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segunda-feira, julho 07, 2008

"Adeus à hora da largada"

Minha Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar como esperaste nas horas difíceis
Mas a vida matou em mim essa mística esperança
Eu já não espero
sou aquele por quem se espera
Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos partidos para uma fé que alimenta a vida.
Hoje somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados
a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz eléctrica
os homens bêbedos a cair abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos com fome com sede com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas com medo dos homens nós mesmos
Amanhã entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos a data da abolição desta escravatura
Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram)
Vão em busca de vida.

Agostinho Neto, Sagrada Esperança

2 comentários:

solange disse...

Como eu gosto de Agostinho Neto!!!
Que boa ideia, Gabriela, colocar aqui um dos grandes poetas do séc. XX.
Li tudo deste poeta. Analisei a sua obra ao pormenor, poema a poema, frase a frase, palavra a palavra, com a "ajuda" preciosa de jovens de 16, 17, 18 anos que tinham ânsia de conhecer a obra, julgando já conhecerem o homem. Foi uma das experiências mais gratificantes da minha vida, esses anos em que eu própria tive de analisar e reflectir toda a obra, para poder interpretá-la e questioná-la com aqueles jovens angolanos. E já lá vão 30 anos! Ainda hoje releio alguns poemas de "A Sagrada Esperança". E são tantos, tão intensos, tão dramáticos, tão reais.
Eu agradeço!!!

didium disse...

Bi(não conseguirei nunca tratar-te de outro modo!), ainda bem que te antecipaste e colocaste um post de poesia africana!
Hoje vai o meu contributo.
:)