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segunda-feira, junho 30, 2008
domingo, junho 29, 2008
"Vai aonde te leva o coração"
sábado, junho 28, 2008
Há dias
que todo o lixo do mundo
nos cai em cima
depois ao chegarmos à varanda avistamos
as crianças correndo no molhe
enquanto cantam
não lhes sei o nome
uma ou outra parece-me comigo
quero eu dizer :
com o que fui
quando cheguei a ser luminosa
presença da graça
ou da alegria
um sorriso abre-se então
num verão antigo
e dura
dura ainda.
Eugénio de Andrade
sexta-feira, junho 27, 2008
Agora as palavras
as palavras. A propósito
A Rosa do Mundo
quinta-feira, junho 26, 2008
A indecisão
terça-feira, junho 24, 2008
O menos desolhado
O azul de raridade que o cobre nas amplas costas, é uma pista ali nos prontos arredores.
Esse tempo que usamos da vida dos outros era para ele uma vitória, tinha assim onde existir de modo mais completo, alargando-se abusadamente em outras vidas, ocupando-lhes memórias como se enche uma casa de coisas que se encontram um dia, que não servem de muito, mas ficam lá bem porque o vazio é sinal de pobrezas e ausência de virilidade para os seus moradores.
Antes experimentara a dengosa brancura dos dentes, para subir em considerações no seu estatuto, ser um pouco mais do que um simples homem de futuro oferecido, por o não ter e ser-lhe mais certo poder ofertar aquilo que não havia.
Depois aprendeu por observação severa, que todos os homens com poder acrescentavam utensílios ao sorriso, não bastava o retrato da boca a oferecer o mundo como se ele existisse e tivesse porta de entrada.
Foi a si somando em invenção, também essa sorte deles, que é trazer uma valiosa mulher atrás do seu embelezamento de vida, com pegamento de coração, talvez até.
As grandes conquistas quer fossem das cidades, quer fossem dos povos, quer das mulheres, envolviam sempre coisas que, por poderosas, passavam involuntariamente de umas mãos para as outras. Sabia-o do compêndio de História, reachado numa prateleira de asfalto.
Afastado da possibilidade da feiosa correia de plástico, conseguiu obter uma de pele bem lustrada. O seu marcador de tempo tornou-se o primeiro movimento em direcção ao topo, esse lado que se tem quando se tem também alguém, que faz figura.
Já não mais seria alguém desimportante, estariam desde aí nele concentrados pasmos de caras e habilidades de conversa.
Pela hora da abertura das humanidades, aprendidas moralmente na educação das escolas com cadeiras, roupa em segunda mão chegava das terras, onde o esplêndido mostrador do seu relógio já não é furor para olhos alheios, antes pareceria arrojado na insólita negação de si mesmo, mas é verdade que em vez desse objecto, pode a sua existência ser ainda antes tomada como iluminação em noite crescente, pelo azul turquesa conseguido no casaco das lides internacionais.
A sua grande apoteose é, no entanto, de diferente natureza, ultrapassando mesmo a desvida dos próprios frágeis objectos na sua duração, depois que foi o rebentamento da mina que o abocanhou.
Etiquetas: Escritas in : 2+2=5
Gabriela Ludovice
O amor e a sua correspondência
segunda-feira, junho 23, 2008
Álvaro de Campos - sobre Pessoa e Ricardo Reis
O meu mestre Caeiro, como não dizia senão o que era, pode ser definido por qualquer frase sua, escrita ou falada, sobretudo depois do período que começa do meio em diante de "O Guardador de Rebanhos".Mas, entre tantas frases que escreveu e se imprimem, entre tantas que me disse e relato ou não relato, a que o contém com maior simplicidade é aquela que uma vez me disse em Lisboa. Falava-se de não sei quê que tinha que ver com as relações de cada qual consigo mesmo. E eu perguntei de repente ao meu mestre Caeiro,"está contente consigo?" E ele respondeu:"Não: estou contente." Era como a voz da terra, que é tudo e ninguém.
Nunca vi triste o meu mestre Caeiro. Não sei se estava triste quando morreu, ou nos dias antes. Seria possível sabê-lo, mas a verdade é que nunca ousei perguntar aos que assistiram à morte qualquer coisa da morte ou de como ele a teve.
