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quarta-feira, novembro 11, 2009

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

Angola
foto:G.Ludovice 2006


Além do que seja o mar ou as mãos que escrevem páginas cheias, por serem de palavras poucas os lábios que beijam, nada mais me cativa, por vezes. Parecem-se, a esse instante largo dos amantes que se não esvazia do vazio constante. Incessantemente, repito a fuga a tudo o que não é isso.

segunda-feira, novembro 09, 2009

A partida

http://www.hunakulu.blogspot.com/

A hora da partida
não se adia,
não se olha para trás.
Na hora da partida
o corpo deve seguir uno.
Não haja um abraço que falte,
um lugar aonde ir,
um despedir!
Na hora da partida,
os nós rangem
em silêncio,
dentro de cada um de nós.

maria eduarda
~~~~~~~~~~~~~~~~~~
O pior é
quando querendo partir
não conseguimos...
ficamo-nos só pelo desejo
Por muito que os nós ranjam
dentro de nós
é o gelo cá de fora
que nos prende os passos.
Lentamente
despedaçamos a alma
em pedaços
que conservamos
numa mão fechada.
Em@

sexta-feira, novembro 06, 2009

Passagem

Surpreender-me

é saltar barreiras

dentro de mim.

Se as atravesso,

desfazem-se,

eu sei que existem,

por isso,

insisto no salto.


maria eduarda

quinta-feira, novembro 05, 2009

Liberto

Dove of Peace
Pablo Picasso
Voo, a palmos do chão,
ziguezagueando, em acrobacias.
De cima, posso moldar-me
ao vento,à chuva, ao frio.
Se me permite o voo,
os elementos desafio.
Sigo-os como igual,
desabrido, ao natural.
maria eduarda

terça-feira, novembro 03, 2009

Duplicidade

The Temple Bar Pub ...
Sergio Pitamitz


Noites movimentadas,
cidades em delírio,
de tarde, noite, noitinha,
as personagens avançam,
atropelam-se nos ânimos,
afogam-se em ilusões,
definham-se em aptidões.

Manhã, cedo, cedinho,
em ruas quase desertas,
é hora de reerguer,
limpar, lavar a imagem,
recompor a personagem,
retocar a identidade,
no mesmo ser operante.

De dia, calmo semblante,
à noite, noutro cambiante.

maria eduarda

Ser Diferente


A única salvação do que é diferente é ser diferente até o fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade; tomar as atitudes que ninguém toma e usar os meios de que ninguém usa; não ceder a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores; ser ele; não quebrar as leis eternas, as não-escritas, ante a lei passageira ou os caprichos do momento; no fim de todas as batalhas — batalhas para os outros, não para ele, que as percebe — há-de provocar o respeito e dominar as lembranças; teve a coragem de ser cão entre as ovelhas; nunca baliu; e elas um dia hão-de reconhecer que foi ele o mais forte e as soube em qualquer tempo defender dos ataques dos lobos.

Agostinho da Silva, in 'Diário de Alcestes'

segunda-feira, novembro 02, 2009

Parabéns Anabela Magalhães

Uma prenda para ti, tu, que na tua alma de viajante trazes sempre contigo as areias do deserto.

domingo, novembro 01, 2009

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil

Mambo 35

Hoje sou apenas um bamboleado telhado de zinco, para que a chuva seja alguém que se espera em ternuras, de mesa posta, no melhor despido, de espaçosa vaga interior no próprio adentrado chão bem côncavo, para a celebrar em parecenças e a resguardar de desaparecimentos.

Ser, parecer

Entre o desejo de ser
e o receio de parecer
o tormento da hora cindida

Na desordem do sangue
a aventura de sermos nós
restitui-nos ao ser
que fazemos de conta que somos

Quissico, Abril 1981

Mia Couto in “Raiz de orvalho e outros poemas “

quinta-feira, outubro 29, 2009

Luz

Brilhante,
o Sol insiste
em raiar-me o dia.
Com afinco
ilumino-me
e abraço-o.
Talvez me conduza
na escuridão.

maria eduarda

quarta-feira, outubro 28, 2009

A arte de ser feliz

Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade
que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde e, em silêncio,
ia atirando, com a mão ,umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual,
para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem,
para as gotas de água que caíam de seus dedos magros
e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crinças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como reflectidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Às vezes um galo canta.
Às vezes um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela,
uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas,
e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar,
para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

Coisas que se pensam quando qualquer outra coisa seria menos inútil,

foto:G.Ludovice 2009

Verdadeiramente não sabemos partir indo nem partir ficando.
