Ontem, tive a honra de ter o meu tio, Eduardo Ribeiro, a APRESENTAR o meu 1º livro editado. A análise do meu tio foi maravilhosa, estou-lhe eternamente grata pela sua sabedoria, perspicácia, generosidade e presença. Leiam, pq realmente está uma apresentação maravilhosa!
Tive o grato prazer de ser o apresentador da primeira obra publicada da minha sobrinha Dinamene ‘’Pedaços de mim, partes vossas’’ na Biblioteca Municipal de S. Domingos de Rana - Cascais, ontem, dia 14 de dezembro de 2013. Eis a as palavras de apresentação:
Começo por apresentar a autora, que julgo ser de todos ou quase todos conhecida.
Licenciada em Biologia Marinha e Pesca, trabalha atualmente... no SMAS de Loures e é minha sobrinha. Pertence a pelo menos três grupos tribais a que eu também pertenço: família, já dito, e também cabeça de pungo e escritora como eu. (A partir de hoje tenho de a considerar uma escritora!).
Mas apesar de ser minha sobrinha, quero esclarecer que não terá sido esse atributo que a fez convidar-me para apadrinhar o primeiro livro de sua autoria, nem por eu ser, como ela, um modesto amante das letras e, de um modo geral, de todas as expressões artísticas e culturais.
Presumo que a razão mais provável, conjugada com as outras, é a de eu ter sido, nos últimos anos, investigador sobre a biografia de Camões, centrado na polémica da presença em Macau do nosso Poeta quinhentista, de que dou como exemplo estes dois livros, que aqui vos mostro, por mim publicados e lançados em Portugal no ano passado com a chancela da Labirinto de Letras Editores, e que vou deixar de oferta à Biblioteca Municipal anfitriã deste evento.
Quanto ao teu livro, a primeira palavra é a da surpresa. Esperava encontrar de uma primeira obra aquilo que se espera de uma obra primeira: a hesitação, a insegurança. O que encontrei foi um livro muito interessante, com muita maturidade e escrito de uma maneira muito ágil, fluida e rica. O meu juízo não é, pois, só benigno, é muito mais do que isso, é lisonjeiro e de elevada expetativa de que voarás mais alto.
Dinamene, estás de parabéns. Revelas ser uma mulher observadora, atenta e sensível. Observadora do quotidiano que te rodeia, atenta ao Outro que se cruza contigo e sensível aos grandes temas que a sociedade moderna debate.
Penso em ti nos encontros em casa da tua avó que as minhas vindas a Portugal proporcionaram e na tua expressão serena e perscrutadora em direção a mim, numa como que tentativa de penetrar no pensamento do teu tio e dissecá-lo, procurando um qualquer mistério por detrás da capa enigmática que por vezes ostento, e revejo, em todos estes contos e poemas que aqui nos trazes, essa tua atitude observadora, estudiosa, dissecadora, sequiosa de compreender o mundo e o ser vivente, contos e poemas esses em que a tua capacidade de leitura do Outro se revela a cada passo e a cada momento.
Disse contos e poemas, e disse bem, pois a obra está organizada alternadamente com belos contos e belos poemas. Minha querida Dinamene, repito: surpreendeste-me. Tudo faz sentido, os poemas são lindos e têm uma mensagem subjacente.
Aliás, penso ter encontrado a linha de pensamento que te move em toda a obra, nos contos e poemas. Não apenas a do ciclo das estações que comandam a vida, mas a do ciclo cosmológico que comandam as vidas. Não andarei longe da verdade, estou certo, de tal forma essa linha ressalta ao longo da leitura implícita ou mesmo explícita.
Queres saber qual?
Querem saber qual?
Tudo se resume a esta expressão, que a autora não usa, mas é como se a usasses: ‘’Tudo é Um’’, querendo dizer que todos fazemos parte da energia cósmica de onde tudo deriva. De que, como disse Primo Levi, ‘’o homem é centauro, emaranhado de carne e espírito, de hálito divino e de pó’’.
1. Vemos isso logo na capa, no título: ‘’Pedaços de mim, partes vossas’’. O que quer isto dizer?
Parece óbvio: que todos somos um!
E quando me refiro a isto, não me refiro só aos grupos tribais a que a autora pertence e que estão aqui representados: família, amigos, colegas, conterrâneos. Representados nesta sala mas também presentes na obra dada à estampa, onde consigo reconhecer pedaços da avó Lida, da mãe Sê, do avô João, interligados de pedaços de outros que, obviamente, não conheço mas adivinho serem a família do lado do pai, amigos, colegas de trabalho, antigas condiscípulas, vizinhos, transeuntes que se cruzam no dia a dia com a autora. E, claro, consigo reconhecer pedaços da autora em Margarida, em Joana, e em mais uma ou outra das protagonistas femininas dos teus contos.
Não sendo só no título e sendo em toda a obra, como já disse, onde particularmente essa ideia do ‘’Tudo é Um’’?
2. A seguir à capa, logo no primeiro conto, ‘’Coisas de mãe’’. Cito:
‘‘São os filhos essa continuação de si mesmas, libertos do cordão, mas a elas ligados por feixes de luzes invisíveis, em laços e nós de afeto e de ternura’’.
Dois em um. Filho e mãe. Mãe e filho. Ligados por feixes de luzes invisíveis.
E o companheiro? Esse terceiro não conta? Conta. Cito:
«… em sintonia com o companheiro que lhe forneceu a energia necessária para dar à luz, tendo sido ele o veículo para que a energia do universo fluísse naturalmente».
Afinal o três em um. Um pequeno corolário do ‘’Tudo é um’’.