Em todo o caso, foi uma das angústias da minha vida - das angústias reais em meio de tantas que têm sido fictícias- que Caeiro morresse sem eu estar ao pé dele.Isto é estúpido mas humano, e é assim.
Eu estava em Inglaterra. O próprio Ricardo Reis não estava em Lisboa; estava de volta no Brasil. Estava o Fernando Pessoa, mas é como se não estivesse. O Fernando Pessoa sente as coisas mas não se mexe, nem mesmo por dentro.
Álvaro de Campos, in " Fernando Pessoa. Obra Poética e em Prosa, VOLUME I
domingo, junho 22, 2008
Escritores Médicos
sexta-feira, junho 20, 2008
quarta-feira, junho 18, 2008
Um cão-leitor!
Os outros
Júlio Dinis - Ideias que me ocorrem
terça-feira, junho 17, 2008
Foto:g.ludovice
"(...) A coisa certa e o tempo de que ela precisa estão ligados por uma força misteriosa, como uma escultura com o espaço a que pertence ou um lançador de dardo com o alvo em que acerta sem olhar para ele.(...)"
In: O homem sem qualidades, Robert Musil
A obra literária
Jacinto do Prado Coelho - in A Letra e o Leitor
Aparências
A Luavezinha
- E depois?
O que Rita quer é que o mundo inteiro seja adormecido. E ela sempre argumenta um sonho de encontro ao sono: quer ser lua. A menina quer luarejar e, os dois, faz contarmo-nos assim, eu terra, ela lua. As tradições moçambicanas ainda lhe aumentam o namoro lunar. A menina ouve, em plena verdade da rua: "olha os cornos da lua estão para baixo: vai cair a chuva que a lua guarda na barriga".
Me deu um destes dias, a ideia de lhe contar uma estorinha para fazer pousar o sonho dela. E desencorajar seus infindáveis "e depois". Lhe inventei a estória que agora vos conto.
Era uma avezita que sonhava em seu poleirinho. Olhava o luar e fazia subir fantasias pelo céu. Seu sonho se imensidava:
- Hei-de pousar lá, na lua.
Os outros lhe chamavam à térrea realidade.Mas o passarinho devaneava, insistonto: vou subir lá, mais acima que os firmamentos. Seus colegas de galho se riram: aquilo não passava de menineira. Todos sabiam: não havia voo que bastasse para vencer aquela distância. Mas o passarinho sonhador não se compadecia. Ele queria luarar-se. Pelo que o tudo ficava nada.
Certa noite, de lua inteira, ele se lançou nos céus, cheio de sonho. E voou, voou, voou. Perdeu conta do tempo. Em certo momento ele não sabia se subia, se tombava. Seus sentidos se enrolaram uns nos outros. Desmaiou? Ou sonhou que sonhava? Certo é que seu corpo foi sacudido pelo embate de um outro corpo.
E pousou naquela terra da lua, imensa savana pétrea. A ave contemplou aquela extensão de luz e ficou esperando a noite para adormecer. Mas noite nenhuma chegou.
Na lua não fazia dia nem noite. É sempre luz. E o pássaro cansado da sua vigília quis voltar à terra. Bateu as asas mas não viu seu corpo se suspender. As asas se tinham convertido em luar. Com o bico desalisou as penas. Mas penas já nem eram: agora simples reflexos, rebrilhos de um sol coado. O pássaro lançou seu grito, esses que deflagrava antes de se erguer nos céus. Mas sua voz ficou na intenção. A ave estava emudecida. Porque na lua o céu é quase pouco. E sem céu não existe canto.
Triste, ela chorou.Mas as lágrimas não escorreram. Ficaram pedrinhas na berma da pálpebra, cristais de prata. A avezita estava cativa da lua, aprisionada em seu próprio sonho. Foi então que ela escutou uma voz feita de ecos. Era a própria carne da lua falando:
- Eu sonhei que tu vinhas cantar-me.
- E porquê me sonhaste?
- Porque aqui não há voz vivente.
- Eu também sonhei que haveria de pousar em ti.
- Eu sei. Agora vais cantar em luar. Eu sonhei assim e nenhum sonho é mais forte que o meu.
