Enquanto fui poeta, afrontei-me que mo chamassem; hoje tenho pena e saudade de o não poder já ser. Era uma viciosa vergonha a que eu tinha, porque não há melhores nem mais nobres almas que as dos poetas: agora o conheço bem, desde que o não sou, e que sinto as picadas das más paixões e dos acres sentimentos da baixeza humana avisarem-me que está comigo a idade da prosa [...]
Dieta, regularidade e moderação prolongam a juventude do corpo; mas quando a alma chegou a enrugar-se, não há higiene que a desfranza. A minha está velha; e a todos os achaques da velhice, junta essa fatal e matadora saudade do passado. Quanto dera eu por ver e sentir como via e sentia quando pensava pouco e sentia muito! Quem me dera ser o louco, o doido, o poeta que eu tinha vergonha de ser! E de que me serve a reflexão, a experiência, a razão como lhe chamam, se não é para ver de outro modo as ilusões da vida, para as ver do lado feio, torpe, baixo e vulgar, quando eu as via dantes esmaltadas de todas as cores do Íris, belas de toda a poesia que estava na minha alma, grandes de todas as virtudes que eram no meu coração! [...] este título de Flores sem Fruto[...] Nem todas são de Primavera estas flores: há de várias estações: fruto é que nenhuma deu. Deixariam de ser flores poéticas se o dessem[...]
Almeida Garrett
2 comentários:
Aqui está uma reflexão actual e deveras pertinente!
Incrível, mais uma vez, a actualidade das palavras do séc.XIX.
As mudanças acontecem, é absolutamente necessário! E a História permite-nos, ou deveria permitir, aprender com os erros. No entanto, ao nível dos sentimentos, também das acções, os homens repetem-se, séc. após século. Vamos aproveitar as férias para reflectir e tentarmos ser, cada dia, melhores do que no dia anterior.
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