Era mesmo ele, vestido com a peliça cinzenta e o boné de orelhas, mas trazia debaixo do braço um grande volume, comprido, embrulhado num papel castanho. O velho homem aproximava-se lentamente, acertando com dificuldade no traçado do caminho. Passou pelos dois áceres que mal se viam no meio daquela brancura, o boné dançou por uns momentos acima da sebe e depois desapareceu.
— É ele! — repetiam. — É mesmo ele!
Não sabiam o que trazia o tio Vicente, mas o coração pôs-se-lhes a bater muito depressa. Mal os pés do velho bateram na soleira de pedra, Gerardo correu a abrir a porta.O ar que entrou ao mesmo tempo que Vicente vinha salpicado de flocos brancos. O fogo crepitou mais forte e depois fez-se silêncio. Estavam ali os quatro a olhar para o tio Vicente e para o seu embrulho muito bem atado.
Vicente pousou o embrulho em cima da mesa, tirou os óculos, limpou-os devagarinho, assoou-se, voltou a pôr os óculos e aproximou-se do fogo, a esfregar as mãos, que faziam um ruído como se fossem de lixa.
— Está-se melhor aqui do que lá fora — disse ele.
As crianças estavam impacientes. Uma de cada lado da mesa, miravam o embrulho sem ousarem tocar-lhe. O velho homem parecia que sentia prazer em fazê-las esperar. Observava-as pelo canto do olho e deitava uns sorrisos cúmplices aos avós.
Por fim, virou-se e disse:
— Então, por que esperam para o abrir? Não sou eu que vou desmanchar o embrulho!
Quatro mãozinhas voaram ao mesmo tempo. Eram muitos nós e estavam muito apertados.
— Avó, empresta-nos a tesoura…
— Não — disse Vicente. — É preciso aprender a paciência e a economia. Desfaçam os nós e não estraguem nada, quero recuperar o fio e o papel.
Foi preciso ter paciência, magoar as unhas, aborrecer-se um bocadinho. O tio Vicente ria-se.
Os avós, tão impacientes como as crianças, esperavam, seguindo com os olhos todos os seus gestos. Finalmente o papel foi retirado, e surgiu uma caixa comprida de madeira avermelhada e luzidia. Era mais larga num lado do que no outro. Vicente aproximou-se lentamente e abriu-a.
No interior, numa cama de veludo verde, dormia um violino.
— Aqui está, e tudo isto feito com a vossa árvore — disse o Vicente.
— Meu Deus — repetia a avó, que juntara as mãos em sinal de admiração. — Meu Deus, que lindo que é!
— Ora, uma destas!... com que então!... — gaguejava o avô. — Sabia que eras habilidoso, mas não tanto!
O velho artesão sorria. Passou várias vezes a mão pelo bigode antes de dizer:
— Percebem agora por que é que não queria deixar-vos entrar na estufa? É que veriam lá violinos, guitarras, bandolins e muitos outros instrumentos. E vocês teriam adivinhado tudo. É verdade! Sou luthier. Faço violinos… E o ácer, sabem, é a madeira que melhor canta.
A sua mão avançou lentamente para acariciar o instrumento, depois retirou-a a tremer.
— Então? — disse ele a Gerardo. — Não queres experimentar? Não queres fazer cantar a tua árvore? Anda lá, podes pegar nele. Olha que não morde, fica tranquilo.
O rapaz retirou o violino da caixa e pegou nele como via fazer aos músicos. Pousou o arco em cima das cordas e fez sair uma chiadeira horrorosa. A avó tapou os ouvidos, enquanto o gato, acordado em sobressalto, desaparecia debaixo do guarda-loiça. Todos se riram.
— Está bem! — disse o avô. — Se é a isto que chamas cantar!
— Tem de aprender — disse Vicente pegando no instrumento, que colocou debaixo do queixo.
E o velho luthier de mãos enormes pôs-se a tocar. Tocava e caminhava devagarinho em direcção à janela. Imóveis, as crianças olhavam e escutavam.
Era uma música muito suave, que parecia contar uma história semelhante às velhas lendas vindas do fundo do horizonte.
Vicente tocava, e era mesmo a alma da velha árvore que cantava naquele violino.
Bernard Clavel L’arbre qui chante
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