Este teu conto flui muito naturalmente, está muito bem escrito e tem um poema muito belo sobre a amizade, na linha dos grandes poetas que sobre ela escreveram:
«Se a amizade fosse uma árvore,
Seria grande e forte,
Com raízes profundas e sólidas,
Um tronco largo e robusto,
Ramos longos a crescer à sorte… » etc, etc.
Mas continuemos com a ideia de que tudo é UM.
3. Em ‘’Barcos’’, um conto fantástico, fantástico no duplo sentido da palavra, de novo abordas a ideia da ligação universal de tudo e todos, quando em nota de pé de página, ao explicares a origem da designação científica da cegonha-branca, terminas fazendo votos de que «as cegonhas continuem a trazer, além de bebés, as boas novas sobre o estado do ambiente».
A ligação da cegonha à ecologia e ao ambiente não é senão mais um afloramento dessa ideia da interligação energética de todos os seres, Biologia com Natureza. Que também traduzem as preocupações ambientais da autora, como neste conto muito bem se percebe.
Aliás, já no final do conto, tornas-te perfeitamente explícita, quando pões a Ciconia-ciconia a aconselhar João:
«Escreve esta história, para que os homens ponham os olhos na Natureza e não se esqueçam que são apenas uma parte dela».
‘’Tudo é um’’, mais uma vez. Tomara os homens seguirem o conselho da cegonha-branca.
4. A seguir, no poema AMOR, reparem como a autora termina o poema:
«Peguei na palavra AMOR
E atirei-a ao Ar…
Então, de novo, caiu em mim…
Caí em mim!
Voltou em muitas palavras, infinitas letras, várias emoções…
Porque no Amor cabe o Mundo, o Universo, o Sonho e o Real…»
Belo, belo, belo… Não só o poema em si mas a ideia de atirar as letras do Amor ao ar e recebê-las de volta, pois o amor gera o amor. E não é certo que o contrário, o ódio, gera a réplica de si mesmo, por isso o Mundo nunca mais se cura?
«Porque no Amor cabe o Mundo, o Universo, o Sonho e o Real»!
Pois cabe, minha querida Dinamene: No Amor cabe tudo, porque o ‘Tudo é Um’ e o ‘Um é Tudo’.
5. Também no conto ‘’Viagem à Terra Natal’’ vemos o afloramento desta ideia no abraço entre Maria Terra e José Mar, um «abraço de um minuto, que pareceu durar a eternidade». E porquê? Porque durante esse minuto, essa eternidade, «foram… UM SÓ»! Palavras da autora.
Foram… um só, como que numa fusão de espíritos e de corpos, de ‘’emaranhado de carne e espírito, de hálito divino e de pó’’, palavras de Levi, como disse antes.
6. Do mesmo modo no conto ‘’Vendedora de Sonhos’’, o que diz a Senhora do Monte às crianças quando lhe perguntam porque nunca falara da sua vida antes? Isto:
«Porque nunca me tinham perguntado. E porque gosto de vos contar histórias… Porque nas histórias que vos conto, também está um pouquinho da minha vida e das vossas!...».
E ao terminar o conto, a Senhora do Monte deixa às crianças esta mensagem:
«Não se esqueçam que sonhar faz parte de nós, como a realidade, e que, às vezes, os sonhos e a realidade se misturam. Nos sonhos está sempre um pouco da nossa realidade, tal como, no dia-a-dia, também estão os nossos sonhos».
A mesma coexistência cósmica do Tudo é UM. Sonho e realidade, realidade e sonho. Onde a fronteira?
7. É essa sintonia de espírito e carne, de hálito divino e de pó, que constitui a epifania da energia universal que provoca vibrações na Joana do conto ‘’Do lado de lá’’, essa energia que fazia Joana «atrair acontecimentos harmoniosos e felizes, criando empatia com os utentes».
8. Mas de novo, no belíssimo poema ‘’Respiro’’, não deixas de abordar a mesma ideia, a da comunhão das coisas e dos seres, quando dizes, a certa altura:
«Respiro,
Se me inspiro descalça na areia da praia.
E expiro a certeza de ser parte do ‘’Oceano’’».
Neste poema respiras, respiras, respiras, respiras, mas por fim suspiras, suspiras de tristeza e desespero. Com quê?
Tu o dizes:
«Com a guerra,
Com a fome, com a dor e o desespero,
Com a poluição, a exploração,
Com o vazio de espírito,
Com o egocentrismo, a futilidade, o materialismo (…)»
Com isto não te inspiras, não expiras, não respiras… Suspiras!
Minha querida, isto é poesia do melhor que há.
9. E até na Dedicatória final (Dedico), na duas últimas linhas, lá encontramos a mesma ideia do ‘’Tudo é Um’’ quando falas de uma das angústias do homem, a solidão. Cito:
«Pois até na mais recôndita das solidões, descobri que eu sou os outros, os outros que são eu»…
10. E, finalmente, em ‘’Janela Aberta’’, invocas essa identidade cosmológica com a seguinte frase:
‘’Gosto de sentir o universo inteiro
entrar no universo que sou».
Pois gostas, querida Dinamene, e não escondes isso de ninguém e é essa a linha correta de estar na vida, porque sendo todos e cada um de nós um indivíduo dotado de livre arbítrio, não deixamos de fazer parte do Todo Universal que nos rege a nós e ao Mundo.
…
Dinamene, gostei muito do teu livro, dos teus poemas, da tua sensibilidade, das tuas causas que são universais, o combate ao racismo, à discriminação, à destruição da Natureza, à violência, à guerra, à fome, à solidão, tudo isto perpassa pelos teus contos e poemas e vê-se que és uma MULHER e uma ESCRITORA com letra grande. Resta-me felicitar-te e desejar-te boa sorte. Que os teus leitores consigam entender os pedaços de ti e perceber quanto desses pedaços são parte deles mesmos!
Eduardo Ribeiro