O livro intitula-se Picasso & Lump - a história do cão que comeu um Picasso e acaba de ser lançado pela editora Guerra e Paz. São fotografias e alguns textos da autoria de um conhecido fotógrafo David Douglas Duncan. Este homem, de nome aliterante (DDD), foi fuzileiro naval e tornou-se para a revista Life fotógrafo de cenários de guerra, em particular das guerras da Coreia e do Vietname. Mas conheceu Picasso, interessou-se profundamente por ele enquanto homem e artista de génio e publicou neste domínio três livros: Picasso"s Picassos, Picasso and Jacqueline e Goodbye Picasso. Em dada altura da sua vida, a Mercedes-Benz fabricou um Gullwing especial para receber em troca um conjunto de fotografias de Duncan. É nesse Mercedes-Benz que um dia Duncan se dirige à morada de Picasso, a famosa Villa La Californie, acompanhado pelo seu pequeno cão, co-piloto como lhe chama, de nome Lump, que significa "pequeno malandro". Lump chega, entra, vê a casa e resolve ficar, fascinado pelo lugar e os seus habitantes, por Jacqueline e Picasso. É esta nova situação que está na origem do curiosíssimo e original livro agora editado pela Guerra e Paz.Que faz que uma pessoa se deixe cativar por um cão? Num dos volumes da Taschen agora divulgados pelo PÚBLICO, aquele dedicado ao arquitecto japonês Ando, vemos a certa altura uma fotografia do arquitecto com o seu cão. Nome do cão? Inevitavelmente, Corbusier. Tal como o meu primeiro cão em França se chamou Spinoza, o que criava alguns equívocos quando numa livraria o chamava para junto de mim. A dada altura, o cão torna-se um grande interlocutor, por vezes o único. Numa viagem que fiz de carro, conversava muito com o Spinoza, e de tempos a tempos parava para lhe oferecer um gelado que ele adorava.Mas que faz que um cão se deixe cativar por uma pessoa? Como sempre, não sabemos, mas adivinhamos que um olhar nos interroga. Neste caso, o espantoso, comovente e quase dilacerante olhar de Lump. Lump para o qual logo no primeiro dia Picasso fez um coelho de papel que ele rapidamente devorou. Lump que Picasso imortalizou no modo como o pintou, mais alongado do que ele próprio era, num prato de cerâmica. Lump que aparece a substituir o cão que Velasquez colocara à direita das Meninas, e de que Picasso fez variadíssimas versões. Lump que aparece assim definitivamente na história da pintura. Lump que entrava no atelier de Picasso, no meio daquela imensa desordem e das cadeiras partidas e com a verga rebentada, e que deixava cair uma pedra que sempre trazia na boca para tentar dizer que estava ali e chamar a atenção. Lump que ficava horas a fio ao lado de Jacqueline a ver Picasso pintar. E que abusava de todos os privilégios, que os outros cães da casa, o Yan ou a Esmeralda, não tinham. E que por isso durante as refeições subia para o colo de Picasso e comia à mesa. Lump que morreu em 1973, no ano da morte de Picasso.Tudo isto nos mostra Duncan num livro que se vê e lê numa espécie de encantamento. Trata-se da melhor abordagem, não à pintura de Picasso, mas ao homem que está por dentro dessa pintura. E por outro lado a esse mundo de esvoaçantes pombas brancas onde se afirmava o amor de Jacqueline por Picasso.
Eduardo Prado Coelho
1 comentário:
Desconhecia esta história, muito interessante.
Mais uma vez a fidelidade do cão, que morre no mesmo dia do dono!
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