O princípio de algo muito desconhecido não é forçosamente favorável à alma humana, oferece demasiada relatividade e é quase sem referências. O que está fora deste corpo é-me tão longínquo neste momento, que parece irreal de tão não familiar.
Para absurdidade, basta estar aqui lançada numa rua desconhecida e comprida, tendo como paisagem frontal um depósito atarracado de água entre uns parcos bancos de jardim desajeitadamente intencional.
... as primeira impressões são analíticas e mal humoradas, ainda que o espírito sensato busque desesperadamente o equilíbrio harmónico (todos os anos no fim do verão, este desenlace com o habitual acontece-me).
Sentada à mesa, do lado direito existe uma lareira a usar e em frente uma porta imensa cheia de vidros, onde se esbate o meu reflexo também sentado...acho que é o único sinal de vida aqui existente, a simplicidade sombria de uma forasteira. O demais está acalentado por um cheiro de estranheza.
Vejo o dito espaço de cama e as sempre mesinhas aos pares, a soletrarem só os humanos são gares onde se penduram solidões como tiras de corpos e eu, sempre sem adivinhar por onde sair para o dia lá fora aqui dentro, se pela direita num namoro ao desalinho dos cds, se pela esquerda agarrada à ideia de não tropeçar na cauda do candeeiro domesticado pelas riscas do tapete.
“ Barco do Amor, Barco do Amor”... o quarto sem mais passageiros que eu imaginando. A sua acastanhada quadratura atada à memória de um outro outono num outro acastanhado quarto de uma outra rua num outro canto do país com outras amabilidades e outros cantos de boca a jorrarem legendas.
Os passos não retidos no tempo a tornarem-me oleira... não aprecio viver com o passado aconchegado, como um pescoço antigo no seu cachecol de lã, se o não posso tornar presente entre os dedos estremecidos de agora.
É outro alguém que lá está, no reflexo dos vidros em frente – imagino a sua história de vida ... algures.
Peço emprestado - mal me envolvi com o não saber de mim aflita com o pensamento e tudo fora de sítio – um rádio de qualquer tamanho (como quem anseia por uma refeição farta, a três quartos de uma grande viajem) para precisamente, localizar-me nalguma melodia!
Que fazer dos dias a presentear ao vento, ao vento que não varre a soleira da porta que dá para onde ?
“ É por tudo o que em nós corre que se vive e que se morre”, cantarolo uma música...
1 Setembro, Almeirm, anos noventas
Diário de Barro
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