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segunda-feira, julho 27, 2009

Para quê o Viajar?

Porque, enfim, para quê o viajar? Todos os filósofos e todos os donos de hotéis são unânimes em dizer que se viaja para ver o que há de interessante no mundo. Ora, no mundo, só há de interessante, verdadeiramente, o Homem e a Vida. Mas para gozar a vida duma sociedade, é necessário fazer parte dela e ser um actor no seu drama: de outro modo, uma sociedade não é mais do que uma sucessão de figuras sem significação que nos passa diante dos olhos: Quando falo de sociedade não me refiro àquela que vem no High Life do Ilustrado: refiro-me às Sociedades, no plural e com S grande. Já o bom Flaubert falava da «melancolia das multidões estranhas». Essa melancolia é a mesma que se sente em vir de longe, para olhar para uma porta fechada. Quem for de Marco de Canavezes e queira gozar a vida, que fique em Marco de Canavezes, na Assembleia, na botica, e nos chás das Macedos! Se vier a Hyde Park ou aos Champs Elysées, vê só a Vida por fora, nos seus contornos exteriores. É como estar a mirar as paredes escuras de um teatro, onde se está a passar, por dentro e em grande luz, uma interessante comédia. Por isso, nós, os Portugueses, pessoas infinitamente filosóficas, chamamos ao viajar: andar por fora. Expressão perfeita e profunda. Andar por fora, que melancolia, que desconsolação, quando estar por dentro é que é o interessante! Dir-me-ão os donos dos hotéis e as companhias de caminhos de ferro que é necessário ir ver a Civilização. De acordo. Mas o que é a civilização de Paris? É o romance de Zola, e a descoberta de Pasteur, e o bom dito de Rochefort: e isso tudo vai ter connosco, onde quer que estejamos, pelo paquete. A melhor maneira de gozar a civilização, é ao canto do lume, de chinelas. Dir-me-ão ainda os donos dos hotéis que se devem admirar os monumentos e que Notre-Dame e Westminster são um elemento de educação. De acordo, estalajadeiros, de acordo! Para isso se inventou a fotografia. E, em resumo, meu querido Bernardo, grande foi a tua sabedoria em não querer andar por fora.

Eça de Queirós, in "Correspondência"

3 comentários:

solange disse...

Pois, não é que eu não goste de viajar. Gosto, sim, muito!!! Mas concordo com o Eça, tão actual sempre!!!
A verdade é que já viajei um pouco (dentro e fora deste belo jardim à beira-mar plantado), poderia fazê-lo mais, no entanto, as minhas opções são outras, das quais não me arrependo. Férias para mim é poder fazer coisas diferentes das que normalmente faço, poder usufruir do meu tempo sem compromissos nem obrigações e, a sério, não vivo obcecada com o desejo de viajar.
Hoje, cada vez mais, algumas pessoas só se sentem em férias se forem viajar, de preferência para o estrangeiro.
É bom que o façam, sim, que vão e que nos tragam belas estórias para contar (ou aos que lhes são próximos), mas que percebam que não viajar pode ser uma opção para outros.
Passeiem, descansem, desanuviem a cabeça com actividades ao ar livre, ao sol, junto ao mar, na montanha, em casa e sejamos todos felizes, cada um à sua maneira, com direito às suas escolhas.

G. Ludovice disse...

viajar é uma ideia larga.. n há um dentro e um fora único, há um estar de modo diferente e isso é possível mesmo no mesmo lugar. Contudo, os olhos receberem uma luz diferente, os cheiros terem-se tornado outros, e os sons vestirem-se de estranheza,,, eis uma oferenda seja em que percurso for.. dizia um sábio oriental que n precisava de sair de um ponto na parede para conhecer o mundo, no entanto, viajar permite voltar.

solange disse...

É lindo, o que escreveste!
Sábias são também as tuas palavras.
Eu sei que viajas e és daquelas pessoas que sabe usufruir plenamente, quando o fazes.
E temo-nos deliciado com as fotos que trazes, quando voltas!!!
«Viajar é uma ideia larga», pois é.