Não existe uma última palavra numa boca que se fechará em actualidade, haveria outra ainda igualmente importante e talvez mais bela; a que contamos como sendo o último pensamento constatado, foi apenas quebrada no seu deslizar.
Nunca nos despedimos de alguém,
mesmo que o nosso adeus seja da consistência de uma pedra.
Havia mais caminho à beira do vento e o que esvoaçar.

terça-feira, outubro 27, 2009

As coisas mais importantes não estão à venda

Pergunta: «Ser filho de um poeta foi determinante para o seu exercício da escrita?»

Mia Couto: «Acho que sim. Mas o meu pai não é apenas um poeta no sentido em que escreve poesia, é um poeta no sentido total, vive em poesia. Lembro-me que, nos momentos mais complicados da Guerra Colonial, passámos por esse período de uma forma totalmente distante, porque para ele o mais importante era irmos ver pelicanos ao final da tarde ou procurar pedrinhas para coleccionarmos. Ele ensinou-nos a procurar pequenas razões para sermos felizes, mesmo no meio dos destroços e é essa a educação que tento transmitir aos meus filhos. Toda a minha família tem a percepção de que as coisas mais importantes não estão à venda.»


Em entrevista a " Dica da semana"

A minha Mãe

Não houve tempo
para despedidas,
de beijos e abraços,
porque ela partiu,
sem estar(mos) preparada(os).
Porque ficámos sós,
filhos em crescimento,
filhos sem colo,
o colo da Mãe.
E porque hoje,
como ontem e sempre,
sinto que não a tenho,
e a explicação
não encontro.
Porque é assim, não é?
É a vida...
Não é o que se diz?
Uns partem, outros nascem...
Mas ela partiu demasiado cedo,
e não nos despedimos!

maria eduarda

O meu Pai

Porque é assim que te vejo,
Dedicado, garboso, voluntarioso.
Porque ficas bem com a tua farda,
cheia de galardões merecidos.
Porque há horas, como as de hoje,
de ontem e amanhã também,
em que sei
que não te posso abraçar.
Porque sinto que o último abraço
soube-me a pouco.
Porque reconheço,
que ainda haveria muito diálogo,
que ficou por ser ouvido.
E agora,
estou só, no meu monólogo.

Gosto de te ver assim vestido!

maria eduarda

segunda-feira, outubro 26, 2009

Atitude

Muitas vezes
vigio-me no meu silêncio,
e tento decifrar-me,
como se de um livro se tratasse.
Algumas vezes
encontro-me só,
no cruzar de conversas,
de conteúdo vazias.
Poucas vezes
deixo de sorrir
quando pretendo
que alguém distraído,
comigo sorria.
Nenhumas vezes
me adianto,
e me centro
ávida de atenção.

O saber vem de dentro,
sem roupagens de momentos,
sem artifícios sedentos
de exposição permanente.
Valiosa é a mente,
instruída, autêntica,
em constante procura,
em saudável loucura.

maria eduarda

domingo, outubro 25, 2009

Ilusão

A ilusão reside em aceitar como certa, a sombra da árvore, quando ela só existe em dias de luz.

sábado, outubro 24, 2009

O ASSALTO

"Um desses dias fui assaltado.

Foi num virar de esquina, num desses becos onde o escuro se aferrolha com chave preta. Nem decifrei o vulto: só vi , em rebrilho fugaz, a arma em sua mão. Já eu pensava fora do pensamento: eis-me!

(...) É assalto sem sobressalto.

Me conformei, e é como quem leva a passear o cão que já faleceu.

Afinal, no crime como no amor: a gente só sabe que encontra a pessoa certa depois de encontrarmos as que são certas para outros."

Mia Couto, in "O Assalto"

quinta-feira, outubro 22, 2009

A minha raiz


Atravesso a vida

assim, como navegante

em águas revoltas,

ou águas serenas.

E remo, sempre,

braço condizente

com a vontade aliciante

de, na água que flui,

me rever nela,

e concluir

que no meu reflexo,

sou o que sempre fui!

maria eduarda

quarta-feira, outubro 21, 2009

Nebuloso Medo

Encontrava-me num daqueles momentos, raros na vida, em que chegamos ao fim de um caminho e poucas opções temos mais que seguir em frente, mesmo que de olhos semi-cerrados.
A passos do cartaz que dizia “dia 15, atira-te de cabeça”, lembro-me da angústia que sentia, da vontade de andar para trás, de fugir na direcção contrária. Olhava timidamente para os lados e não via nada mais a não ser neblina e, em frente, apenas nevoeiro. Nas minhas costas estava uma vida, de alguns sobressaltos e quase sempre feliz, ainda incompleta…
O Medo pode turvar-nos a visão, poderá por vezes assombrar-nos, fazer-nos sombra nebulosa.
Mais perto do mergulho no desconhecido (porque nem todas as mudanças na vida são escolhas planeadas ou pensadas, há escolhas que são urgências, mudanças que se impõem), comecei a vislumbrar finos raios luminosos, indicando-me subtilmente que do lado de lá não estava o fim temido, apenas luz, luz branca e colorida, como na vida.
Fui… Aceitei… mergulhei no, já menos denso, nevoeiro!
Ri-me, sentindo a certeza do meu pulsar… Neste caminho novo que percorro, sinto a vida num trilho largo, longo, até lá onde a vista não alcança…

Para trás do cartaz, medo e sombra, nadas que agora são passado.


Dinamene