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sábado, agosto 16, 2008

Lágrimas

Toda a literatura consiste num esforço para tornar a vida real. Como todos sabem, ainda quando agem sem saber, a vida é absolutamente irreal na sua realidade directa; os campos, as cidades, as ideias, são coisas absolutamente fictícias, filhas da nossa complexa sensação de nós mesmos. São intransmissíveis todas as impressões salvo se as tornarmos literárias. As crianças são muito literárias porque dizem como sentem e não como deve sentir quem sente segundo outra pessoa. Uma criança, que uma vez ouvi, disse, querendo dizer que estava à beira de chorar, não "tenho vontade de chorar", que é como diria um adulto, isto é um estúpido, senão isto,"Tenho vontade de lágrimas". E esta frase, absolutamente literária, a ponto de que seria afectada num poeta célebre, se ele a pudesse dizer, refere resolutamente a presença quente das lágrimas a romper das pálpebras conscientes da amargura líquida.
"Tenho vontade de lágrimas"! Aquela criança pequena definiu bem a sua espiral.
Fernando Pessoa

2 comentários:

solange disse...

Às vezes, também "tenho vontade de lágrimas"!!! Consigo, quase sempre, contê-las. Hj recebi um mail que me provocou o soltar das lágrimas. Mas a espiral enrolou, fechou, deixou d ser espiral, porq deixou de haver razão para as lágrimas. Afinal, continua a haver razão para risos e gargalhadas, porque a amizade e o amor tudo vencem.
Quando ouvi o pai da Vanessa Fernandes incentivá-la à corrida, não suportei a emoção ao ver aquele pai a dizer à filha "Sofre, sofre, ". Ali, a torcer por ela, com amor e sofrimento! Tive vontade de lágrimas que se soltaram facilmente sem eu conseguir impedi-las.

didium disse...

Engraçado! O mesmo aconteceu comigo! Estou "presque" a ficar convencida, que com o passar dos anos, a sensibilidade está mesmo, mas mesmo à flor da pele.Às vezes é bom "ter vontade de lágrimas", então se forem de alegria...