Estou ainda em longa viagem, Pai.
Há dois anos que não deixo os meus olhos concentrarem-se no teu sorriso e não te encontro no sofá de baloiço na varanda, a esticares os teus brilhos para o horizonte verde nem me deparo com esses sonhos todos nas abas dos teus gestos, neles pendurados como animais teimosos enquanto sobre as teclas do piano, os teus braços e mãos valsam.
Pois é Pai, isto das viagens, é todo um mundo.
Apesar de ter tempo, é-me penoso usar algum dos meios de comunicação acessíveis a qualquer um, para apenas ouvir a tua voz. Não o tenho feito, estar em viagem não é fácil como o sabes.
Sim, tenho tido momentos de mão no queixo em algum sítio, e lá andas tu como em casa pelos meus pensamentos a espreitar aqui e ali nessa curiosidade de mais velho, que sabe que o mundo está sempre a mudar. Por vezes, apareces nalgum sonho a meio das minhas noites andantes cheias de desluas ou de luminosidades tão absolutas Pai, que é logo em ti que penso para naquele momento vermos o mesmo.
Viajo há dois anos Pai, e como te disse não é por falta de minutos e horas, que tenho adiado um postal que fosse, mas é como se me quisesse convencer que o facto de poder pensar em alguém é já beijá-lo e levar-lhe todo o meu último mundo; deve parecer-te um pensamento meio estranho, mas por sinal é até de grande utilidade e anima-me nesta viagem que se estende faz hoje, precisamente dois anos.
Hás-de perdoar, este meu silencio. Talvez tenhas já sentido o beijo.
Sim Pai, não foste tu que morreste... sou eu que ando por fora faz tempo.
7 comentários:
Que lindo Gabi!
Onde quer que o teu Pai, meu tio Zé esteja, já sentiu inúmeras vezes o teu beijo.
E acredita, eu ando por fora há tantos anos, e todos os dias beijo a minha Mãe, e convenço-me que o abraço que dei ao meu Pai, há quase dois anos, ainda não foi o último...
Beijos minha amiga!
Thanks Amiga..
Este texto é também muito belo!!! Tanto quanto o do A. L. A., deixemo-nos de falsas modéstias. Escreves muito bem, com um estilo próprio,com palavras novas e tão adequadas.
Gosto muito de ler a tua prosa e emocionei-me muito ao ler-te, hoje.
Este texto ao "Pai" é maravilhoso, de uma grande ternura e com o saber a que nos vais habituando. Obrigada por nos teres deixado ler "esta carta" para "esse cavalo que faz sombra no mar"!!!
Bjo
E eu, volto a ler este teu texto, emocionante, belo, inteligente, também.
Beijocas prima, amiga, irmã!
muchas gracias.. Didum e Solange.
yap, se temos cavalos que fazem sombra no mar.. e já o mar de si é tanto... q imaginar? q sentir? q fazer? como segurar isso?
bj
A esses "cavalos que fazem sombra no mar", não os podemos segurar, porque foram sempre muito longe, nem sei se teremos sequer a força necessária para lá chegar, e conseguir apoderar-nos do horizonte imenso,onde eles remaram muitas vezes contra a maré.
sIM. Acredito q segurar é apenas manter em equilíbrio dentro de nós, o evaporado.. era a esse agurar q me referia, o difícl e belo rasto desarrumado algures em nós..
bj
Enviar um comentário