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quinta-feira, setembro 18, 2008

Anton Tchekov

A CONFISSÃO
O dia estava luminoso, glacial... Sentia a alma leve como um cocheiro que recebe por engano uma moeda de ouro em vez de uma de prata. Tinha vontade de rir, de chorar, de rezar... Transportava-me ao sétimo céu. Haviam-me nomeado tesoureiro. O que me regozijava não era tanto a ideia de uns pequenos lucros ilícitos. Nessa época aida não me tornara ladrão e faria em bocados quem me dissesse que, com o tempo, começaria a fazer alguns desvios... Estava contente com outra coisa: com a minha promoção, o aumento insignificante dos meus vencimentos. Apenas isso.
Contudo, existia ainda outro motivo para me alegrar. No mesmo instante da minha nomeação sentira no nariz algo que se assemelhava a óculos cor-de-rosa. Pareceu-me de repente que os homens tinham mudado. Palavra de honra. Passaram por assim dizer a ser melhores. Os feios haviam ficado belos, os maus transformaram-se em bons, os soberbos em humildes, os misantropos em filantropos. Eu andava como que iluninado pela graça. Descobrira na humanidade qualidades que nunca suspeitara. Observava a gente, esfregando os olhos, e pensava: "É estranho ou sucedeu qualquer coisa ou então, dantes, eu era um imbecil e não reparei em todas essas virtudes" e concluí "Como é bela a humanidade."(...)

3 comentários:

solange disse...

Confesso que este texto traduz bem a mudança de sentimentos, em relação a tudo, qdo a vida nos corre bem!
Apenas uma promoção e foi o suficiente para se sentir melhor consigo próprio e com os outros.
Gosto do texto!
Aliás, gosto deste autor, fantástico. Tenho um livrinho, já bem antigo, com um conjunto de notas memoriais/recordações de várias pessoas que privaram com ele, nomeadamente Gorki, de quem era grande amigo, e Olga Knípper, que foi sua mulher e, durante muito tempo, actriz no teatro de Moscovo. O livro, que acaba por ser uma biografia que se lê com muito prazer, dá-nos a conhecer o escritor e, sobretudo, o homem que era simples, muito sensível, de elevados sentimentos e acções.
É sempre bom recordar os grandes escritores!

G. Ludovice disse...

Obrigada Solange, pelo contexto..
é uma verdade o que dizes, de qq modo o conto deriva tb para outras conclusões, a de que os outros mudaram pq tinham de súbito interesses no promovido. Mas como não coloquei o conto todo..

Grande escritor, Tchekov.. e bem interessante como homem !!

solange disse...

Percebo!!!
Até me deu vontade d rir. Infelizmente tb acontece disso.
E quanto me repugna a bajulação!