Ao longo dos anos, as cartas entre nós foram uma constante, sobretudo porque saíste de casa muito cedo, rumo à capital.
Aqui em casa, enquanto cá estiveste, todas as noites, quando eu e o pai nos vínhamos deitar, encontrávamos sempre, porque te recolhias primeiro, uma cartinha ou postal escritos a preceito, com ilustrações, quando havia tempo, mais à pressa, nos dias de muito sono, mas sempre com a indicação da hora de acordar. São, como é de calcular, muitas e muitas cartinhas dessas. Fomos, durante os cinco anos que viveste aqui em casa, o teu “despertador”.
Depois, já longe da nossa vista, mas não do coração, chegaram sempre muitas cartas, muitas, muitas, que fui guardando.
Comecei por numerá-las, a certa altura deixei de o fazer. O teu dia a dia chegava em envelopes decorados por ti, com muita criatividade e, alguns, muito engraçados até. Às vezes, pensava no que pensariam os carteiros, perante envelopes com frases e desenhos tão originais!
Tenho algumas cartas escritas também, estando tu cá em casa, connosco, porque querias transmitir algo que te seria mais fácil fazê-lo por escrito. Deixavas a mensagem por aí, para que a descobríssemos. Assim aconteceu em vários aniversários teus, em que, logo de manhã,
éramos nós os primeiros a ser felicitados por tu teres acontecido. É verdade que me emocionaste sempre, ainda hoje isso acontece, com os teus mimos e a tua enorme sensibilidade. Dessas cartinhas de aniversário, tenho presente uma que me marcou bastante, no entanto, por mais voltas que dê, porque a tinha separado das outras num outro sítio, julguei que mais privilegiado, não a encontro. Paciência!!! Quando aparecer, porque está cá, estará sempre a tempo de passar de manuscrita por ti, a teclada por mim.
Procurei-a muito, tive de ler uma e outra carta, e outra, e acabei por encontrar uma que, não tendo sido escrita em dia de aniversário, parece que o foi. Mas não, foi em Setembro, quando tinhas 15 anos, antes de deixares esta casa, para ires estudar fora.
Deixaste-a, no teu quarto, para que eu a lesse mais tarde.
E diz assim:
« Mamã
Durante nove meses sentiste o crescer do meu ser
e, antes mesmo de me conheceres,
já me tinhas amor.
Todas as noites, o teu coração batia forte
e adormecias a pensar em mim.
Ainda não sabias como eu era,
mas deixavas-te levar pela imaginação.
... Sonhos mágicos onde ambas aparecíamos!
A tua vida tornou-se um mundo maravilhoso e misterioso.
E o aumentar da barriga parecia
o crescer da felicidade.
Eu vivia dentro do calor do teu corpo,
estava mais perto de ti do que qualquer outro ser.
Cada dia gostavas mais de mim,
e eu estava presa a ti por um frágil
cordão umbilical.
Foi assim até ao dia em que os teus sonhos se concretizaram.
Não precisaste de puxar mais pela imaginação,
porque eu era real.
Alguém cortou o cordão que nos unia
e, ao contrário do que se possa pensar,
ficámos ainda mais unidas.
A primeira palavra que eu disse foi “mamã”!
E a “mamã” era para mim mais que tudo, mais que a vida.
Fui crescendo entre beijos e abraços.
Fui aprendendo o que é certo e o que é errado.
Tive momentos de alegria... momentos de tristeza...
E hoje, quinze anos passados,
estou aqui, a escrever o que me dita o coração.
Escrevo porque vou partir...
Pela primeira vez!
Vou deixar de dormir no quarto ao lado do teu.
Vou deixar de te dar um beijo antes de me deitar.
Vou deixar...
Vou deixar...
Vou deixar...
Tenho medo!
Será que é possível viver longe de ti?!
Vou tentar!!...
E não vou deixar de te amar!!!!!
Um xi <3(assinado Dinamene)»