É assim que ainda hoje se vê, lá na prata da lua, a pupila estrelinhada do passarinho sonhador. E nenhuma criatura, a não ser a noite, escuta o canto da avezinha enluarada. Sobre as primeiras folhas da madrugada, tombam gotas de cacimbo. São lagriminhas do pássaro que sonhou pousar na lua.
- E depois, pai?
segunda-feira, junho 16, 2008
"aquele tipo que fez aquela coisa do cão que bebeu as lágrimas da mulher"
J.S. Gostaria de ser recordado como o escritor que criou a personagem do cão das lágrimas [Ensaio sobre a Cegueira]. É um dos momentos mais belos que fiz até hoje enquanto escritor. Se no futuro puder ser recordado como "aquele tipo que fez aquela coisa do cão que bebeu as lágrimas da mulher", ficarei contente. Se alguém procurar naquilo que eu tenho escrito uma certa mensagem, atrevo-me pela primeira vez a dizer que essa mensagem está aí. A compaixão dessa mulher, que tenta salvar o grupo em que está o seu marido, é equivalente à compaixão daquele cão que se aproxima de um ser humano em desespero e que, não podendo fazer mais nada, lhe bebe as lágrimas.
José Saramago 15.06.2008, por Maria José Oliveira (PÚBLICO) e Paulo Magalhães (Renascença)
"Aparição" - Vergílio Ferreira
(...)
Romance autobiográfico, filosófico e existencialista em que o homem busca a identidade de si próprio. Alberto Soares chega a Évora, como professor de liceu, com a angústia da morte súbita e recente do pai... Começa uma busca desesperada e corajosa nos terrenos da existência: quem sou eu? que estou cá a fazer? O professor discute arte, cultura, filosofia, mas preocupa-o acima de tudo a existência humana e o sentido da vida.
domingo, junho 15, 2008
Robert Walser (1878/1956),
" Um rapaz e uma rapariga, gente jovem a valer dos nossos tempos. Oskar e Emma de seu nome, amavam-se. Era profundo o seu amor, e ninguém duvidava menos e acreditava com mais fervor neste facto do que eles próprios. Até aqui tudo seria perfeito, só que havia qualquer coisa que lhes faltava, e vamos já dizer o que era esta qualquer coisa estranha e fabulosa que lhes faltava. Ninguém, para onde quer que olhassem, os impedia. Tinham licença, por assim dizer, para se amarem, beijarem, beijocarem e explorarem, sempre que para tal tivessem vontade. Mas era precisamente esse o problema: na ausência de entraves, cada vez menos tinham vontade de se dedicar a esta edificante ocupação. Se alguém viesse intrometer-se e os proibisse de trabalhar, a vontade deles seria tanto mais forte. Os dois bons e excelentes jovens adoeciam por virtude de uma abundância de liberdade, e os seus suspiros tinham por motivo uma falta de obstáculos. Pois a ambição deles, é preciso que se saiba, era a novela italiana, e como é do conhecimento comum as novelas italianas contam a história de amantes que se amam tão fogosamente, tão intimamente e com tão grande paixão apenas porque não devem. Oskar e Emma, entre outras coisas, não tinham sequer pais cruéis e casmurros. Faltava-lhes também o vilão que à noite espreita vilmente por detrás de um arbusto. Sim, é verdade, não tinham sequer um vilão, o inimigo do amor, sempre terrivelmente desconfiado. Mas tinham consciência de todas estas falhas e afligiam-se muito com elas. Ó triste era moderna, quadrangular e abstémia, ó indigna época das companhias aéreas e das viagens à volta do mundo, agora bem vês como às tuas mãos sofrem todos os amantes ávidos de aventuras. O amor de Oskar e Emma morria aos poucos, e porquê? Exacto, por não haver perigo. Ninguém os ameaçava, ninguém lhes fazia frente, e assim começavam a adormecer no cumprimento da sua actividade. Sempre que a actividade é concedida às cegas e sem mais, depressa começa a aborrecer e a retrair os movimentos. É esta a terrível anedota dos tempos em que estamos condenados a viver: tudo é permitido. Mas quando tudo é tão vilmente permitido, quando os amantes podem abraçar-se à vontade, sem que um deles tenha de olhar à sua volta, cheio de receio e sofrimento, para ver se algum perigo se abate sobre eles, tal implica a impossibilidade da novela italiana. Oskar e Emma queriam fazer uma novela, mas ela não singrava, começava a soçobrar. O estilo torna-se flácido. Querer criar uma novela genuína na ausência de qualquer perigo: eis um princípio pouco auspicioso. Os perigos são afinal as veias e os impedimentos são a vida de uma novela. E já não há impedimentos neste mundo sem carácter nem orgulho, incapaz mesmo de alimentar um nobre preconceito. As crianças podem vir ao mundo quando bem entenderem, antes ou depois do laço sagrado. Oskar e Emma bem o sabiam, e uma enorme angústia fincava garras nos seus jovens corações. Os pais deles eram gente sem preconceitos, oh miséria. Mas, na ausência de preconceitos, a novela é impossível. As novelas só podem singrar no terreno selvagem e precioso dos preconceitos arreigados. Onde haja alguém que seja indiferente, e onde não haja ninguém que não seja indiferente, também não pode haver histórias de amor. Nas antigas novelas italianas, ninguém é indiferente, e é por isso, é por isso que Oskar e Emma teriam preferido morrer. Mas morrer não é assim tão fácil na ausência de um punhal que peça para ser desembainhado. Oskar e Emma quase que morrem de saudades de um punhal."
