltando os seus enigmas, fazendo-a avançar com todo o esplendor. E nada existe que a poesia não tenha experimentado, desde o mais recôndito silêncio do deserto, ao fragor das batalhas mais sangrentas. Da mais humilde das intimidades, ao luxo sinuoso do palácio. Com o tempo, e já depois da comunhão primordial, era o homem, por necessidade de uma comunicação maior, que a procurava e lhe abria o coração até que ela, muito discretamente, voltava a estremecer no seu sangue.

Poesia e homem criaram assim uma cúmplice e indissociável relação por todo o mundo, embora a História pouco se tenha disso apercebido. Hoje sabemos que haverá sempre seres humanos que a reconhecem pela substância do seu silêncio.
Pelo tempo e lugar do seu rigor de ave de arribação. Pelo seu fulgor. Pelo seu perfume. Pela riqueza inesperada das suas sugestões. Com um pequeno gesto os poetas soltam o seu pólen que, levado pelas palavras, vai eternamente fecundando os arcos da beleza que erguem o universo e o põem em comunicação com Deus.

Manuel Hermínio Monteiro, "À maneira de uma cosmogonia", in Rosa do Mundo - 2001