Vou iniciar este relato, partindo de hoje, da minha vivência actualmente, e a partir desta reflexão, recuar no tempo e no espaço, para vos falar das minhas leituras, enquanto miúda.
Por mais que me digam que já estou cá há muitos anos, que esta terra é minha, e várias outras alegações, eu continuo e continuarei a sentir que a minha terra se situa em África, mais precisamente em Angola, no Lubango, outrora Sá da Bandeira.
Há uma época importantíssima na nossa vida, que nos marca, nos molda, nos educa, essa fase é a nossa infância. A seguir deparamo-nos com o crescimento, as angústias, as descobertas, as grandes amizades, as procuras... é a fase da adolescência.
Se eu nasci em Sá da Bandeira, vivi lá a minha infância e a minha adolescência até aos 19 anos, como poderei ignorar tudo o que fez de mim o ser que sou hoje?
Como poderei esquecer o lar onde me incluía? Como encarar hoje a morte da pessoa que me deu à luz, que lá está enterrada, na sua terra de direito, e não sentir nostalgia, saudade? Como não me sentir também angolana?
Havia livros em minha casa, muitos livros, e revistas também. Lá estavam enfileirados na estante, as obras completas de Eça de Queirós, de Júlio Dinis... E eu, muito nova deliciava-me em lê-los, sempre entusiasmada. Lembro-me perfeitamente da minha Mãe me pedir ajuda: "Eduardinha, vem fazer a cama!",ou, "Eduardinha, vem arrumar a tua roupa!", e a Eduardinha, sentada no sofá, livro aberto no colo, respondia:"Já vou, Mãe!", e não me ausentava do sofá. A minha Mãe espreitava e desistia. E assim li todos esses romances, vibrando com todos os episódios, viajando para aquele tempo, tomando partido de alguma personagem e enriquecendo o meu vocabulário.
No liceu, mesmo no Secundário, as minhas redacções eram lidas à turma, quer pela sua originalidade, quer pela correcção linguística.
E as leituras ficaram interiorizadas, e foram na certa, assimiladas. E o que hoje sou, é o reflexo do que, neste caso, a minha Mãe me deixou ser.
E nesta terra, Almodôvar, fui-me aproximando de uma conterrânea, de seu nome Solange, a quem eu chamo Solange Maria, e ela ri-se desta minha invenção. E com esta pessoa fui-me identificando nas leituras dos livros, e nas outras que fazemos da vida. Partiho com ela os saberes e também as preocupações. Comecei a sentir que há alguém muito próximo de mim, que pensa como eu, que se ri em simultâneo, que fala comigo com o olhar. E este blog mais nos aproximou, cimentou a nossa amizade. E sabes que mais Solange Maria? A minha vida sem a tua presença e a tua amizade seria mais pobre e vazia.
maria eduarda
4 comentários:
Tão bonito o escreves e partilhas…
Angola também é a minha Terra e vim de lá com 5 anos ;-)
Emociona-me que tu e a “Solange Maria” sejam assim próximas, amigas!
Também me lembras a Luna que, às vezes, não vai arrumar o quarto porque está ocupada com algo…
Os patins, alguma brincadeira, os livros, outras vezes o computador!...
Outros tempos e as mesmas rotinas.
Gosto muito da tua Mãe, damo-nos bem.Eu sei que tu também nasceste em Angola.
Bjs
Orgulho-me da tua amizade, das palavras certas em directo ou em sms, nos piores momentos da minha vida.
Vi em ti um exemplo de vida e de coragem, pela razão maior que é continuar a acreditar na vida, depois de perder a mãe, uma mãe como a tua, meiga, linda, jovem, sempre a querer o melhor para ti.
Ainda no ano passado, em outro momento difícil, ao criares este blog (quase a festejar o 1º aniversário), deste-me uma força enorme ao convidares-me para contigo o partilhar. Enquanto nos envolvemos nestas leituras e escritas, crescemos enquanto pessoas, reflectimos no que de bom e de menos bom nos acontece, tentamos dar o melhor de nós!!!
Temos “crescido” e aprendido muito juntas!
A tua relação com os livros, neste relato tão simples e bonito, naqueles tempos em que tinhas a mãe e a terra, é das melhores relações que podemos ter. E a mãe que desistia de te interromper as leituras, fez de ti, como bem dizes, a pessoa que és.
E a amizade é o sentimento mais nobre, porque nada exige, porque nos permite dar, sem esperar nada em troca, porque nos permite receber, sem nos sentirmos obrigados a retribuir. É um sentimento natural que depois de iniciado é eterno!!!
E como o tema do que escreveste são os livros, vamos, então, continuar a ler. Eu estou, neste momento, a fazer a viagem com o elefante :)!!!
:D :D :D
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