In: Histórias de Amor, Robert Walser,
A ortografia
sábado, junho 14, 2008
Da língua portuguesa e do seu ensino
sexta-feira, junho 13, 2008
Fernando Pessoa - 13 de Junho de 1888
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Com tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.
Não. Cansaço porquê?
É uma sensação abstracta
Da vida concreta -
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.
(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola de outro, e a voz dela!)
Porque oiço,vejo.
Confesso: é cansaço!...
Álvaro de Campos
NASCEU FERNANDO PESSOA
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
Pára, meu coração!
Memória das minhas putas tristes -G.G.Márquez
Fernando Pessoa
Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara, que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele; E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha (excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro: não sou parvo nem romancista russo, aplicado, e romantismo, sim, mas devagar...).
Sinto uma simpatia por essa gente toda, sobretudo quando não merece simpatia.
Não: tudo menos ter razão! Tudo menos importar-se com a humanidade! Tudo menos ceder ao humanitarismo! De que serve uma sensação se há uma razão exterior a ela?
Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou, Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente: É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio, É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.
Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki. Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir. E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.
Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato, E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.
Coitado do Álvaro de Campos! Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações! Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia! Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos, deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita, tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha olhos tristes por profissão
Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa! Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!
E, sim, coitado dele! Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam, que são pedintes e pedem, porque a alma humana é um abismo.
Eu é que sei. Coitado dele! Que bom poder-me revoltar num comício dentro de minha alma!
Mas até nem parvo sou! Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais. Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.
Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!
Já disse: sou lúcido. Nada de estéticas com coração: sou lúcido. Merda! Sou lúcido.
A última frase de Pessoa
MORREU FERNANDO PESSOA
quinta-feira, junho 12, 2008
Escolha ou destino?
Enviou o livro para a editora em Março/2000 e, um mês depois, por "coincidências" da vida, estava a entrevistar Richard Bach em São Paulo, numa entrevista exclusiva, que durou uma hora.
Aqui está a entrevista, ainda que no português do Brasil. Vale a pena!!!
- Como surgiu a inspiração para escrever o livro "Fernão Capelo Gaivota"?
Richard Bach - Temos muitos níveis dentro de nós. Esta história foi-me dada por um desses níveis. Cada um tem uma história para contar. Eu estava procurando quem eu era e a história apareceu para mim como um filme diante de meus olhos. Eu vi o filme brilhante e escrevi tão rápido quanto pude, mas num determinado momento o filme parou e uma parede estava em minha frente. Foi como este nível tentasse dizer que eu não estava inventando esta história, que esta história não era minha. Ela estava sendo dada para mim por alguém. É como se eu ouvisse: "Se você acredita que você está inventando esta história, tente terminá-la." Eu não podia, eu não conseguia terminar. Oito anos depois, muito longe de onde eu estava, quando a história foi me dada pela primeira vez, às 5 horas da manhã, eu acordei. Havia tido um sonho que era o final desta história. Acordei, fui até a máquina de escrever, escrevi o final e pensei: "Isto é o que acontece! Este é o final da história!". Tive de encontrar este presente sozinho (o final da história) para depois poder compartilhar com outras pessoas, com outras gaivotas.
- Qual foi a obra que você mais gostou de escrever?
Richard Bach - Cada história tem um tempo e um lugar. Cada uma tem um presente para dar. Cada escritor tem que pensar: "Qual é a magia que nos chama a escrever estas histórias?". Quando ele escreve, fica contente com ele mesmo, e o produto desta felicidade é também compartilhar este presente com outras pessoas que têm as mesmas ideias. Quando os escritores escrevem, escrevem suas aventuras. E há pessoas que compartilham estas aventuras com eles quando lêem o que foi escrito. Cada uma das histórias que eu escrevi é uma aventura que eu vivi, seja em ficção ou não, verdade ou não. E eu compartilho estas aventuras com pessoas que têm as mesmas ideias que eu.
- Em seu livro "Um" você fala de suas experiências fora do corpo e da busca da espiritualidade. Como você sente a espiritualidade em sua vida?
Richard Bach - Há uma família que está espalhada por todo o mundo, que tem uma curiosidade de saber que há algo mais além do mundo que podemos ver. Tem que haver algo mais. Esta curiosidade é a espiritualidade, a busca. Somos criaturas de espírito, amor e luz. A minha experiência pessoal é saber que no mundo há mais do que podemos ver. Eu só tive experiências fora do corpo duas ou três vezes. Experiências de felicidade, de não necessitar do corpo para expressar vida. Somos mais que o nosso corpo. Esta experiência não é algo que eu possa controlar. Eu não posso fazer isso quando quero. Aconteceu e eu não sei como e porque, mas aconteceu. Com isso eu pude experimentar o que é não necessitar do corpo. Voar é outro meio de eu buscar a espiritualidade e de entender que há mais no mundo do que isso que vemos. Voar é uma metáfora. Temos que confiar naquilo que nós não podemos ver. Ao voar, eu sei que não posso levantar o avião sozinho, mas consigo voar. Eu aprendi que há um princípio de aerodinâmica. Nós, pilotos, não podemos ver este princípio de aerodinâmica, mas nós confiamos nele. As pessoas que voam, confiam neste princípio. Quanto mais confiamos, mais sentimos liberdade, felicidade e temos uma perspectiva maior daquilo que somos.
- Por favor, uma mensagem para o Brasil.
Richard Bach - Estou muito feliz, embora não entenda uma palavra de português, estou muito feliz de poder estar aqui. Porque esta é a comprovação de que há pessoas em todo mundo que compartilham das mesmas ideias, que sorriem das mesmas coisas, que choram pelas mesmas coisas e gostam das mesmas coisas. Possuem as mesmas ideias. Estas pessoas podem estar separadas fisicamente, mas estão conectadas espiritualmente. Estas pessoas são parte da mesma família. Fico muito feliz em saber que não estou só, e que aqui, como em todo mundo, há pessoas que pensam a mesma coisa que eu. E para todos aqueles que se sentem deslocados, fora do mundo, saibam que não estão só. Há pessoas em todo o mundo que tem a mesma sensação. Somos todos parte de uma mesma família espiritual, todos conectados.
Augusto Cury
quarta-feira, junho 11, 2008
Questionar
Questionar... O quê?
A vida? A morte? A mudança?
Para quê?
A vida corre, porque estou viva e tenciono vivê-la. A morte, essa há-de chegar, e não quero pensar nela, assusta-me!
A mudança, essa acontece quando eu necessito alterar o rumo. Então, mudo os objectivos e planifico ao contrário.
Porquê?
Porque me apetece mudar. Porque decidi fugir à monotonia, ou terei de me habituar a ela?
Mesmo que queira percorrer outro sentido, o destino é o mesmo. Mesmo que, em vez de palmilhar o mesmo caminho para chegar lá, trace outras directrizes, o destino é aquele, onde esperam por mim.
Que fazer?
Deixar-me de raciocínios elaborados e continuar, como habitualmente, o mesmo percurso. Só que, a partir de agora, a monotonia será tratada por você. Não tenciono atribuir-lhe a confiança do tu.
Até a plavra monotonia é monótona!
maria eduarda
V
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que ideia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
“Constituição íntima das cousas”...
“Sentido íntimo do Universo”...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.